O primeiro grito de Sequin

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Quando entrou para a escola primária disse à mãe que gostava de aprender a tocar violino. Esta respondeu que era um instrumento demasiado grande para ela, mas o assunto não morreu ali. “Ok, se violino não dá, quero um piano”, respondeu de pronto Ana Miró, mais conhecida pelo pseudónimo de Sequin. A música está com ela desde então. A 21 de Abril, aos 25 anos, lança o álbum de estreia Penelope, registo de canções pop electrónicas servidas por voz quente e envolvente, evidenciando sentido melódico, dinamismos rítmicos e um certo clima nostálgico. 

Como outras cantoras-compositoras da era pós-internet, da americana Glasser à canadiana Grimes, manuseia tecnologia para expor um universo íntimo, seja a partir de movimentos rítmicos que convidam à sugestão dançante, como a partir da criação de ambientes de escuta doméstica. Teve a ajuda, na produção, de Luís Clara Gomes, ou seja, Moullinex, da família Discotexas, um dos mais importantes activistas do cenário dançante português. 

Da escuridão para a luz

Ela nasceu em Évora e isso percebe-se na pronúncia. No Alentejo começou a tocar com amigos, formando os Ballis Band, de quem era vocalista e, mais tarde, também teclista. “A cidade tinha dinâmica e actividade cultural e havia pessoas interessadas”, recorda, dizendo que na adolescência saía muitas vezes à noite com o irmão mais velho. “Íamos à Sociedade Harmonia Eborense onde havia concertos, muitas vezes de quinta a domingo. Foi ali que vi pela primeira vez os Linda Martini, por exemplo.”

Na universidade, em Évora, frequentou Estudos Teatrais durante três anos, período após o qual se mudou para Lisboa, onde hoje tenta acabar o curso de Estudos Artísticos de Artes do Espectáculo. Quando se mudou para a capital a música não estava nos seus horizontes, até que um dia o amigo e músico Óscar Silva, do projecto Jibóia, a desafiou a cantar uma versão de Gal Costa. “Por brincadeira, numa tarde, fizemos essa versão que viemos a apresentar no festival Milhões de Festa e, depois desse momento, comecei a trabalhar com ele a título de convidada.” 

A experiência ao lado de Óscar Silva acabou por despertar nela o desejo de ter o seu projecto solitário, longe do espartilho que pode ser integrar um grupo. “Não me apetecia estar dependente, estava a precisar de me libertar, de voltar a criar e decidi experimentar." Agarrou no teclado e começou a compor nas férias do Natal de 2012. Foi aí que nasceu Sequin. 

Ela que sempre estivera conectada com o rock e com dissonâncias psicadélicas, “apesar de ter sido sempre muito polivalente em termos de gostos musicais”, viu-se de repente a criar música electrónica assente no modelo de canção, surgindo num curto espaço de tempo convites para se apresentar ao vivo. “A primeira vez que toquei sozinha foi em Monção, abri para Jibóia, e senti-me bem”, recorda, embora na sua visão a solidão do palco nem sempre seja apropriada para todos os contextos. Recentemente fez a primeira parte das americanas Warpaint na Aula Magna de Lisboa e percebeu-o. “É um grande palco, é estranho”, resume. 

Precisamente por isso, no seu horizonte, para já, estão alguns concertos com dois convidados, em baixo e sintetizador. Um tipo de espectáculo mais cenográfico fica, por equanto, em pousio, embora esse seja o seu desejo. “Gostava que os concertos tivessem uma dimensão mais performativa, mas agora não consigo concretizá-lo, pelos meios. Mas vou trabalhar nisso.” 

O álbum que agora é editado começou a ser imaginado no Verão passado, tendo Luís Clara Gomes funcionado como incentivador. “Um amigo comum mostrou-lhe a minha música e ele ligou-me para gravarmos algumas músicas de forma experimental”, lembra ela. “Ele foi impecável. Aprendi muito. Ele acabou por transmitir o que faltava a algumas das músicas.” 

