Reacções à morte do escritor Vasco Graça Moura
"Momento de luto para a cultura portuguesa"
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"Momento de luto para a cultura portuguesa"
O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, lamentou este domingo a morte de Vasco Graça Moura, afirmando que este é um “momento de luto para a cultura” portuguesa e “para a vida cívica do país”.
“Portugal perdeu hoje um dos seus maiores cidadãos”, afirmou o chefe do Governo numa mensagem divulgada ao início da tarde, onde acrescenta que foi com um “profundo pesar” que soube morte do presidente do Centro Cultural de Belém.
Afirmando que ambos estavam ligados por “laços de amizade”, Passos Coelho lembrou que Vasco Graça Moura deixou um “vasto legado literário, marcado pela inspiração e pela dedicação à língua portuguesa, que enriqueceu como poucos, uma constante procura da identidade nacional e um clarividente pensamento sobre as raízes, a herança política e filosófica e o futuro da Europa”.
O primeiro-ministro destacou ainda a sua actividade como “divulgador das letras portuguesas”, como responsável por várias e prestigiadas instituições nacionais e o seu percurso político “marcado pela coragem, pela frontalidade e pelo arreigado humanismo com que assumiu a cada passo as suas convicções”.
“Por tudo isto, Vasco Graça Moura recebeu em vida as mais altas honras e distinções”, acrescentou Passos Coelho, destacando a homenagem que lhe foi prestada em Janeiro na Fundação Calouste Gulbenkian.
"Uma enorme perda"
O poeta Nuno Júdice lamentou a morte de Vasco Graça Moura, que classificou como “uma enorme perda” para a cultura portuguesa, sublinhando que o autor deixa “uma obra considerável”.
“É uma notícia muito triste, sabia que ele estava numa situação muito grave e que tinha voltado a ser internado, mas a morte de uma pessoa como o Vasco Graça Moura é uma enorme perda”, disse à Lusa o poeta, que, em Janeiro, organizou uma homenagem ao autor de Quatro últimas canções, na Fundação Calouste Gulbenkian.
Nuno Júdice referiu-se a Graça Moura primeiro como amigo e companheiro de “muitas situações literárias, de há muito tempo” e, depois, como “uma pessoa com uma enorme energia”.
“Penso que aquilo que o fez sobreviver durante tanto tempo foi ter-se dedicado inteiramente ao seu trabalho no Centro Cultural de Belém e também à escrita dos seus textos”, declarou o director da Colóquio Letras, da Fundação Gulbenkian.
“Quando penso na poesia portuguesa, julgo que é uma obra considerável e daquelas que irá ficar. Vê-la interrompida desta maneira é sempre uma péssima notícia para a nossa cultura”, afirmou Nuno Júdice.
"A literatura saía-lhe com naturalidade, mas nunca com banalidade"
A escritora, poeta e editora Maria do Rosário Pedreira afirmou ao PÚBLICO: "Com a morte de Vasco Graça Moura, perdemos um dos nossos últimos verdadeiros intelectuais: um homem com uma cultura extraordinária da grande e da pequena história, melómano, literato, e um criador invulgar que nos lega uma obra felizmente bastante extensa e ainda, por meio das suas traduções, a obra de muitos outros autores de épocas e estilos diferentes com a sua marca poética muito especial.
A este respeito, lembro-me de ter feito uma viagem de avião com ele há uns anos, de Lisboa para Madrid, e de ele ocupar o tempo todo do voo a traduzir dois poemas de Petrarca (só ele conseguiria fazê-lo, e bem, em pouco mais de uma hora); e de, na mesma altura, depois de um jantar em casa do então conselheiro cultural em Madrid, o escritor João de Melo, nos ter brindado com um soneto belíssimo, feito ali na hora, em três tempos, gabando a refeição e o convívio. A literatura saía-lhe com naturalidade, mas nunca com banalidade. Além disso, era a voz com mais peso contra o Acordo Ortográfico e, também por isso, vai fazer muita falta."
"Marca indelével" na literatura
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, sublinha a “marca indelével” que Vasco Graça Moura deixa na literatura, no debate democrático de ideias e na defesa da cultura.
“Neste momento de luto, rendo a minha homenagem ao homem de letras e ao homem de acção, que deixa uma marca indelével tanto na literatura, como no debate democrático de ideias e na defesa da nossa cultura”, lê-se numa mensagem divulgada no site da Presidência da República.
