Viarco: a inovação dos lápis num cenário de Abril de 1974
A oferta tradicional é complementada com inovações para profissionais das Artes e objectos de "design" para mercados de nicho
"Estamos exactamente na mesma situação do 25 de Abril de 74". O que é que isto quer dizer? José Miguel Vieira Araújo explica: "A fábrica está rigorosamente igual, o mobiliário ainda é todo o mesmo e 90 a 95% dos equipamentos de produção também continuam tal como estavam". Na Viarco, acrescenta o empresário de 40 anos, as máquinas de escrever foram substituídas por computadores, mas, à excepção desse aspecto, a principal mudança é imaterial.
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"Estamos exactamente na mesma situação do 25 de Abril de 74". O que é que isto quer dizer? José Miguel Vieira Araújo explica: "A fábrica está rigorosamente igual, o mobiliário ainda é todo o mesmo e 90 a 95% dos equipamentos de produção também continuam tal como estavam". Na Viarco, acrescenta o empresário de 40 anos, as máquinas de escrever foram substituídas por computadores, mas, à excepção desse aspecto, a principal mudança é imaterial.
"A diferença está toda na mentalidade. A marca deixou de ser uma unidade industrial pura e dura para passar a ter também um papel cultural e pedagógico, pelo seu incentivo à criação artística e pela preservação que faz de um património industrial único, que resistiu à automação", justificou.
O primeiro reflexo dessa metamorfose verifica-se ao nível do próprio negócio. Se no século passado a empresa "chegou a empregar 300 funcionários e facturava muito mais" do que hoje, isso devia-se ao facto de repartir a produção por lápis, camisaria, calçado e plásticos. A produção de lápis em Portugal surgiu em 1907, em Vila do Conde, por iniciativa de um empresário português e um francês. Em 1931, o empresário de S. João da Madeira Manoel Vieira de Araújo, bisavô do actual director, adquiriu a fábrica e registou a marca Viarco cinco anos depois. Em 1941, a fábrica mudou-se para S. João da Madeira, não só com os equipamentos mas também com muitos dos seus operários e familiares. Os tempos foram assim obrigando à especialização e em 2001, a Viarco passou a dedicar-se em exclusivo a lápis e outros instrumentos de escrita.
A empresa ficou reduzida a 20 postos de trabalho, mas mantém-se competitiva com recurso a uma "produção diferenciadora", em que a oferta tradicional é complementada com inovações para profissionais das Artes e objectos de "design" para mercados de nicho. "A componente manual continua a ser determinante e é ela que nos permite uma experimentação a baixo custo sempre que pensamos num produto novo que precise ser testado", realçou José Vieira Araújo. "Isso é decisivo porque a personalização de lápis continua a ter um peso muito importante nas vendas", referiu. Foi no equilíbrio de todos esses fatores que a Viarco facturou em 2013 cerca de 550.000 euros, 35% dos quais resultantes da exportação para um grupo de dez países em que se incluem Estados Unidos, Austrália, Coreia do Sul e França.
Liberdade e informalidade
Em 40 anos, diminuíram os negócios, mas, para o director da Viarco, aumentou "a tal liberdade" e o ambiente da fábrica é agora mais informal e relaxado, pois "deixou de haver aquele tom de segredo, em que as pessoas não podiam falar à vontade". "E desapareceu aquela hierarquia rígida cheia de medo do patrão, porque à mínima coisa se ia parar à rua e não havia sindicato nem Tribunal do Trabalho que defendesse o pessoal", afirmou.
Isso comprova-se quando as operárias com mais de 40 anos de casa se preparam para partilhar memórias sobre os tempos da ditadura e o director da empresa se afasta. "Ó Zé Miguel, não precisas ir para longe", chamou uma. "Podes ficar aqui a ouvir, que ninguém te faz mal". Ele sorri e reaproxima-se. "Também quero ouvir as histórias delas, que eu tinha uns dois meses no 25 de Abril e só sei o que me contam", confessou.
Se não ficou a conhecer muito mais do que já ouvira ao avô, que o precedeu na administração da fábrica, é porque Glória Castro diz que "a Viarco sempre foi sossegada e nunca teve assim greves, nem manifestações, nem barulhos". Alice dos Anjos Alves também não enriquece o imaginário do patrão. "Não me lembro de nadinha especial porque aqui nunca houve grandes chatices", afirmou, pensativa. "A gente queria é ter trabalhinho e, ele não faltando, estava sempre tudo bem", rematou, mais convicta, a desenfarruscar grafite dos braços.