E uma gota de betume (da experiência mais longa de sempre) caiu outra vez

Experiência de maior duração em laboratório – iniciou-se há 87 anos, na Austrália – tem cativado a imaginação de muita gente. Pode ser acompanhada em directo pela Internet, tal como uma experiência idêntica, mas menos longa, na Irlanda.

Foto
A experiência australiana da gota de betume DR

A experiência consiste num pedaço de betume, ou alcatrão natural, que parece sólido à temperatura ambiente mas na realidade é um fluido, e que foi deixado dentro de um funil de vidro. No vagar inerente a esta experiência, vai-se formando na parte de baixo do funil uma gota e ela cai ao ritmo médio de uma vez por década.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A experiência consiste num pedaço de betume, ou alcatrão natural, que parece sólido à temperatura ambiente mas na realidade é um fluido, e que foi deixado dentro de um funil de vidro. No vagar inerente a esta experiência, vai-se formando na parte de baixo do funil uma gota e ela cai ao ritmo médio de uma vez por década.

John Mainstone deparou-se em 1961 com a experiência – o funil de vidro tapado por uma campânula – logo no segundo dia de trabalho na Universidade de Queensland. Já decorria desde 1927. Tinha começado com outro físico, Thomas Parnell, que queria ensinar aos seus alunos as propriedades fantásticas do betume.

Composto por uma mistura complexa de hidrocarbonetos, o betume era usado para impermeabilizar navios ou vedar juntas. Parecia sólido, podendo até ser partido por um martelo, mas na realidade era um material viscoso, portanto um fluido. Thomas Parnell aqueceu um bocado de betume e escorreu-o para dentro do funil, com a parte de baixo tapada. Esperou três anos para que tudo assentasse, depois abriu a parte de baixo e deixou a gravidade fazer o seu trabalho. Foi-se mantendo um registo da experiência: a primeira gota caiu em 1938, depois as outras em 1947, 1954, 1962, 1970, 1977, 1988 e, a oitava, a 28 de Novembro de 2000.

Nem Thomas Parnell nem John Mainstone viram uma gota a cair. John Mainstone perdeu essa oportunidade em três ocasiões, refere agora um comunicado de imprensa da Universidade de Queensland. Perdeu-a por um dia em 1977; por apenas cinco minutos em 1988, quando a experiência estava na Exposição Mundial de Brisbane, na Austrália; e em 2000, quando a câmara de vídeo, que vigiava a gota e permitia acompanhar a experiência pela Internet, estava desligada nesse preciso momento devido a um apagão eléctrico de 20 minutos.

Em 2002, a experiência australiana entrou no Livro Guinness de Recordes Mundiais como a experiência laboratorial mais longa em curso e, em 2005, ganhou um IgNobel, prémios que distinguem a ciência mais divertida e inacreditável “por fazer as pessoas rir primeiro e pensar depois”.

Embora não visse uma única gota a cair da experiência que zelava, John Mainstone ainda chegou a ver a queda de uma gota numa experiência semelhante na Irlanda, registada em vídeo. Em Julho do ano passado, o Trinity College, em Dublin, na Irlanda, divulgou que a sua experiência da gota de betume, em marcha desde 1944, tinha dado mais uma gota. Não se sabe de quem foi a ideia desta experiência. Esquecida durante anos, enquanto as gotas se sucederam, em Maio do ano passado, com a última à beira da queda, o físico Shane Bergin e colegas do Trinity College começaram as transmissões na Internet.

Por fim, na madrugada de 11 de Julho a gota desprendeu-se. Esse vídeo não só chegou às mãos de John Mainstone como a sua propagação pela Internet se tornou viral. “Estas experiências captam a nossa imaginação porque se prolongam por muito tempo”, considera Stefan Hutzler, cientista do Trinity College que fez cálculos sobre a viscosidade do betume, citado agora pela revista britânica NewScientist numa notícia sobre a queda da nova gota da experiência australiana.

Troca de recipientes precipitou tudo
Desde 2000, três câmaras têm também vigiado a experiência australiana, para captarem o grande momento da nona gota. E, para não perderem esse espectáculo, mais de 25 mil pessoas, de 158 países, registaram-se para apanhar esse instante e acompanharem o que se passava em directo. Finalmente, aconteceu o que tanto se esperava: este mês de Abril, a gota em suspensão movimentou-se muito devagar, até tocar na oitava gota depositada no fundo do recipiente. Não se desprendeu logo.

“Pode tombar rapidamente ou pode mover-se lentamente para baixo e levar anos até se separar da décima gota”, chegou a dizer Andrew White, o sucessor de John Mainstone como a guardião da experiência australiana.

Mas, na realidade, não foi necessário aguardar muito tempo. Inadvertidamente, esta quarta-feira (24 de Abril) a nona gota libertou-se por completo, durante a substituição do recipiente onde se encontram as anteriores oito gotas.

“Jonh Mainstone e eu tínhamos falado sobre a melhor maneira de manter a experiência por mais 80 anos”, conta Andrew White, citado noutro comunicado da sua universidade. “Tínhamos decidido que a melhor altura para arranjar espaço para as próximas gotas seria logo depois da nona gota tocar no fundo.”

Assim, para substituir o recipiente, Andrew White levantou a campânula, só que a base de madeira da experiência oscilou. Resultado, a nona gota separou-se do resto do betume. Agora o recipiente com as nove gotas encontra-se ao lado da campânula – e a espera pela décima gota já começou pacientemente.