Galiza aposta no ensino do Português para entrar no mundo lusófono

O Parlamento da região espanhola aprovou por unanimidade uma lei que obriga o Governo galego a introduzir o português no ensino e a estreitar laços com os países da lusofonia. Entrou em vigor esta quarta-feira.

Foto
Nélson Garrido

A medida não tem muitos precedentes na região.  Ao facto de ser aprovada com o voto favorável de todos os partidos do Parlamento, uma unanimidade rara especialmente em questões relativas à língua, soma-se o feito de ter nascido da sociedade civil. Os seus impulsionadores conseguiram as 17 mil assinaturas necessárias para levar a proposta ao Parlamento. A nova lei obriga o governo galego a “incorporar progressivamente a aprendizagem do Português em todos os níveis de ensino”, a reconhecer o seu domínio como um mérito especial para aceder à função pública e a tomar “quantas medidas sejam necessárias” para lograr a recepção em território galego das televisões e rádios portuguesas.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A medida não tem muitos precedentes na região.  Ao facto de ser aprovada com o voto favorável de todos os partidos do Parlamento, uma unanimidade rara especialmente em questões relativas à língua, soma-se o feito de ter nascido da sociedade civil. Os seus impulsionadores conseguiram as 17 mil assinaturas necessárias para levar a proposta ao Parlamento. A nova lei obriga o governo galego a “incorporar progressivamente a aprendizagem do Português em todos os níveis de ensino”, a reconhecer o seu domínio como um mérito especial para aceder à função pública e a tomar “quantas medidas sejam necessárias” para lograr a recepção em território galego das televisões e rádios portuguesas.

A iniciativa, promovida maioritariamente por membros de associações lusófonas da Galiza, começou a dar-se a conhecer entre os cidadãos da região há quase dois anos. O porta-voz da comissão promotora, Xose Morell, assegura que o apoio social e de todas as formações políticas à proposta de lei supõe “um novo consenso linguístico” na Galiza e a compreensão de o galego ser “um idioma promissor”. “Se calhar por causa da crise, hoje há mais gente que vê o galego como uma língua internacional e útil para se comunicar com Portugal, Brasil ou Angola”, assegura Morell.

Assim, a finalidade desta nova lei não é só cultural, mas também económica. Outro dos pontos estabelecidos como um objetivo estratégico do governo galego é “o relacionamento, a todos os níveis, com os países de língua portuguesa”, participando em fóruns lusófonos internacionais e fomentando o comércio das empresas galegas com os mercados destes países. Miguel Penas, presidente da Associaçom Galega da Língua (AGAL), de que fazem parte muitos dos promotores da lei, qualifica de “importante sucesso” o apoio parlamentar e aguarda que, quanto antes, se avancem medidas concretas para cumprir os compromissos aprovados. “Nos orçamentos do próximo ano deveríamos prever investimentos destinados à introdução do português no ensino e, já agora, o governo poderia começar a tomar medidas para que a Galiza seja reconhecida de algum modo na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)”, nota Penas.

A Galiza não é a primeira região da Espanha a fazer uma aposta no português no seu sistema educativo. Paradoxalmente, na Extremadura, onde não existe uma língua tão próxima do português como o galego, há anos que o têm fomentado entre os estudantes e também no meio empresarial. Segundo os dados do governo regional extremenho, mais de 14 mil alunos dos centros de ensino público da comunidade aprenderam o Português no passado ano lectivo em mais de 140 centros da região. Quanto à televisão, o canal público regional emite um programa chamado Falamos Português, em colaboração com o Instituto Camões.

Na Galiza, há experiências de escolas secundárias onde o Português tem uma implantação importante, mas, de momento, são residuais. Um deles é o centro de ensino A Sangrinha, em A Guarda [La Guardia], uma localidade fronteiriça próxima de Caminha. No actual curso, 123 alunos entre os 12 e os 17 anos aprendem Português, dos quais somente 27 o elegem como primeira língua estrangeira, em vez do Inglês. O director do departamento de Português do centro, Alberto Viso, assinala a proximidade geográfica e linguística com o galego como um dos factores que fizeram o centro apostar nesta língua há 10 anos. O facto de muitas empresas portuguesas empregarem jovens do Sul da Galiza também é um incentivo para a aprendizagem do Português. “Tínhamos medo de que só viessem a estas aulas aqueles que não gostavam de aprender Inglês por ser mais difícil, mas não está a ser assim e os resultados são estupendos”, assegura Alberto Viso.

A introdução do Português nas escolas da Galiza supõe, para o secretário da Academia Galega da Língua Portuguesa, Ângelo Cristóvão, “uma oportunidade” para os galegos, mas também para o conjunto de países da lusofonia. Cristóvão aponta a necessidade futura de parcerias e colaborações através do ensino da língua portuguesa, que, prognostica, “virá dos paises que tenham uma maior compreensão da Galiza”. “Em concreto, em Portugal, algumas entidades públicas deveriam repensar se a postura que têm sobre a Galiza é a que lhes traz mais benefícios”, afirma.

Porém, há pontos desta lei que já tinham sido antes debatidos no Parlamento galego. Em Abril de 2008, os deputados aprovaram unanimemente uma resolução apresentada pelo Bloco Nacionalista Galego (BNG) para solicitar aos governos espanhol e português a assinatura de um acordo que permitisse a recepção, na Galiza e Portugal, de televisões e rádios de ambos países. Contudo, e apesar do apoio parlamentar, a proposta “ficou na gaveta” dos distintos executivos.

“É um problema de vontade política porque isto simplesmente precisa de um protocolo técnico de autorização”, assinala a eurodeputada do BNG Ana Miranda, que em 2010 denunciou na Câmara de Estrasburgo, junto com o eurodeputado do Bloco de Esquerda (BE) Miguel Portas, o “bloqueio” do Governo espanhol à iniciativa. Para a depurada galega, o actual Governo regional – dirigido com maioria absoluta pelos conservadores do Partido Popular – não tem interesse em aprofundar as relações da Galiza com a lusofonia e simplesmente quer “diluir o galego na cultura espanhola”.

Apesar dos prazos da lei Paz-Andrade serem agora mais lassos do que a proposta popular planeava – antes do trâmite parlamentar exigiam-se quatro anos para a aplicação, enquanto na iniciativa finalmente aprovada não há um tempo determinado –, os promotores confiam no compromisso adquirido pelo Governo, ainda que, advertem, sigam com atenção o desenvolvimento de uma lei que, como não costuma acontecer, “nasceu directamente do povo”.

Jornalista galego