Na missiva, o chefe de Estado sublinha que foi com “profundo pesar” que tomou conhecimento da morte de Vasco Graça Moura, “um dos maiores escritores portugueses das últimas décadas e um dos intelectuais que mais contribuíram para a afirmação e a projecção internacional da nossa cultura”.
“Poeta e romancista de prestígio abundantemente reconhecido, quer entre nós, quer no espaço europeu, Graça Moura foi também o tradutor de alguns dos grandes autores do Ocidente para a língua portuguesa, a qual enriqueceu como poucos”, recorda Cavaco Silva.
Além disso, acrescenta o Presidente da República, o seu dinamismo e a sua criatividade, enquanto responsável por várias instituições ou como deputado ao Parlamento Europeu, “foram decisivos para o reconhecimento da cultura portuguesa além-fronteiras”.
"Contributo para a construção europeia"
“Foi com muita tristeza que soube da morte de Vasco Graça Moura, um grande amigo. Perdemos hoje um homem de excepcional cultura que ficará na História das Letras Portuguesas”, afirmou presidente da Comissão Europeia José Manuel Durão Barroso, numa mensagem enviada à agência Lusa.
“Queria ressaltar nesta ocasião o seu qualificado contributo para a construção europeia e o seu compromisso com uma visão de um papel forte de Portugal nesta nossa União Europeia. À sua família, as minhas mais sinceras condolências”, acrescenta o chefe do executivo comunitário.
"Artesão da Língua Portuguesa"
“Ao longo de mais de 40 anos, [Vasco Graça Moura] foi um construtor de palavras, de obras, de feitos, de organizações”, afirma o secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, sobre o poeta.
“Vasco Graça Moura vai fazer falta”, prossegue o titular da Cultura. “Seja como poeta, escritor, tradutor, cronista, gestor cultural ou político, Vasco Graça Moura sempre colocou em tudo aquilo que fez uma paixão e dedicação genuínas e contagiantes. Convocou sempre à sua volta lealdade e dedicação, demonstrando o seu valor não só como criador mas como homem”.
“Em cada uma [das suas] missões, Vasco Graça Moura deixou um legado de serviço público, competente, original, criando valor e valores”, lembra o governante, na “expressão pública de pesar”, na qual lembra o papel do jurista, escritor e poeta, na Expo 98, na RTP, na Fundação Calouste Gulbenkian, na Fundação Luso-Americana, na Imprensa Nacional Casa da Moeda, no Centro Cultural de Belém, entre outras instituições.
“Erudito, cultor e artesão da Língua Portuguesa, é através dela que Vasco Graça Moura nos oferece algumas das suas obras mais perenes. É também pela Língua que travou combates de frontalidade e determinação, coerente com as suas ideias e o seu sentido de sociedade”, prossegue o comunicado de Barreto Xavier.
“O rigor, a maestria, o valor da sua escrita valeram-lhe reconhecimento nacional e internacional, como poeta, tradutor e crítico literário. Por essa via, tornou mais rica a Literatura Portuguesa e acessíveis, aos falantes do Português, na forma da excelência da tradução, obras universais”.
O secretário de Estado da Cultura lembra ainda a vida política de Vasco Graça Moura, na fundação do PPD/PSD, como deputado na Assembleia da República e no Parlamento Europeu.
“A partida de Vasco Graça Moura é uma dura perda para a Cultura e Política portuguesas”, lê-se no comunicado. “A sua permanente determinação, a elegância da sua postura, a inteligência da sua presença” ficarão “como referência”, conclui Barreto Xavier.
"A cultura portuguesa perdeu o seu último aristocrata"
O editor Manuel Alberto Valente, disse ao PÚBLICO: "Eu perdi um amigo, mas, mais importante do que isso, a cultura portuguesa perdeu o seu último aristocrata. Homem de uma cultura infindável, poeta com a melhor "oficina" do século XX, tradutor exímio, Vasco Graça Moura foi também um cidadão empenhado, que sempre defendeu sem medo as suas ideias, mesmo quando elas iam contra a opinião dominante no seu meio. Era de homens como ele que o país precisava: mesmo quando discordávamos do seu pensamento (e tantas vezes discordei) sabíamos que a sua palavra ecoava dignidade e inteligência."
