Imunidades dos deputados e governantes da Madeira bloqueiam mais de 60 processos nos tribunais
Jardim lidera as recusas do governo e o deputado Jaime Ramos (PSD), com Coelho (PTP), reparte o topo do não levantamento das imunidades parlamentares.
Só na presente legislatura, iniciada a 9 de Novembro de 2011, a Assembleia Legislativa da Madeira rejeitou um total de 107 pedidos de autorização dos tribunais relativos a deputados e governantes, fazendo arrastar 21 novos processos, como concluiu o PÚBLICO na consulta do Diário das Sessões. De anteriores legislaturas transitaram outros 40 processos da área criminal, perfazendo um total de 61 suspensos de decisão final, situação genericamente denunciada pelo coordenador dos serviços do Ministério Público, no relatório do Círculo Judicial do Funchal.
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Só na presente legislatura, iniciada a 9 de Novembro de 2011, a Assembleia Legislativa da Madeira rejeitou um total de 107 pedidos de autorização dos tribunais relativos a deputados e governantes, fazendo arrastar 21 novos processos, como concluiu o PÚBLICO na consulta do Diário das Sessões. De anteriores legislaturas transitaram outros 40 processos da área criminal, perfazendo um total de 61 suspensos de decisão final, situação genericamente denunciada pelo coordenador dos serviços do Ministério Público, no relatório do Círculo Judicial do Funchal.
De entre os deputados, Jaime Ramos (PSD) e José Manuel Coelho (PTP) repartem, ex-aequo, o topo dos não levamentos da imunidade, cada um com cinco processos em que foram constituídos arguidos nesta legislatura. No governo, o presidente Alberto João Jardim lidera a lista das recusas nos cinco novos processos em que intervém como arguido, seguido da secretária do Turismo e Transportes, Conceição Estudante, com três.
Nenhum destes processos está relacionado com o inquérito-crime para investigar a ocultação de dívidas públicas na Madeira, mandado abrir pela Procuradoria Geral da República em Setembro de 2011. Dois anos depois da operação de busca a departamentos do governo e empresas regionais, efectuada em Abril de 2012, o processo continua em segrego de justiça e, segundo a PGR, sem que até agora tenha sido constituído qualquer arguido pelos “eventuais ilícitos penais” na ocultação 1.300 milhões de euros em dívida.
Apesar de a Assembleia da Madeira não ter levantado a imunidade aos líderes parlamentares responsáveis pelo “desvio” de 6,6 milhões de euros das subvenções para as contas dos partidos, o Tribunal de Contas concluiu o julgamento das contas de 2006, que aguarda a decisão final. E, por estarem em causa penas superiores a três anos, iniciará em Maio, mesmo com a ausência dos deputados em exercício de funções, o julgamento do processo relativo às transferências ilegais efectuadas em 2007.
De acordo com o Estatuto Politico-Administrativo da Madeira, a adopção das deliberações concernentes à audição, detenção, prisão (preventiva) e suspensão de funções dos titulares de órgãos regionais deve fazer-se “por escrutínio secreto” em plenário. Mas na maioria dos casos, a recusa para que os membros do governo sejam ouvidos em tribunal tem sido decidida pelos próprios governantes e comunicada aos deputados na leitura da correspondência, sem que o pedido de autorização formulado pelo tribunal seja submetido a votação secreto. Através de simples oficio, é o chefe de gabinete do governante “a informar a recusa de Sua Excelência”, “a solicitar que não autorizada a sua constituição como arguido”, ou, ainda, a pedir que “seja renovada a não autorização”. Assim, é a vontade individual do visado a substituir-se à vontade imputável ao parlamento no seu todo, como constata o recente parecer de Sérvulo & Advogados encomendado pelo parlamento madeirense.
A autorização do plenário é também exigida quanto à audição de deputados, devendo ser precedida de audição do visado e do parecer da comissão competente. Mas o processo deliberativo tem sido diverso, umas vezes ficando-se pela vontade expressa pelo visado e outras pelo mero parecer da comissão. O próprio plenário tem votado de forma contraditória, como aconteceu ao levantar a imunidade para deputados do PSD deporem num processo do respectivo líder parlamentar Jaime Ramos contra o seu companheiro Miguel de Sousa, mas recusou aos mesmos deputados para testemunharem na queixa-crime por difamação, movida por este contra aquele.
Por outro lado, a votação em plenário tendente à formação da deliberação deve, como frisa o parecer de Sérvulo & Advogados, observar o princípio da publicidade, regra que raramente é observada relativamente às autorizações solicitadas pelos tribunais. As deliberações sobre estes pedidos têm sido tomadas sem prévio conhecimento da natureza das matérias envolvidas e das razões justificativas das imunidades. O plenário é informado apenas do número do processo e do tribunal que solicita o levantamento da imunidade aos deputados ou governantes, muitas vezes sem sequer especificar se são arguidos ou testemunhas.
Um parecer da Procuradoria-Geral da República, de 2008, concluiu que a norma regimental sobre a matéria das imunidades dos deputados da Assembleia da Madeira "enferma do vício de inconstitucionalidade orgânica". O que "não impede a sua aplicação, enquanto tal inconstitucionalidade não for declarada pelo Tribunal Constitucional com força obrigatória geral", reconhece o documento.