Criadas células que produzem insulina a partir de clones de embriões humanos

Uma equipa de Nova Iorque conseguiu criar embriões humanos a partir de células humanas adultas de uma mulher diabética, usando a mesma técnica de clonagem que criou a ovelha Dolly. Os cientistas conseguiram ainda diferenciar células, a partir dos embriões, para produzir insulina.

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Linha de células estaminais criada a partir de embrião humano clonado de doente com diabetes NYSCF

O desenvolvimento reforça a possibilidade de, no futuro, se usar a investigação em células estaminais para criar células à medida de cada doente para tratar doenças como a diabetes, a doença de Parkinson, doenças cardíacas e outros problemas de saúde. Por outro lado, o feito mostra que está iminente a possibilidade de os cientistas criarem embriões humanos a pedido, algo que a Igreja Católica e os defensores pró-vida criticam fortemente.  

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O desenvolvimento reforça a possibilidade de, no futuro, se usar a investigação em células estaminais para criar células à medida de cada doente para tratar doenças como a diabetes, a doença de Parkinson, doenças cardíacas e outros problemas de saúde. Por outro lado, o feito mostra que está iminente a possibilidade de os cientistas criarem embriões humanos a pedido, algo que a Igreja Católica e os defensores pró-vida criticam fortemente.  

O trio de sucessos “aumenta a probabilidade de se criarem embriões humanos para gerar terapias especificamente para cada pessoa”, diz o especialista em bioética Insoo Hyun, da Faculdade de Medicina da Universidade Case Western Reserve, em Cleveland, EUA. E “a criação de mais embriões humanos para experiências científicas é uma certeza”.

Estes últimos progressos na investigação de células estaminais embrionárias iniciaram-se em Maio de 2013. Uma equipa de cientistas, liderada por Shoukhrat Mitalipov, da Universidade de Saúde e Ciência de Oregon, disse ter criado embriões humanos saudáveis que estão nos primeiros estádios – são apenas bolinhas ocas formadas por cerca de 150 células – ao fundir ovócitos com células de um feto, numa experiência, e com células de um bebé noutra experiência.

Ainda este mês de Abril, os cientistas do Instituto de Células Estaminais CHA em Seul, na Coreia do Sul, anunciaram que conseguiram fazer o mesmo usando células da pele de dois homens adultos. Em cada caso, os cientistas utilizaram uma versão da técnica que criou a ovelha Dolly em 1996, o primeiro animal clonado a partir de um mamífero adulto.

Esta técnica chama-se "transferência nuclear de células somáticas". Em humanos, a técnica passa por retirar o ADN do núcleo de um ovócito, fundir o ovócito sem núcleo com a célula de uma pessoa, e estimular o ovócito a iniciar a divisão e a multiplicação celular. O embrião resultante inclui células estaminais, que têm a capacidade de diferenciar em qualquer tipo de célula humana.

Apesar de a técnica parecer simples, os cientistas tiveram de contornar muitas dificuldades para a aplicar em células humanas. Agora chegaram a uma receita que funciona, e que inclui os nutrientes certos para sustentar os ovócitos e o tempo certo para iniciar o processo de divisão. Deste modo, conseguiram “uma forma reproduzível e confiável de criar células estaminais específicas para cada doente” a partir da clonagem, disse Robert Lanza, director científico da empresa Advanced Cell Technology, co-autor do artigo da equipa de Seul.

Doença incurável
Este último estudo é de uma equipa de cientistas liderada por Dieter Egli, do Instituto de Investigação da Fundação para as Células Estaminais em Nova Iorque, uma instituição financiada com dinheiros privados. A equipa conseguiu criar as células-beta, que no pâncreas produzem a insulina, a partir de embriões clonados de uma mulher de 32 anos com diabetes do tipo-1.

Este tipo de diabetes é de origem auto-imune. Nesta forma da doença, as células-beta não funcionam porque o sistema imunitário as ataca e destrói. Os doentes, que descobrem ser diabéticos logo durante a infância, têm de administrar-se diariamente insulina. As células-beta, agora criadas, produzem tanta insulina como a produzida por um pâncreas humano saudável, diz Dieter Egli.

Quando transplantadas para ratinhos de laboratório, estas células funcionaram normalmente, produzindo insulina em resposta à presença de glicose no sangue. O investigador não tem planos para transplantar células-beta derivadas de células estaminais para doentes com diabetes do tipo-1, em grande parte porque as novas células vão ter o mesmo destino do das células-beta originais do doente. Como neste tipo de diabetes o sistema imunitário destrói as células-beta, as novas células transplantadas acabariam por ser inutilizadas, antecipa Egli.

Um dos mais importantes usos das células-beta criadas agora em laboratório será a investigação, e não o uso em terapias, disse por sua vez Douglas Melton, do Instituo de Células Estaminais de Harvard, nos EUA, que não esteve envolvido no estudo.

Segundo os especialistas, um imperativo da investigação a ser feito agora são experiências em animais para comparar o potencial uso terapêutico das células estaminais embrionárias com as células estaminais criadas a partir de células adultas “reprogramadas”. Esta última técnica contorna a necessidade de criar embriões humanos e, por isso, foi saudada como uma forma de se fazer investigação em células estaminais sem problemas éticos. No entanto, estas células estaminais produzidas a partir de células adultas morrem jovens ou destroem-se, sugerindo, afinal, uma necessidade de retomar a criação de embriões humanos clonados para produzir células estaminais viáveis.

Mas esta limitação das células estaminais criadas a partir da reprogramação de células adultas fez ressuscitar o debate inflamado de 2001, quando o então presidente George W. Bush declarou que não haveria financiamento federal para criar embriões humanos na investigação científica. Na altura, só podiam ser utilizadas células estaminais que já tinham sido criadas antes ou que viessem de embriões produzidos por fertilização in vitro.

Agora, com a criação de células estaminais específicas para cada doente, é provável que haja mais interesse científico em criar embriões humanos para a investigação, trazendo o debate ético de novo para a linha da frente.  

“Estão a clonar embriões humanos e a matá-los para utilizar as suas células”, disse David Prentice, um biólogo pró-vida do Conselho de Investigação da Família, com sede na cidade de Washington. “Devia haver muito mais indignação.”