Perder jogos ganhos
O râguebi português, depois das recentes derrotas, deve analisá-las para evoluir e avançar para resultados competitivos positivos
O realismo necessário aos treinadores fá-los encarar com muita atenção o aviso: as derrotas ensinam, as vitórias escondem. Neste mesmo sentido avisa Bernardinho, o treinador brasileiro campeão do Mundo e Olímpico de voleibol, com a necessidade de evitar as armadilhas do sucesso. Distrações a que as vitórias nos podem levar.
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O realismo necessário aos treinadores fá-los encarar com muita atenção o aviso: as derrotas ensinam, as vitórias escondem. Neste mesmo sentido avisa Bernardinho, o treinador brasileiro campeão do Mundo e Olímpico de voleibol, com a necessidade de evitar as armadilhas do sucesso. Distrações a que as vitórias nos podem levar.
É um facto: das derrotas, porque o entusiasmo das vitórias, retirando lucidez, mascara muita coisa, se pode aprender e perceber a causa, a verdadeira causa, das coisas. Para que seja verdadeiro o conceito de John Wooden, prestigiado treinador americano de basquetebol: pode-se ganhar, perdendo.
O râguebi português, depois das recentes derrotas em “quinze” e sevens, deve analisá-las, percebê-las e utilizá-las para, atingindo a causa das coisas, poder evoluir e avançar para resultados competitivos positivos. De forma objectiva. Sem preconceitos ou ilusões. Sem lamúrias ou desenganos que não fazem campeões.
Os factos são estes: nos dois últimos jogos de “quinze” ou sevens a equipa de Portugal era vencedora: ao intervalo contra a Espanha em “quinze”, apostava-se, nas bancadas, numa diferença de trinta pontos; contra a França, em sevens e em Hong Kong, a vitória esteve segura até ao último segundo. Porque perdemos? Como foi possível deitar fora vitórias adquiridas? Que conjugação de factores transformaram as vitórias em derrotas? Que podemos aprender com isto? Que partido podemos tirar dos erros para emendar caminho e acertar na estrada do sucesso? Não fomos suficientemente ambiciosos? Ou fomo-lo demais? Não tivemos determinação suficiente num e noutro caso? Ou, pura e simplesmente, aliviamos cedo de mais e não respeitamos o adversário?
Sempre que ouço falar em espírito de equipa, em solidariedade colectiva, lembro-me dos irlandeses: oriundos de países diferentes, com religiões diferentes, não serão, provavelmente, os melhores amigos do mundo no seu dia-a-dia fora do campo de jogo. Mas dentro de campo ninguém deixa um companheiro ficar para trás, todos se batem por um e pelo outro, por uns e pelos outros. Vivem e articulam-se no que chamam o “fighting spirit”. Solidariamente e garantido um todo maior do que a soma das partes. Soubemos nós fazer o mesmo no tempo em que entregámos a vitória?
Primeira questão a aprender ou, melhor dizendo, a reaprender: ser empenhadamente solidários, ser uma equipa de mais quebrar que torcer. Suficiente, não! Mas um bom princípio que exige humildade, conhecimento dos limites e capacidades de cada um e de todos e reconhecimento que um desporto colectivo de combate como é o râguebi se resolve com o nós resultante de subordinados eus.
Cito Murray Kinsella: "Pouco importa quem é o treinador, quem quer que seja o presidente e pouco importa a sorte que nos acompanha, se uma equipa não tiver a habilidade suficiente, não ganharão jogos". É para este campo, para o campo das habilidades - dos "skills" - que temos de olhar. E o passe e a placagem são essenciais, são técnicas básicas, são habilidades fundamentais. Sem as quais o jogo não é possível.
E nós portugueses passamos mal - temos dificuldades em estabelecer uma sólida relação passador-receptor: fixar adversários, passe na frente, abrir linhas de passe, entrar no passe, receber lançado numa panóplia de cumplicidades de linhas de corrida a surpreender adversários.
Placamos pior: muito braço em vez de ombros, preocupação demasiada com a bola em vez de ter o derrube do portador como objectivo - aliás só existe, legalmente, placagem se houver derrube do portador da bola - incapacidade de placagens ofensivas. Ao que deverá juntar-se um profundo conhecimento da interpretação internacional das Leis do Jogo - fazemos demasiadas faltas - nomeadamente no jogo no chão. E, na realidade, são os árbitros que definem o correcto, não os jogadores ou treinadores...
O nosso jogo ao pé, segunda prioridade mas de total importância, falha táctica e tecnicamente: cria poucos problemas ao adversário e é curto para conquista sustentada de terreno.
E depois destes gestos fundamentais há toda uma cultura táctica que tem que se traduzir no ataque, na conquista de terreno, impondo os nossos pontos fortes aos fracos dos adversários. Com bola e sem bola. "O râguebi é isto: ganhar a corrida pela linha de vantagem", define Graham Henry o treinador All Black campeão do mundo. E essa corrida diz respeito a todos, de forma organizada, empenhada e articulada. Solidariamente.
Tudo isto, que temos falhado, resolve-se no treino. Transformando os treinos em espaços de prática e de repetição - "Repetição, repetição, repetição. Não quero saber quão bons se julgam os seus jogadores, eles não serão com certeza suficientemente bons", como diz Eddie Jones, australiano e agora treinador do Japão - com objectivos claros de melhorar pontos fracos em diagnósticos permanentes de referência com o avanço do adversários – “benchmarking”, diz-se.
O salto qualitativo - com o pensamento longo em 2019 e o próximo em ultrapassar, no ranking IRB, a Espanha (será ela, não nós, quem estará presente em Junho na Tiblisi Cup com os Jaguares, Itália Emergentes e Geórgia) - que necessitamos, exige reflexão nas formas como vamos treinar os jogadores dos nossos principais clubes e como vamos enquadrar os jovens talentos nas Academias. Programadamente e com objectivos claros.
Reflexão, pensamento e criatividade, precisam-se. Com humildade colectiva na procura das soluções.