O Brasil verdadeiro à altura de homem no IndieLisboa
Do Recife, os brasileiros Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira mostram a concurso no IndieLisboa o quotidiano da música brega em Amor, Plástico e Barulho . Um olhar sem caricaturas para o Brasil que as telenovelas não mostram, como o casal explica em Lisboa
Amor, Plástico e Barulho é a primeira longa de ficção de Renata depois de vários projectos multimedia, curtas e documentários, escrita a meias com Sérgio: um drama ambientado no mundo da música “brega”, espécie de “pimba” local, mas que evita habilmente todos os lugares-comuns do filme de show-business. É mais uma amostra de um cinema brasileiro produzido fora dos centros tradicionais paulista e carioca, apostado em descobrir outros percursos que, aos poucos, começa a furar a barreira da telenovela e do tropicalismo e a merecer exposição deste lado do Atlântico, com o excelente O Som ao Redor (2012) de Kleber Mendonça Filho como “ponta-de-lança” dessa visibilidade. Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira são “conterrâneos” de Kleber, baseados na cidade pernambucana do Recife, e foi por aí que começou uma curta conversa nos sofás da Culturgest.
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Amor, Plástico e Barulho é a primeira longa de ficção de Renata depois de vários projectos multimedia, curtas e documentários, escrita a meias com Sérgio: um drama ambientado no mundo da música “brega”, espécie de “pimba” local, mas que evita habilmente todos os lugares-comuns do filme de show-business. É mais uma amostra de um cinema brasileiro produzido fora dos centros tradicionais paulista e carioca, apostado em descobrir outros percursos que, aos poucos, começa a furar a barreira da telenovela e do tropicalismo e a merecer exposição deste lado do Atlântico, com o excelente O Som ao Redor (2012) de Kleber Mendonça Filho como “ponta-de-lança” dessa visibilidade. Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira são “conterrâneos” de Kleber, baseados na cidade pernambucana do Recife, e foi por aí que começou uma curta conversa nos sofás da Culturgest.
Exactamente o que é que o Recife tem para se ter tornado tão visível na produção de cinema brasileira?
Renata Pinheiro (RP) - Acho que as pessoas trabalham com muita liberdade. Temos um fundo [de apoio à produção] que aposta mais nos projectos menos caros, trabalhamos com equipas pequenas e de amigos, e essa constância e segurança de produção, que não está atrelada a um compromisso comercial ou a um retorno financeiro, nos dá muita liberdade. Não sei bem porquê, mas temos uma forma de pensar o cinema que não está tão atrelado a modelos e formas do cinema comercial.
Mas parece haver uma espécie de movimento do cinema brasileiro que passa muito mais por fora dos grandes centros urbanos do que pelo Rio e São Paulo.
Sérgio Oliveira (SO) – Tem razão quando diz que Pernambuco tem esse fervilhar, exactamente porque não teve modelos por perto como a Globo no Rio e em São Paulo, e as outras televisões, como a SBT ou a Record, fizeram uma teledramaturgia sempre calcada nesse modelo. Pernambuco, como estava fora, teve uma certa vantagem e por conta disso essa liberdade de fazer o que quiser, mas noutros parâmetros. Recife fica a seis horas e meia da Europa e a três horas e meia de São Paulo. Talvez a situação geopolítica da cidade na esquina do Brasil, mais perto da Europa, dos EUA, de África, seja um trampolim para você ir para qualquer lugar
RP – O que é interessante é que o cinema pernambucano causa uma certa surpresa até para os brasileiros. Quando estreia um filme pernambucano em São Paulo ou no Rio as pessoas ficam fascinadas. É engraçado porque o Brasil é muito grande de facto, e o Recife em particular é um local onde a periferia habita o centro. Nos grandes centros mais ricos a periferia é sempre mais afastada, daí que essa mistura social que o Recife tem influencie nossos filmes. Estamos a falar da nossa realidade.
SO – O Recife tem essa característica, que não é forçosamente saudável – o subúrbio, a miséria estão no centro da cidade. Moramos num bairro que é considerado rico, Boa Viagem, mas o centro é uma espécie de Iraque no pós-guerra – tudo abandonado, sem-abrigos por todo o lado, e o centro fica desprovido tanto de serviço como de coisas mais básicas.
Amor, Plástico e Barulho é um filme que fala precisamente sobre o quotidiano dessa gente, vista como raramente a vemos.
RP – Lembro-me que no primeiro dia de ensaios a primeira coisa que falei foi que isto seria um filme de personagens. A minha intenção era aproximar-me muito mais dessas pessoas do que fazer um filme sociológico sobre a música brega e a cultura popular. Interessava-me muito mais o lado humano, mostrar que pessoas são essas que fazem essa música. Estava querendo me aproximar do Brasil verdadeiro. Ter uma câmara à altura do olhar humano. É um assunto que gera muito preconceito e queria fazer uma ficção sem preconceitos, sem caricaturar. Esse mundo da música brega que só existe porque existe também formas de escoar essa produção. Eles nunca precisaram, nem pediram, aceitação da cultura social.
SO – E acho que tem uma semelhança muito grande com o do-it-yourself do movimento punk inglês. É um filme é igual à música brega, um cachorro vira-lata (risos). Não estamos numa de cultura high-brow, elitista.
RP - Talvez o Recife tenha essa coisa bacana de nos podermos apoderar do que nos rodeia sem preconceitos...
Amor, Plástico e Barulho é exibido este domingo 27 na Culturgest, em Lisboa e segunda 28 no Cinema City Campo Pequeno, sempre às 21h30