Bem-vindos ao "apartheid" no desporto sul-africano!

Os desportos colectivo na África do Sul podem ser obrigados a ter, no mínimo, 60% de jogadores "não-brancos" em campo

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Num país ainda a braços com um racismo profundo, consequência das cicatrizes sociais herdadas após uns longos 46 anos de "apartheid", Fikile Mbalula, o novo Ministro do Desporto sul-africano, decidiu apresentar uma lei que obriga qualquer desporto colectivo na África do Sul a ter, no mínimo 60% de jogadores "não-brancos" em campo.

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Num país ainda a braços com um racismo profundo, consequência das cicatrizes sociais herdadas após uns longos 46 anos de "apartheid", Fikile Mbalula, o novo Ministro do Desporto sul-africano, decidiu apresentar uma lei que obriga qualquer desporto colectivo na África do Sul a ter, no mínimo 60% de jogadores "não-brancos" em campo.

Esta medida, afecta o futebol, o cricket, o atletismo, o voleibol e, como cabeça de cartaz, o râguebi ou o "desporto da população branca", como os ministros gostam de o apelidar e para o qual o ministro sugere um número mínimo de 13 (!) jogadores titulares "não-brancos".

Qualquer resistência ao cumprimento da nova legislação poderá levar ao cancelamento de investimentos, impedimento de patrocínios, retirada da organização da respectiva federação e proibição de utilizar e representar as cores da África do Sul. No caso do râguebi, as implicações imediatas serão nas principais competições de clubes - Super Rugby, Curry Cup e Vodacom Cup - e nos Springboks, a selecção sul-africana de râguebi.

Este é apenas mais um capítulo na aplicação do “sistema de quotas” no desporto sul-africano, que já remota a 2004, quando Jake White assumiu os comandos dos Springboks, e resultaram nas chamadas de Enrico Januaire e Earl Rose, considerados na altura "quota players", simplesmente porque foram convocados por motivos raciais - inclusão de um número mínimo de sete jogadores "não brancos" na equipa que venceu o Mundial de 2007.

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Nessa prova, os Springboks acabariam por serem coroados campeões do mundo com apenas dois jogadores "não-brancos" na equipa titular: os pontas Brian Habana (jogador IRB 2007) e JP Pietersen. Após conquistar o mundial, Jake White não renovaria o contracto com a SARU, alegando constantes interferências políticas como um dos principais motivos para o afastamento.

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Para acelerar a transformação racial no râguebi, a SARU nomeou Pieter de Villiers (o primeiro treinador "não branco"), no entanto, na tournée dos Lions em 2009 à África do Sul e no Mundial de 2011 na Nova-Zelândia, os Springboks apenas contavam com mais um jogador “não branco” na equipa principal, quando comparado com 2007: Tendai Mtawarira, nascido no Zimbabwe e carinhosamente apelidado de "Beast" pelos adeptos sul-africanos.

A 5 de Outubro de 2013, em Joanesburgo, no memorável encontro contra os All Blacks e agora sob o comando de Heyneke Meyer, os Springboks voltariam a incluir somente três jogadores "não brancos" na equipa principal: Zane Kirchner a "15", Brian Habana e "Beast".

Convém que fique claro, que as inclusões de Brian Habana, JP Pietersen, Lwazi Mvovo, Tendai Mtawarira, Zane Kirchner, Siya Kolisi, Chiliboy Ralepelle, Gurthrö Steenkamp, Breyton Paulse, Gio Aplon, apenas para citar alguns jogadores, nos Springboks, foram sempre obtidas por mérito e nunca por motivos raciais.

No entanto, o ministro do desporto sul-africano tem razão. A transformação racial no râguebi sul-africano tem sido lenta. O que o governo não percebeu ou não quer perceber, é que por motivos maioritariamente sociais e - não querendo enterrar a cabeça na areia - por motivos raciais, a população negra opta por praticar futebol e os brancos optam por praticar râguebi.

As escolas em regiões economicamente carentes, não possuem os recursos financeiros para formar jogadores em duas modalidades, mesmo havendo um maior interesse da população negra em praticar râguebi, criando um ponto de estrangulamento na Varsity Cup, uma competição nacional ao nível universitário.

Apesar da óbvia frustração do ministro em ter uma equipa que não representa racialmente o país, substituir a meritocracia pela aritmética nos escalões seniores, será sabotar carreiras e objectivos desportivos e precipitará o êxodo de jogadores para a Europa e Oceânia, retirando qualquer aspecto competitivo aos Springboks e aos clubes no Super Rugby.

A 18 meses do Mundial de 2015, esta é mais uma legislação que não tem como principal preocupação os interesses desportivos dos Springboks e do desporto sul-africano e se tais medidas forem implementadas não irão apenas afectar o râguebi sul-africano, mas irá afectar toda a modalidade e uma das mais saudáveis rivalidades desportivas entre All Blacks e Springboks.

Em 1994 a África do Sul registou as primeiras eleições livres e democráticas colocando um ponto final no Apartheid levando Nelson Mandela a proferir que "Nunca, nunca, nunca mais deixaremos esta bela terra voltar a experimentar a opressão de uns e outros. Vamos deixar a liberdade reinar". Esperemos que estas palavras ecoem na reunião entre a SARU e Fikile Mbalula.