Inicialmente havia pensado no lançamento de um EP, mas rapidamente se deu conta que tinha em sua posse canções suficientes para um álbum, funcionando elas como o encerrar de um capítulo da sua vida. “Sequin nasceu de uma vontade muito grande de realização pessoal. Estava num momento em que não se passava nada a nível criativo na minha vida e Sequin foi a salvação para sair desse estado. As canções são o espelho disso – existe uma vontade de concretizar qualquer coisa, como um primeiro grito.” Na sua visão o álbum acaba por funcionar como narrativa para essa transição em que passou de um momento escuro para uma fase mais luminosa. “O álbum surgiu como libertação, possibilidade de transcendência.” 

Não é um álbum uniforme. Existem momentos onde se sente ainda alguma inocência, mas paradoxalmente, ao mesmo tempo, é também essa pureza que acaba por conquistar. Há canções que se aproximam mais de dinâmicas house, como Beijing ou Flamingo, mas muitas delas inspiram-se em motivos R&B, como Heart to feedou Hikaru garden, e outras como Meth monster ou Crimson revelam-se misteriosas e mais sombrias. 

A maior parte das canções adquire uma qualidade imersiva, gerando imenso espaço e um tipo de languidez que seduz. Existe um entendimento de formas, tempos e espaços, com a voz de Ana a conferir uma voluptuosidade branda a todo o edifício. Há um misto de prazer e melancolia a percorrer estas canções. “Tenho tendência para esses estados, sou mesmo portuguesa nisso. Gosto de ritmos dançáveis, mas a minha inclinação natural é para fazer coisas de teor mais nostálgico.”

Das muitas mulheres que hoje povoam o cenário da electrónica destaca nomes como as canadianas Grimes e Jessy Lanza, a sueca Fever Ray, a americana Kelela ou a inglesa FKA Twigs. “A maior parte da música que oiço é essa, e certamente que todas essas mulheres que trabalham sozinhas me influenciaram, porque todas elas têm universos fascinantes.”

O que salvaguarda sempre é a voz. Diz que é preciso trabalhá-la, como um instrumento. “Tive aulas de canto lírico em Évora e agora contínuo com aulas, porque é preciso consolidar o que já aprendi”, afirma. Conclui com um sorriso: "Mas o que é preciso mesmo é encontrarmos a nossa voz.” 
 

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Quando entrou para a escola primária disse à mãe que gostava de aprender a tocar violino. Esta respondeu que era um instrumento demasiado grande para ela, mas o assunto não morreu ali. “Ok, se violino não dá, quero um piano”, respondeu de pronto Ana Miró, mais conhecida pelo pseudónimo de Sequin. A música está com ela desde então. A 21 de Abril, aos 25 anos, lança o álbum de estreia Penelope, registo de canções pop electrónicas servidas por voz quente e envolvente, evidenciando sentido melódico, dinamismos rítmicos e um certo clima nostálgico. 

Como outras cantoras-compositoras da era pós-internet, da americana Glasser à canadiana Grimes, manuseia tecnologia para expor um universo íntimo, seja a partir de movimentos rítmicos que convidam à sugestão dançante, como a partir da criação de ambientes de escuta doméstica. Teve a ajuda, na produção, de Luís Clara Gomes, ou seja, Moullinex, da família Discotexas, um dos mais importantes activistas do cenário dançante português. 

Da escuridão para a luz

Ela nasceu em Évora e isso percebe-se na pronúncia. No Alentejo começou a tocar com amigos, formando os Ballis Band, de quem era vocalista e, mais tarde, também teclista. “A cidade tinha dinâmica e actividade cultural e havia pessoas interessadas”, recorda, dizendo que na adolescência saía muitas vezes à noite com o irmão mais velho. “Íamos à Sociedade Harmonia Eborense onde havia concertos, muitas vezes de quinta a domingo. Foi ali que vi pela primeira vez os Linda Martini, por exemplo.”

Na universidade, em Évora, frequentou Estudos Teatrais durante três anos, período após o qual se mudou para Lisboa, onde hoje tenta acabar o curso de Estudos Artísticos de Artes do Espectáculo. Quando se mudou para a capital a música não estava nos seus horizontes, até que um dia o amigo e músico Óscar Silva, do projecto Jibóia, a desafiou a cantar uma versão de Gal Costa. “Por brincadeira, numa tarde, fizemos essa versão que viemos a apresentar no festival Milhões de Festa e, depois desse momento, comecei a trabalhar com ele a título de convidada.” 