"Um escritor de 'todos os ofícios'”
O presidente do Tribunal de Contas, Guilherme d´Oliveira Martins, presta “homenagem sentida” a Vasco da Graça Moura, que considera “um dos maiores da cultura portuguesa”, um escritor de “todos os ofícios”. “É um grande amigo que perco, que conheço há cerca de quarenta anos e com quem tive sempre uma relação de admiração e estima pessoal, membro activo do Centro Nacional de Cultura, deixa-nos um lugar insubstituível”, refere numa declaração enviada à agência Lusa.
Guilherme d´Oliveira Martins recorda “um humanista dos tempos de hoje - frontal, corajoso, determinado”, mas também “o poeta e o ensaísta dotadíssimos, um escritor de todos os ofícios e sempre com elevadíssima qualidade e sensibilidade, capaz de abranger de um modo amplo e compreensivo a identidade portuguesa e a sua ligação universal desde os clássicos aos modernos”.
“Não há palavras neste momento. Apenas o silêncio de uma sentida homenagem a um dos nomes maiores da cultura portuguesa”, diz Guilherme d’Oliveira Martins.
"Foi talvez um dos últimos homens do Renascimento”
“Esta era uma notícia de que infelizmente estávamos à espera a qualquer momento, mas nunca se está preparado para a morte de um amigo. O Vasco era um grande amigo de há muitos anos. É uma perda tremenda para a cultura portuguesa. Estamos a falar de um dos maiores poetas portugueses do século XX”, disse à Lusa o musicólogo Rui Vieira Nery.
Recordou o “homem de cultura que tocou muitos campos”, da poesia ao romance, passando pelo ensaísmo, e o “gestor cultural extraordinário, que soube juntar à sua volta o que havia de melhor na cultura portuguesa”.
“E soube fazê-lo sempre com um espírito de abertura muito grande, ele que era um homem de opiniões políticas muito fortes, mas, como gestor cultural, soube sempre abrir as iniciativas que organizou aos melhores, independentemente das conotações políticas de cada um. Estamos a falar de alguém a quem Portugal deve muito”, acrescentou.
O musicólogo e amigo de Vasco Graça Moura, mas com o qual não partilhava as mesmas ideias políticas, sublinhou o “exemplo de empenho cívico e de cidadania” e a forte “noção de responsabilidade cívica” de alguém com “convicções muito firmes e que intervinha na vida pública com muita firmeza”.
“A vida pública portuguesa, tanto como a vida cultural, vão ficar muito mais pobres”, referiu o investigador, que também foi secretário de Estado da Cultura.
O musicólogo falou ainda de Graça Moura como “uma referência” que, pela amplitude da sua cultura e conhecimento, foi “talvez um dos últimos homens do Renascimento”.
"Era uma grande figura da cultura portuguesa"
O histórico socialista Manuel Alegre classificou este domingo Vasco Graça Moura como “uma figura impar na vida cultural contemporânea” portuguesa e disse ser “muito triste” perder um poeta com a sua dimensão.
“Era uma grande figura da cultura portuguesa, grande poeta, excelente tradutor com magníficas traduções de Dante, Shakespeare e outros”, disse à Lusa Manuel Alegre.
O socialista elogiou ainda o trabalho que desenvolveu à frente das instituições onde esteve, tendo destacado o “excelente trabalho” enquanto comissário do pavilhão de Portugal na Exposição Mundial de Sevilha e agora à frente do Centro Cultural de Belém (CCB). Afirmando que era um “homem de grande abertura” nas questões culturais, “nada sectário e um bom camarada”, Manuel Alegre disse ainda que Vasco Graça Moura tinha uma grande capacidade de trabalho e uma “extraordinária coragem”. “Resistiu à doença além de tudo aquilo que era previsível”, sublinhou.
"Luta contra a aberração que é o acordo ortográfico”
“É uma tristíssima notícia, embora esperada [pois] sabia que ele estava gravemente doente. Eu admirava-o muito como figura, mas também como pessoa, como homem e como artista, sem dúvida alguma”, disse este domingo à agência Lusa o poeta, tradutor e antigo administrador da Gulbenkian, Pedro Tamen.
O autor que dirigiu a antiga Moraes Editores recordou o trabalho de apresentação do primeiro livro de poesia de Graça Moura, em 1962/63, que fez para um jornal, realçando que, a partir desse momento, se iniciou “alguma convivência, nunca muito próxima durante muito tempo, mas que se estreitou ao longo da vida”.
