Governo escreve em relatório que vai apertar controlo, mas discurso oficial é cauteloso
O Relatório Anual de Segurança Interna, divulgado esta semana, refere, no capítulo dedicado às orientações estratégicas para 2014, que “ainda no corrente ano serão adoptados novos procedimentos tendo em vista assegurar que, mesmo após a concessão de Autorização de Residência para Actividade de Investimento (ARI), é verificada com regularidade a inexistência de situações que, pela sua relevância criminal, possam obstar à manutenção da autorização concedida”.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O Relatório Anual de Segurança Interna, divulgado esta semana, refere, no capítulo dedicado às orientações estratégicas para 2014, que “ainda no corrente ano serão adoptados novos procedimentos tendo em vista assegurar que, mesmo após a concessão de Autorização de Residência para Actividade de Investimento (ARI), é verificada com regularidade a inexistência de situações que, pela sua relevância criminal, possam obstar à manutenção da autorização concedida”.
De referir que até aqui, o registo criminal dos candidatos aos chamados vistos gold ou dourados apenas era exigido na altura da concessão da autorização de residência.
Contactado repetidamente pelo PÚBLICO, o gabinete de imprensa do ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, não deu nenhum tipo de esclarecimento sobre o significado e o alcance dos “novos procedimentos” referidos no relatório, no capítulo do combate à imigração ilegal.
Questionado pelo PÚBLICO sobre o assunto, à margem de uma visita que fez na última sexta-feira a Guimarães, Miguel Macedo mostrou-se cauteloso, remetendo a autoria da ideia [novos procedimentos] para um grupo de trabalho criado para acompanhar os vistos gold, composto pelo director-geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, pelo director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e pelo presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal.
“Não posso ainda especificamente enumerar quais sejam os novos procedimentos, embora tenha uma noção daqueles que estão a ser ponderados”, referiu o ministro.
Acrescentou ainda que, “a comissão de acompanhamento tem feito várias recomendações ao longo do tempo, que estão ainda em avaliação” e que “ não estão formalmente apresentadas como procedimentos”.
A cautela do discurso de Miguel Macedo contrasta com o teor afirmativo do documento oficial. “Pode ser este ano ainda”, limitou-se a afirmar o ministro quando questionado sobre a entrada em vigor das novas regras.
O reforço do mecanismo de controlo surge numa altura em que foi detido pela Polícia Judiciária um cidadão chinês, na sequência de um mandado de captura internacional emitido pela Interpol, a pedido das autoridades chinesas, e que tinha visto gold. Também recentemente, a Procuradoria-Geral da República disse estar a investigar um cidadão estrangeiro, por suspeita de branqueamento de capitais, mas que não está ligado a esta questão dos vistos gold.
Para um advogado de um escritório habituado a lidar com clientes de vistos gold, faz sentido que “exista um controlo destas autorizações”. Mas o mesmo jurista alerta para o risco de se afugentar potenciais investidores “se esse controle se revelar excessivo”.
Contactado pelo PÚBLICO, Luís Lima, presidente da APEMIP, a associação das empresas de mediação imobiliária, defende que “há todo o interesse em reforçar os mecanismos de transparência deste negócio”.
“É importante a cooperação entre as diferentes entidades envolvidas, portuguesas e chinesas, de forma a garantir maior transparência e segurança destes investimentos, que têm um grande potencial para o nosso país”, referiu.
Nuno Durão, sócio gerente da IRGLux, uma imobiliária afiliada do grupo internacional Fine&Country, dedicado ao segmento de luxo e que tem trabalhado essencialmente com clientes chineses nos últimos meses, critica a excessiva atenção dada ao caso do chinês que tinha um visto gold e que foi detido por um processo que decorreu na China. Teme que tal permita que o visto possa ser olhado no país como “uma oportunidade para os burlões virem para Portugal”. Pelo contrário, insiste: “O caso mostrou que o programa de checking funciona de tal maneira bem que o indivíduo foi apanhado em pouco tempo”, realça e conta que sabe de apenas dois casos em que os clientes não conseguiram provar a proveniência do dinheiro.
A APEMIP assinou recentemente, em Xangai, no âmbito de uma feira imobiliária, vários protocolos com congéneres locais, com vista a reforçar a troca de informações e melhorar a divulgação do imobiliário português.
Ponce Leão, ex-presidente do Instituto da Construção e do Imobiliário e que agora trabalha numa consultora ligada à captação de investimento estrangeiro, disse recentemente ao PÚBLICO que a existência de abusos pode “matar a actual galinha dos ovos de ouro do sector imobiliário”, defendendo que o investimento deve ser pensado numa lógica sustentável, ou seja, garantindo rentabilidade aos investidores. Para o responsável, vários ministérios, incluindo o da Economia, deveriam estar a olhar para a forma como está a correr este programa, porque, como já aconteceu noutros países, com a mesma rapidez com estes investidores chegam também partem. Com Maria Lopes