Há insectos em que ela tem um pénis e ele tem uma vagina

Quatro espécies de insectos descobertas em grutas no Brasil têm os órgãos sexuais revertidos e a cópula dura entre 40 e 70 horas.

Fotogaleria

“Apesar de já ter sido identificada a inversão do papel sexual em diferentes animais, o Neotrogla é o único exemplo em que o órgão que penetra está também invertido” explica Kazunori Yoshizawa, um dos autores do artigo, da Universidade Hokkaido, em Sapporo, no Japão.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

“Apesar de já ter sido identificada a inversão do papel sexual em diferentes animais, o Neotrogla é o único exemplo em que o órgão que penetra está também invertido” explica Kazunori Yoshizawa, um dos autores do artigo, da Universidade Hokkaido, em Sapporo, no Japão.

Os insectos foram encontrados no Brasil. O Neotrogla brasiliensis vive em grutas no Norte do estado de Minas Gerais, o Neotrogla aurora aparece em grutas no Leste do estado de Tocantins e o Neotrogla truncata foi encontrado em três grutas na Baía. Estas três espécies foram descritas em 2010. Passados três anos, revelava-se a existência do Neotrogla curvata, a quarta espécie, descoberta na Baía.

Os indivíduos adultos deste género têm entre 2,7 e 3,7 milímetros de comprimento. São pequenos insectos com asas, que se alimentam das fezes e das carcaças dos morcegos que vivem nas grutas. O investigador Rodrigo Ferreira, da Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais, tentava descrever estas espécies e enviou-as ao entomólogo Charles Lienhard, do Museu de História Natural de Genebra, Suíça, para o ajudar.

Este especialista acabou por descobrir a estrutura no aparelho sexual feminino que funciona como pénis, e que foi designada por ginossoma. “O pénis só foi descoberto quando fizemos a dissecação do abdómen da fêmea. Só quando o pénis fica erecto é que se torna visível externamente”, explica Charles Lienhard ao PÚBLICO. Mais tarde, Kazunori Yoshizawa estudou a cópula destas espécies e compreendeu o seu funcionamento.

Nos Neotrogla, o macho tem, em vez do pénis, uma abertura que funciona como a vagina, penetrada pela fêmea, que fica por cima do macho. “A ponta do ginossoma (...) penetra profundamente no macho e encaixa na abertura do ducto seminal. A parte membranosa [do ginossoma] incha dentro da câmara genital do macho e numerosas espinhas da membrana ancoram a fêmea ao macho”, lê-se no artigo.

Durante a cópula, a fêmea recolhe o espermatóforo do macho, uma espécie de cápsula cujo conteúdo é produzido por machos de várias espécies de insectos. Nesta cápsula, além dos espermatozóides, há uma substância nutritiva que funciona como um dote, que o macho dá à fêmea durante o acto sexual.

No caso dos Neotrogla, este dote é especialmente importante. Devido à falta de nutrientes nas grutas onde estes insectos habitam, a equipa de cientistas acredita que as fêmeas desenvolveram este pénis para irem buscar nutrientes ao macho.

“Durante a sua vida, as fêmeas Neotrogla podem adquirir vários espermatóforos. Observámos também que as fêmeas consumiram o conteúdo dos espermatóforos após o primeiro acto sexual, mas antes de produzirem ovócitos maduros, o que sugere que provavelmente o conteúdo dos espermatóforos é usado tanto para a nutrição como para a fertilização”, lê-se no artigo.

A duração da cópula nestes insectos poderia vir no Livro Guinness dos Recordes, já que se prolonga durante 40 a 70 horas. “Ainda não sabemos por que é que a cópula demora tanto tempo. Talvez o transporte da massa de esperma seja demasiado lento, ou a fêmea tenha de ‘convencer’ o macho a descarregar o máximo de material nutritivo”, sugere Charles Lienhard. “Com os genitais invertidos, a fêmea tem provavelmente mais ‘poder’ sobre o macho, ela pode segurar o macho com o seu pénis espinhoso durante o tempo que quiser.”

Os investigadores querem agora procurar espécies próximas para tentar descobrir quais as condições ambientais que forçaram o aparecimento deste órgão único. Ao compreender-se esta evolução específica, talvez seja possível perceber os mecanismos que produzem as “infinitas formas” da natureza que tanto impressionaram Charles Darwin. Ou, como diz Charles Lienhard: “Se analisarmos as circunstâncias em que evoluiu este pénis, talvez seja possível compreender melhor as forças evolutivas que provocam a ‘invenção’ de novidades.”