A única agência de rating que protege o país numa saída limpa defende programa cautelar
Carla Clifton, analista da DBRS para Portugal, diz que uma linha de crédito cautelar tem a vantagem de garantir taxas de juro razoáveis durante o seu período de duração.
Mas como é que esta pequena agência, criada em 1974 e com sede em Toronto, conseguiu ganhar um papel de tanto destaque?
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Mas como é que esta pequena agência, criada em 1974 e com sede em Toronto, conseguiu ganhar um papel de tanto destaque?
Tudo começou em 2008, quando o Banco Central Europeu (BCE) passou a incluir a DBRS na lista de agências de ratings credenciadas para avaliarem os títulos que eram entregues pelos bancos ao BCE como colateral para os seus pedidos de empréstimos. Até aí, a autoridade monetária apenas considerava os ratings atribuídos pelas três grandes: Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch.
Passados quatro anos apenas, os holofotes do sector financeiro viraram-se todos para a DBRS. Espanha e Itália estavam sob pressão dos mercados e a S&P, a Moody’s e a Fitch colocaram os seus ratings para os dois países abaixo do nível A. Apenas a DBRS resistiu, mantendo um nível A-.
Isso fez toda a diferença para os bancos espanhóis e italianos. É que foi com base nesse único rating que estes puderam continuar a usar da mesma forma que anteriormente os títulos de dívida dos seus países como colateral. Se a DBRS baixasse o rating, os bancos com dívida pública espanhola e italiana veriam automaticamente o colateral que podiam usar ser cortado em 5%, tornando ainda mais difícil a gestão da sua situação financeira, o que teria repercussões graves para toda a crise do euro. Foi por isso que, num relatório publicado no auge da crise do euro, um banco de investimento norte-americano escrevia que “as mudanças de rating feitas pela DBRS são as mais importantes para os títulos de dívida pública utilizados como colateral para o BCE”.
Numa entrevista ao jornal canadiano The Globe and Mail, o fundador da agência, Walter Schroeder, defendia em 2012 a opinião mais benigna da DBRS em comparação com as suas concorrentes. “Nós temos uma filosofia diferente da das outras agências”, afirmava, desafiando: “Daqui a três anos vemos se somos bons ou não. Nessa altura veremos como como é que estão os ratings. E veremos quem é que tem razão”.
Para já, passados dois anos, a situação mantém-se até hoje: a DBRS é a única a atribuir um rating A à Espanha e à Itália. Mas os mercados, com taxas de juro muito baixas para os dois países, parecem querer dar razão à DBRS.
As vantagens do cautelar
Agora a influência da DBRS chega a Portugal. Nos últimos três anos, o facto de Portugal estar sob um programa da troika fez com que o BCE aplicasse um regime de excepção e aceitasse todos os títulos de dívida portugueses como colateral, independentemente do seu rating. Isso foi muito importante para os bancos portugueses, que puderam continuar a usar as suas obrigações de tesouro nacionais para obterem financiamento do BCE. Em Dezembro, os bancos tinham 45.785 milhões de euros de dívida pública portuguesa.
No entanto, o BCE já avisou que, a partir de Maio, se Portugal optar por uma saída limpa, perde esse regime de excepção. Os ratings voltam a contar. E neste momento, a única das quatro agências consideradas pelo BCE que atribui a Portugal um rating acima de “lixo” – o nível mínimo para o BCE aceitar os títulos de dívida como colateral - é a DBRS. A manter-se o actual cenário, será apenas o rating BBB- atribuído pela agência canadiana que permitirá aos bancos portugueses poderem continuar a obter financiamento junto do BCE como até aqui. O cenário é de risco elevado porque o rating da DBRS está a apenas um nível de cair para “lixo” e apresenta uma tendência “negativa”.
É por isso que, mais do que nunca, interessa saber o que pensa a DBRS de Portugal. Carla Clifton, nascida em Portugal mas fora do país desde que entrou na universidade, é a analista da DBRS com a responsabilidade de analisar a situação da economia e finanças públicas portuguesas.
Em declarações ao PÚBLICO, destaca “os desenvolvimentos muito positivos a nível macroeconómico, nomeadamente os resultados conseguidos na balança comercial”, mas assinala que quer ainda ver mais provas de que o país está mesmo a proceder a uma mudança estrutural na sua economia. “Para que se possa pensar numa melhoria do rating, é preciso confirmar a capacidade de Portugal crescer a médio prazo. A actual recuperação tem uma componente cíclica forte e temos de ver se a melhoria é também de carácter estrutural, se as reformas que foram implementadas estão realmente a tornar o país mais competitivo”, afirma Carla Clifton.
De qualquer forma, as declarações da analista indiciam que, nesta fase, uma descida do rating português em mais um nível, para o patamar “lixo” não parece estar nos horizontes. É mesmo aberta a porta a uma eventual melhoria da tendência para “estável”. “Uma subida dos ratings é um processo gradual. Nesta fase, o primeiro passo poderá ser uma reavaliação da tendência do rating, que neste momento ainda é negativa para Portugal”. A próxima decisão da agência está agendada para 23 de Maio.
Carla Clifton explica ainda porque é que, no caso português, a DBRS é a mais optimista das agências de rating. “Na DBRS trabalhamos mais à base das perspectivas de médio prazo, em vez de estarmos excessivamente direccionados para eventos cíclicos. Enquanto Portugal se manteve a cumprir o programa, não vimos sinais de que poderia haver um incumprimento”, afirma. E destaca esse comportamento menos volátil da agência: “Historicamente, antes da crise, tínhamos um rating para Portugal que era mais baixo do que o das outras agências. Agora temos um rating mais alto. É possível que para o futuro o nosso rating seja mais lento a recuperar. Vamos ficar à espera de ver a confirmação de mudanças estruturais na economia”.
Em relação ao tema do momento, a forma de saída de Portugal do programa, a analista diz que saber se o melhor para o rating é uma saída limpa ou um programa cautelar “depende das condições prevalecentes no mercado durante os próximos anos”. No entanto, acaba por dar conta de uma preferência. “Na nossa opinião, mesmo num cenário de melhoria acentuada das condições de mercado para a dívida pública portuguesa, uma linha de crédito cautelar tem a vantagem de garantir taxas de juro razoáveis durante o seu período de duração. Uma vez que um cenário positivo de sustentabilidade da dívida, em conjunto com uma avaliação favorável do sistema financeiro e com a correcção dos desequilíbrios macroeconómicos, são tudo condições que precisam de ser satisfeitas para que o país tenha acesso a uma linha de crédito cautelar, pode ser que garantir essa linha resulte num prémio positivo à dívida soberana do país e acabe por assegurar que Portugal não tenha que utilizar a linha de crédito”, afirma.
Curiosamente, a única agência que, no caso de uma saída limpa, protege Portugal junto do BCE, também acha melhor que o país opte por um programa cautelar.