Médicos não podem dar segunda opinião sem ver os doentes
Empresa oferecia 3,5 euros por cada relatório de segundo diagnóstico, mas acabou por desistir do projecto. Ordem dos Médicos avisa que quem aderir a estas propostas será "sancionado disciplinarmente".
A empresa oferecia aos médicos 3,5 euros por cada relatório realizado no âmbito desta tarefa. No email em que formulava o convite a empresa explicava que o objectivo era desenvolver “um novo projecto na área da saúde” designado “Segunda Opinião Médica”, que permitiria ao “utente pedir uma segunda opinião para além do diagnóstico inicial”.
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A empresa oferecia aos médicos 3,5 euros por cada relatório realizado no âmbito desta tarefa. No email em que formulava o convite a empresa explicava que o objectivo era desenvolver “um novo projecto na área da saúde” designado “Segunda Opinião Médica”, que permitiria ao “utente pedir uma segunda opinião para além do diagnóstico inicial”.
Sem acesso ao primeiro diagnóstico, o médico seria obrigado a formular uma segunda opinião “com base nos sintomas apresentados e exames já realizados” ou pedir “a realização de novos exames, caso verifique a necessidade dos mesmos”.
O acesso ao processo do doente era assegurado através de uma plataforma digital. “Sempre que existirem casos para analisar é enviada uma sms / email para que o médico possa ter conhecimento”, especificava a empresa, que estipulava um prazo máximo de 72 horas para a realização de cada relatório.
Tudo se processaria online, segundo a proposta: “ Os exames são recebidos via DHL ou via plataforma” e os relatórios “são realizados na respectiva plataforma”.
O projecto foi lançado no final do ano passado, mas, depois de vários médicos se terem queixado à OM, acabou por ser “descontinuado”, segundo informou então a empresa, numa reposta por email ao PÚBLICO. A Sucesso 24 explicou agora à OM que apenas se envolveu no projecto “segunda opinião médica” como “resposta a uma solicitação” para “prestar serviços de recrutamento de profissionais de saúde a fim de serem contratados por uma empresa terceira” e remete para o endereço www.segundaopinaomedica.com. Porém, o endereço está desconectado.
Depois de ter conhecimento de que o seu nome estaria a ser utilizado “para um fim ética e deontologicamente reprovável”, a Sucesso 24 garante ter cessado de imediato toda e qualquer relação comercial com a dita empresa.
Mas o órgão que aprecia as questões deontológicas na OM pronunciou-se sobre esta matéria e o parecer “serve de jurisprudência”, sustenta o bastonário.
O direito ao pedido de uma segunda opinião está contemplado no Código Deontológico, aliás, o médico até deve encorajar o doente a fazê-lo, caso entenda que é útil ou que é essa a vontade, começam por acentuar os responsáveis do Conselho Deontológico no parecer agora divulgado.
Mas o projecto em causa, ao definir que “o médico não tem acesso ao diagnóstico inicial”, viola o Código Deontológico, uma vez que impede que sejam fornecidos todos os elementos relevantes que possam ser utilizados por outros médicos, argumentam. Este projecto “impossibilita, por definição, o contacto directo e personalizado entre o médico e o doente, impedindo, assim, a realização de actos médicos de acordo com o estado da arte, como é sempre exigível para estabelecer um diagnóstico”, sintetizam.
A OM começou a investigar a situação por ter recebido “ várias denúncias” de profissionais que foram contactados por email pela empresa , segundo adiantou na altura ao PÚBLICO Miguel Guimarães, presidente da Secção Regional do Norte da instituição. “O pedido de uma segunda opinião médica é um direito dos doentes, mas o que está aqui em questão é o facto de não haver um exame físico, o contrário do que deve ser a medicina”, explicou.
O Conselho Deontológico da OM recomenda agora ao Conselho Nacional Executivo da OM que alerte todos os médicos que serão sancionados disciplinarmente se aderirem a este tipo de propostas, por” violação grosseira do Código Deontológico”.
O caso não é inédito. Já em 2010, o então bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, criticou o lançamento de um portal designado “ Segunda Opinião Médica”. “Não é medicina”, considerou então, alegando que não permitia a observação do doente e nem sequer acautelava a responsabilidade criminal dos médicos. O portal agregava o serviço de 150 médicos de 78 especialidades e permitia, mediante o pagamento de 60 euros, a apresentação de questões ou o envio de exames através da Internet.
Os responsáveis pelo portal reagiram na altura às críticas, sublinhando que os seus profissionais não prescrevem medicamentos e que os serviços que oferecem não substituem as consultas tradicionais.
Este portal continua acessível na Internet, com o nome de vários médicos. Como o de Pedro Moreira da Silva, que na altura era o presidente da Secção Regional Norte da OM e aceitou aderir a este projecto porque se “tratava apenas dar uma segunda opinião, que não implicava necessariamente uma consulta. Depois de a OM se pronunciar contra, Moreira da Silva ainda quis avisar quem o tinha convidado de que já não estava disponível. “Não o consegui fazer, só tinha o email. Penso que esse projecto morreu à nascença”, diz.