A experiência ao lado de Óscar Silva acabou por despertar nela o desejo de ter o seu projecto solitário, longe do espartilho que pode ser integrar um grupo. “Não me apetecia estar dependente, estava a precisar de me libertar, de voltar a criar e decidi experimentar." Agarrou no teclado e começou a compor nas férias do Natal de 2012. Foi aí que nasceu Sequin. 

Ela que sempre estivera conectada com o rock e com dissonâncias psicadélicas, “apesar de ter sido sempre muito polivalente em termos de gostos musicais”, viu-se de repente a criar música electrónica assente no modelo de canção, surgindo num curto espaço de tempo convites para se apresentar ao vivo. “A primeira vez que toquei sozinha foi em Monção, abri para Jibóia, e senti-me bem”, recorda, embora na sua visão a solidão do palco nem sempre seja apropriada para todos os contextos. Recentemente fez a primeira parte das americanas Warpaint na Aula Magna de Lisboa e percebeu-o. “É um grande palco, é estranho”, resume. 

Precisamente por isso, no seu horizonte, para já, estão alguns concertos com dois convidados, em baixo e sintetizador. Um tipo de espectáculo mais cenográfico fica, por equanto, em pousio, embora esse seja o seu desejo. “Gostava que os concertos tivessem uma dimensão mais performativa, mas agora não consigo concretizá-lo, pelos meios. Mas vou trabalhar nisso.” 

O álbum que agora é editado começou a ser imaginado no Verão passado, tendo Luís Clara Gomes funcionado como incentivador. “Um amigo comum mostrou-lhe a minha música e ele ligou-me para gravarmos algumas músicas de forma experimental”, lembra ela. “Ele foi impecável. Aprendi muito. Ele acabou por transmitir o que faltava a algumas das músicas.” 

Inicialmente havia pensado no lançamento de um EP, mas rapidamente se deu conta que tinha em sua posse canções suficientes para um álbum, funcionando elas como o encerrar de um capítulo da sua vida. “Sequin nasceu de uma vontade muito grande de realização pessoal. Estava num momento em que não se passava nada a nível criativo na minha vida e Sequin foi a salvação para sair desse estado. As canções são o espelho disso – existe uma vontade de concretizar qualquer coisa, como um primeiro grito.” Na sua visão o álbum acaba por funcionar como narrativa para essa transição em que passou de um momento escuro para uma fase mais luminosa. “O álbum surgiu como libertação, possibilidade de transcendência.” 

Não é um álbum uniforme. Existem momentos onde se sente ainda alguma inocência, mas paradoxalmente, ao mesmo tempo, é também essa pureza que acaba por conquistar. Há canções que se aproximam mais de dinâmicas house, como Beijing ou Flamingo, mas muitas delas inspiram-se em motivos R&B, como Heart to feedou Hikaru garden, e outras como Meth monster ou Crimson revelam-se misteriosas e mais sombrias. 

A maior parte das canções adquire uma qualidade imersiva, gerando imenso espaço e um tipo de languidez que seduz. Existe um entendimento de formas, tempos e espaços, com a voz de Ana a conferir uma voluptuosidade branda a todo o edifício. Há um misto de prazer e melancolia a percorrer estas canções. “Tenho tendência para esses estados, sou mesmo portuguesa nisso. Gosto de ritmos dançáveis, mas a minha inclinação natural é para fazer coisas de teor mais nostálgico.”

Das muitas mulheres que hoje povoam o cenário da electrónica destaca nomes como as canadianas Grimes e Jessy Lanza, a sueca Fever Ray, a americana Kelela ou a inglesa FKA Twigs. “A maior parte da música que oiço é essa, e certamente que todas essas mulheres que trabalham sozinhas me influenciaram, porque todas elas têm universos fascinantes.”

O que salvaguarda sempre é a voz. Diz que é preciso trabalhá-la, como um instrumento. “Tive aulas de canto lírico em Évora e agora contínuo com aulas, porque é preciso consolidar o que já aprendi”, afirma. Conclui com um sorriso: "Mas o que é preciso mesmo é encontrarmos a nossa voz.” 
 

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Sequin
Penelope
Lovers & Lollypops