O descontentamento, a revolta e a alegria saíram à rua em Lisboa
Milhares de pessoas desceram a Avenida da Liberdade em Lisboa e concentraram-se no Rossio onde cantaram Grândola Vila Morena. No fim, no Terreiro do Paço, caíram cravos do céu.
Ainda não eram 15h e já muitas pessoas se concentravam no Marquês do Pombal. Havia sol, música, vendedores de cravos, bandeiras de Portugal que se agitavam com o vento, cartazes e faixas com críticas aos governantes. Daniel Almeida, 67 anos, empregado de escritório reformado, quis juntar-se à “onda de protesto”: “Tenho mais que razões para isso, a minha vida foi bastante alterada por estas pseudo-reformas que mais não são do que ir ao bolso. Na altura do 25 de Abril tinha 27 anos, estive no Largo do Carmo, tinha saído da tropa, não tinha medo de nada. Senti muito aquilo. Passaram 40 anos, mas parece que passaram 40 dias, 40 meses”, diz.
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Ainda não eram 15h e já muitas pessoas se concentravam no Marquês do Pombal. Havia sol, música, vendedores de cravos, bandeiras de Portugal que se agitavam com o vento, cartazes e faixas com críticas aos governantes. Daniel Almeida, 67 anos, empregado de escritório reformado, quis juntar-se à “onda de protesto”: “Tenho mais que razões para isso, a minha vida foi bastante alterada por estas pseudo-reformas que mais não são do que ir ao bolso. Na altura do 25 de Abril tinha 27 anos, estive no Largo do Carmo, tinha saído da tropa, não tinha medo de nada. Senti muito aquilo. Passaram 40 anos, mas parece que passaram 40 dias, 40 meses”, diz.
Faltam poucos minutos para as 15h, quando se começa a ouvir Zeca Afonso a cantar Milho Verde. Ao longe, tocam tambores. Cláudia Neto, 22 anos, nasceu já depois da revolução. Estudou audiovisual e multimédia e está a fazer um estágio na área dos videojogos: “Nós não vivemos a ditadura nem o 25 de Abril, mas somos o futuro, é nossa obrigação fazer prevalecer os valores de Abril”, defende.
Isabel Santos, auxiliar numa Cerci, 48 anos, foi até à Avenida da Liberdade para festejar a data e reivindicar “as conquistas de Abril”: “As coisas estão muito más e temos de fazer alguma coisa. Estou insatisfeita, descontente. Tudo o que se conseguiu depois de derrubar o fascismo está-se a perder. Estamos a perder direitos, a empobrecer, a trabalhar mais, a ganhar menos.”
A chaimite levada para o desfile pela Associação 25 de Abril foi alvo de fotografias e de palmas enquanto descia a avenida, em direcção ao Rossio. Os mais pequenos também gostavam de a ver passar e faziam perguntas. Um miúdo que não devia ter mais de sete anos perguntava: “Ó avó, tu já estavas viva no 25 de Abril, não já?”
Havia ânimo entre as pessoas, mas muita revolta nas palavras: “O meu filho está desempregado há dois anos, tenho um neto que também está desempregado. Tenho uma reforma de 200 e poucos euros! A minha filha está na função pública e tem sido roubada. Até me dá vontade de chorar ver como isto está!”, desabafa Arminda Mendes, reformada de 74 anos. Manuel Cabaço, 77 anos, que empunhava uma bandeira da Associação Nacional de Sargentos, saiu à rua em protesto contra as políticas do Governo, que “está a empobrecer o país”, mas também para “festejar os 40 anos do 25 de Abril”.
Governo perdeu “legitimidade”
Durante o percurso, em que as autoridades estimaram estar pelo menos 50 mil pessoas, gritou-se muitas vezes: “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais!” ou “O povo unido jamais será vencido”. No meio da multidão, o fotojornalista Eduardo Gageiro, 79 anos, não parava de cumprimentar pessoas. Apesar de doente, jamais faltaria: “Vim cá com grande sofrimento físico, mas grande entusiasmo mental. O 25 de Abril de 1974 foi o dia mais feliz da minha vida”, diz, acrescentando que, 40 anos depois, não pode aceitar que “haja pessoas com fome em Portugal”. Defende que, apesar de democraticamente eleito, o Governo “fez promessas que não cumpriu”: “São uns frangos de aviário sem passado nem futuro.”
Muitos rostos da esquerda estiveram presentes. O coordenador do BE, João Semedo, lembrou que o 25 de Abril “não foi feito para haver um milhão de desempregados e dois milhões de pobres”. O eurodeputado comunista João Ferreira defendeu que as pessoas não se podem “conformar” com “o rumo de destruição que o país vem percorrendo” e o deputado comunista António Filipe também sublinhou que é preciso defender os “valores do 25 de Abril” numa altura em que “estão seriamente ameaçados”. Já o líder da CGTP, Arménio Carlos, considerou que o número de pessoas que saíram à rua significa “mais esperança e mais ânimo”.
Para o presidente da Associação 25 de Abril, Vasco Lourenço, o dia era de “luta pela recuperação dos valores de Abril”: “A maior parte está a ser destruída por este poder, temos de lutar para evitar isso”, defendeu, considerando que a participação no desfile foi reveladora “do que o povo está a sentir”. Um alerta para o Governo? “Infelizmente, eles comportam-se como mudos e surdos, mas espero que saibam tirar as ilações”, disse.
No Rossio, Aprígio Ramalho, da Associação 25 de Abril, também sublinhou que a participação no desfile foi um sinal “inequívoco” de que os valores de Abril “estão bem vivos no coração dos portugueses, apesar das tentativas de apagamento a que têm sido sujeitos”. Alertou para a “destruição do muito que foi conseguido” e defendeu que o Governo, apesar de democraticamente eleito, “não tem respeitado promessas e compromissos” e perdeu a “legitimidade moral, ética e cívica para o exercício das funções”. Apelou à “mobilização popular”: “É imperioso que, de forma veemente, digamos não à resignação e à apatia”.
No final, cantou-se Grândola Vila Morena, de cravo no ar. Depois, muitas pessoas ainda foram até ao Terreiro do Paço para apanhar os milhares de cravos atirados por um helicóptero, numa iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa.