Estado concessiona transportes sem ter feito estudos essenciais
Falta de informação obriga a cautelas no modelo de contrato, que o Governo ainda não revelou.
Vários especialistas no sector contactados pelo PÚBLICO alertam para o risco provocado pelo desconhecimento dos dados que poderiam ser obtidos com o Inquérito à Mobilidade, o Plano Operacional de Transportes e o Plano de Deslocações Urbanas. O primeiro trabalho ainda começou a ser preparado em 2011 pelas duas AMT, em conjunto com o INE, que tinha feito o inquérito de 2003, mas o Governo nunca transferiu as verbas necessárias para o trabalho que, só no Porto, foi orçamentado em 1,4 milhões de euros.
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Vários especialistas no sector contactados pelo PÚBLICO alertam para o risco provocado pelo desconhecimento dos dados que poderiam ser obtidos com o Inquérito à Mobilidade, o Plano Operacional de Transportes e o Plano de Deslocações Urbanas. O primeiro trabalho ainda começou a ser preparado em 2011 pelas duas AMT, em conjunto com o INE, que tinha feito o inquérito de 2003, mas o Governo nunca transferiu as verbas necessárias para o trabalho que, só no Porto, foi orçamentado em 1,4 milhões de euros.
Perceber o perfil das deslocações é um primeiro passo para se conhecerem as necessidades de transporte público e, à partida, é expectável que muita coisa tenha mudado numa década. O Porto passou a ter uma rede de metro de quase 70 quilómetros e uma malha de auto-estradas bastante densa, que nos últimos anos passou a ser portajada, introduzindo novas mudanças. E se Lisboa não teve tal revolução, os investimentos no metro e em alguns interfaces deste com outros modos de transporte tiveram efeitos que também não foram globalmente avaliados.
A ausência do primeiro trabalho coloca em causa a qualidade e mesmo a exequibilidade dos outros dois e, numa fase seguinte, dificulta uma correcta definição do serviço público de transporte, bem como os respectivos custos a suportar pelo Estado. Estes são dados essenciais no momento de contratar a concessão da operação das empresas públicas, e o Tribunal de Contas desencadeou uma auditoria que visa precisamente apurar se, e como, foram definidas as obrigações de serviço público de transporte, no âmbito da sua contratualização nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.
Desconhecem-se quais serão as conclusões dos auditores, mas face à relativa paralisação das AMT nos últimos anos, não é de esperar uma grande surpresa. O relatório final só deve chegar com os concursos em andamento, tendo em conta que o Governo pretende lançá-los ainda em Maio, antes da saída da troika, e até lá só com muitas precauções no modelo de concurso, e nos seus termos, é que se evitarão erros decorrentes do facto de os concorrentes - operadores de transporte experientes - terem mais informação sobre o negócio do que a entidade que pretende fazer a concessão.
A Secretaria de Estado dos Transportes não adiantou ainda de que forma serão obviados estes riscos. Uma solução passaria sempre pela transferência do risco de variação da procura para o concessionário e pela realização de contratos curtos - que são mais desinteressantes para os privados. Esta fórmula permitiria que, ao mesmo tempo que se realizavam os estudos em falta, os reguladores fossem monitorizando, em tempo real, o serviço efectivamente prestado pelas empresas e ganhassem uma noção clara da procura. Desta forma, o Estado ganharia condições para, num segundo contrato, corrigir as eventuais imperfeições desta primeira concessão.
Para isso será necessário reforçar o papel das AMT que, na actual situação em que se encontram, não são capazes de cumprir o seu papel regulador. E até neste aspecto se desconhece o que pretende exactamente o Governo. O secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, deu claramente a entender aos autarcas da Área Metropolitana do Porto que queria ver as autarquias a pagar a regulação, mas o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, discorda. O independente argumenta que se é o Governo quem vai concessionar o metro e a STCP, então não deve eximir-se de pagar a monitorização do serviço prestado pelas empresas.
O processo que será desencadeado nas próximas semanas tem claras nuances territoriais. Em Lisboa, a câmara presidida por António Costa posiciona-se para se candidatar à concessão da Metro e da Carris - que passaria assim da esfera da Administração Central para a Local, se a autarquia vencesse. Já no Porto, se, como é esperado, surgirem privados interessados na concessão conjunta do metro e da STCP, e dada a demora expectável neste tipo de concursos que significam rendas de milhões de euros, vai ser necessário prolongar o contrato do Metro do Porto, qe termina a 31 de Dezembro. Esta é a única das quatro empresas em questão que já é operada num regime de subconcessão, ganha há quase cinco anos por um consórcio liderado pelo grupo Barraqueiro.