A Europa não é um bazar!
Não houve debate no PPE que não tivesse como referencial a visão de Passos Coelho.
É a concepção da Europa como um bazar, em que tudo é uma barganha e em que quem chora e fala “alto, grosso e rude” acaba sempre por ganhar alguma coisa. Quem vir as críticas que o Partido Socialista dirige sistematicamente ao Governo e à maioria em matéria europeia percebe que os seus dirigentes e candidatos às europeias se revêem nesta concepção da “Europa-bazar”. O recurso frequente a uma retórica maniqueísta e simplista que contrapõe “posições de força” a “posições de fraqueza”, negociadores “musculados” a negociadores “frágeis” e uma cultura de “irredentismo” a uma atitude de “subserviência” denuncia claramente esse preconceito. Ainda ontem, a propósito da sua “solução-fetiche” de “mutualização da dívida”, António José Seguro demonstrou que comunga desta visão da Europa: a Europa como um bazar.
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É a concepção da Europa como um bazar, em que tudo é uma barganha e em que quem chora e fala “alto, grosso e rude” acaba sempre por ganhar alguma coisa. Quem vir as críticas que o Partido Socialista dirige sistematicamente ao Governo e à maioria em matéria europeia percebe que os seus dirigentes e candidatos às europeias se revêem nesta concepção da “Europa-bazar”. O recurso frequente a uma retórica maniqueísta e simplista que contrapõe “posições de força” a “posições de fraqueza”, negociadores “musculados” a negociadores “frágeis” e uma cultura de “irredentismo” a uma atitude de “subserviência” denuncia claramente esse preconceito. Ainda ontem, a propósito da sua “solução-fetiche” de “mutualização da dívida”, António José Seguro demonstrou que comunga desta visão da Europa: a Europa como um bazar.
2. Ora, quem raciocine assim e, consequentemente, defina a estratégia europeia com este pressuposto erra o alvo e corre o risco de somar fracassos atrás de fracassos. Com efeito, o voluntarismo e ou a “bravata” para consumo interno não são argumentos susceptíveis de vingar e fazer caminho na frente europeia. Ao contrário, o activo mais importante – o verdadeiro trunfo – no processo permanente de negociação da construção europeia é a credibilidade. A credibilidade dos objectivos ou propósitos assumidos e a viabilidade das soluções avançadas para os atingir. É justamente a capacidade de persuadir os nossos parceiros e, bem assim, as instituições europeias de que as finalidades a prosseguir são atingíveis e de que os meios a utilizar são adequados e realistas que pode impor uma “agenda portuguesa” no quadro europeu. Naturalmente, essa credibilidade da posição apresentada depende também da credibilidade dos protagonistas e, designadamente, da consistência da sua experiência anterior e do seu discurso político.
A experiência portuguesa dos últimos anos é abundante a demonstrar que a capacidade de influenciar a agenda europeia depende essencialmente desse activo de credibilidade e não de um qualquer voluntarismo. Vejamos três bons exemplos, uns mais estreitamente ligados a especificidades portuguesas, outros mais centrados numa agenda europeia de carácter geral.
3. Comecemos pela questão central da baixa dos juros e da extensão de maturidades dos empréstimos concedidos pela troika. Os níveis iniciais demasiado altos e onerosos eram uma herança da negociação feita pelo Governo Sócrates, que foi corrigida e revertida pelo actual Governo. Os juros foram reduzidos da casa dos 5% para a dos 3% e houve um alargamento de sete anos do prazo de pagamento dos empréstimos (este último, de resto, em articulação com a Irlanda). Estes sucessos – que terão poupado a Portugal mais de 54.000 milhões de euros em necessidades de financiamento nos próximos 30 anos – só foram possíveis como resultado da confiança e fiabilidade gerada nos credores pelos sacrifícios dos portugueses e por uma estratégia negocial que privilegiou o consenso e a discrição. Tudo ao contrário, portanto, daquele preconceito de que o alarde é uma arma negocial.
Tomemos também o exemplo do pacote de fundos comunitários para os próximos sete anos. Dificilmente, o país poderia ter contexto mais adverso para formular as suas pretensões a uma nova tranche superior a 20.000 milhões de euros. Portugal já tinha recebido quatro quadros comunitários de apoio, o que faria supor que deveria estar agora em condições de desenvolvimento que dispensassem uma tão grande ajuda. Por outro lado, a concorrência dos países da coesão não cessa de aumentar e, finalmente, a situação de bancarrota podia suscitar a reputação negativa de quem não merecia novos pacotes de apoio… Pois bem, Portugal, com estas condições hostis, foi capaz de liderar o grupo de 15 países da coesão para firmarem uma posição comum no Conselho Europeu. A reunião determinante dos países da coesão, ao mais alto nível, foi co-presidida pelo primeiro-ministro português e pelo primeiro-ministro polaco. Eis um outro caso de escola em que a credibilidade e o profissionalismo da negociação suplantaram o simples ruído da retórica…
Considere-se ainda o que acaba de suceder com a união bancária, na vertente do chamado “fundo de resolução”. Em Dezembro, o Conselho Europeu estabeleceu uma posição que ficava muito aquém do que seria necessário para criar uma verdadeira união bancária. Esta posição minimalista foi liderada e conformada pela Alemanha. Neste conselho, só um primeiro-ministro mostrou abertamente uma discordância profunda da visão de Angela Merkel sobre a união bancária e esse primeiro-ministro foi o português. A posição portuguesa – coincidente com os esforços da Comissão – passou a ser uma referência para a discussão que havia de seguir-se e, em particular, para o Parlamento Europeu. Não houve debate no PPE que não tivesse como referencial a visão de Passos Coelho. Como é sabido, acabou por haver um entendimento e a solução final é francamente melhor do que aquela de Dezembro. O impacto da atitude portuguesa – numa matéria nuclearmente europeia – fica a dever-se justamente à credibilidade das posições de Portugal. Portugal não era suspeito de defender a irresponsabilidade orçamental ou de correr atrás da primeira facilidade. E isso, naturalmente, dava-lhe uma autoridade moral reforçada para defender, em sede de resolução bancária, uma visão mais ousada.
Definitivamente, a Europa não é um bazar!
Deputado europeu (PSD), cabeça de lista do PSD às eleições para o Parlamento Europeu. paulo.rangel@europarl.europa.eu