Pedro Tamen salientou a capacidade de Vasco Graça Moura de, “ao mesmo tempo que mantinha as suas posições políticas e sociais, criar à sua volta um unânime sentimento de admiração pelas suas qualidades humanas, como criador e como tradutor”.
O autor de O Guião de Caronte apontou a luta de Graça Moura, “infelizmente inglória até agora, contra a aberração que é o acordo ortográfico”, como um exemplo das suas “qualidades de verticalidade e capacidade para enfrentar, para distinguir as posições que assumia em vários campos”.
Neste contexto, lembrou que, quando assumiu funções no Centro Cultural de Belém, Vasco Graça Moura declarou que “o português era o português de antes do acordo ortográfico”.
“Os poetas não deviam morrer”.
“Portugal perde um grande poeta, um defensor da língua portuguesa. O Vasco foi dos grandes defensores da pureza da linguagem contra esta mudança que se pretende, este terrível atentado contra a língua portuguesa que é o acordo ortográfico”, disse à Lusa a escritora Maria Teresa Horta. Lamentou a morte do seu amigo, afirmando que “os poetas não deviam morrer”.
Sobre o seu percurso político, Maria Teresa Horta disse que sempre considerou “inexplicável que um homem como o Vasco fosse de direita”.
“Para mim era contranatura”, acrescentou.
"Uma cultura vastíssima como é raro encontrar"
“Era um grande escritor. Era um escritor em todos os sentidos das palavras: escrevia prosa, poesia, ensaios, escrevia muito bem. Era um homem cultíssimo, de uma cultura vastíssima como é raro encontrar”, disse à Lusa o poeta e coordenador do Plano Nacional de Leitura, Fernando Pinto do Amaral. Frisou que, apesar disso, Vasco Graça Moura “conseguiu sempre manter uma enorme ligação ao quotidiano e à vida dita comum”.
“A sua escrita pode ser lida em muitos graus. Para quem tem referência culturais, essa escrita implica uma série de referências mas, por outro lado, quem não tiver essas referências pode lê-la e, mesmo assim, é uma escrita fantástica”, afirmou.
“Tinha uma enorme capacidade de chegar directamente às pessoas sem, ao mesmo tempo, apagar a imensa cultura que tinha. Conseguia conciliar isso tudo”, acrescentou o poeta.
Afirmando que Vasco Graça Moura “era um homem com imensas dimensões”, Fernando Pinto do Amaral descreveu-o também como uma pessoa “extremamente inquieta, sempre com vontade de fazer mais, preocupado com o futuro da Europa e de Portugal”.
“É muito difícil falar de uma só dimensão do Vasco. É uma figura única”, concluiu.
"Infelizmente, deixou-nos um dos nossos grandes poetas”
Francisco José Viegas, director editorial da Quetzal Editores onde Vasco Graça Moura está publicado: “Pessoalmente, era um homem superiormente inteligente, sensível, dedicado à literatura, inquietado pela literatura. Vasco Graça Moura é um dos nossos grandes poetas europeus, um clássico que ultrapassou a fragilidade e as maldições do tempo – a sua obra, a sua intuição minuciosa e cheia de cultura, de erudição e de leveza, deviam ser motivo suficiente para relermos, também, a beleza terrível da sua Poesia Reunida."
"Poucos conseguiram, como Vasco Graça Moura, recriar o cânone da nossa grande poesia e comover-nos tão profundamente, entre a ironia e a melancolia (seus instrumentos fundamentais), num equilíbrio de grande autor e de respeito pela tradição dos seus mestres que vêm do renascimento até hoje. O lugar de poeta não esconde, além disso, a sua figura de magnífico tradutor (o de Dante ou Shakespeare), de romancista, de ensaísta culto e exigente, de homem criativo e empenhado pelo seu país. Era um homem raro, com convicções fortes – e um espírito combativo. A Quetzal, que publica a sua poesia e a sua ficção, bem como as inúmeras traduções premiadas que nos deixou, sofre com a perda de um autor sublime. Como o próprio Vasco Graça Moura dizia recentemente, ‘está a faltar poesia em Portugal’. Infelizmente, deixou-nos um dos nossos grandes poetas.”