“Todos os homens indianos batem nas mulheres e um dia eu vou fazer o mesmo”

Violadas, espancadas, assassinadas, abortadas. Na Índia há uma guerra contra as mulheres mas o tema apenas foi aflorado na campanha para as eleições de segunda-feira.

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Mulher com o filho frente a um graffitti em Bombaim Danish Siddiqui/REUTERS

 À  saída do encontro — que uma responsável da Jagrit descreveu no Guardian —, Sujan estava confuso. O que lhe ouvia parecia-lhe justo, que os homens e as mulheres devem ser tratados da mesma maneira. Mas a sabedoria dos homens da família é feita de experiência: “As raparigas são parvas e tontas e temos que lhes bater todos os dias para ver se lhes entra algum tino na cabeça. O meu pai e os meus irmãos mais velhos dizem isto todos os dias”.

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 À  saída do encontro — que uma responsável da Jagrit descreveu no Guardian —, Sujan estava confuso. O que lhe ouvia parecia-lhe justo, que os homens e as mulheres devem ser tratados da mesma maneira. Mas a sabedoria dos homens da família é feita de experiência: “As raparigas são parvas e tontas e temos que lhes bater todos os dias para ver se lhes entra algum tino na cabeça. O meu pai e os meus irmãos mais velhos dizem isto todos os dias”.

Na Índia, as mulheres são espancadas, violadas e assassinadas todos os dias. A violência de género é tratada como inevitável e difícil de erradicar. Tão difícil, que pouco se falou nela na campanha eleitoral que agora terminou — as legislativas começam segunda-feira.

Apenas um partido, o Congresso (esquerda), pegou no tema, com o candidato, Rahul Gandhi, a anunciar que se ganhar, e for primeiro-ministro, avançará com um projecto de lei para que 30% dos deputados do Parlamento nacional sejam mulheres. Do lado adversário, o partido nacionalista Hindu (BJP), liderado por Narenda Modi — que vai ganhar, dizem as sondagens —, o tema foi omitido; a economia e o regresso da Índia aos palcos mundiais foram os temas de eleição.

“Estão a ser feitas grandes declarações sobre a Índia ter de se tornar numa grande potência”, disse Rahul Gandhi num comício. “Qual super-potência, qual quê. Antes de falarmos em superpotência, temos que fazer com que as mulheres se sintam seguras dentro de um autocarro. Esta é uma luta pela mudança das mentalidades em que cada um de nós, homens e mulheres, temos que desempenhar um grande papel”.

A guerra da Índia contra as mulheres — como lhe chama o jornalista indiano Ram Mashru, que escreveu vários artigos sobre o tema em The Diplomat — é um conflito de várias frentes.

Uma violação a cada 28 minutos

Segundo o departamento indiano de registo de crimes, em 2011 houve 24.206 queixas por violação, o que equivale a uma violação em cada 28 minutos. “Este número aflora apenas o problema, uma vez que a maior parte dos casos de violência sexual não é denunciada porque as vítimas optam por manter o silêncio por muitas razões, incluindo o estigma social que está agarrado a uma violação. Muitas vezes questiona-se o carácter da vítima, pergunta-se se estava na rua à noite ou se o seu comportamento provocou a violação”, explica Ram Mahru nos seus artigos que alertam para a relação entre demografia, economia, taxa de desemprego (300 milhões, sobretudo jovens) e política na guerra contra as mulheres.

A agressão e a violência sexual é, na maior parte das vezes, feita dentro da família dos maridos (quando casam, por norma muito jovens, as mulheres perdem o contacto com a família de origem). E os investigadores dizem que o trabalho a fazer é transversal e não se pode limitar à aprovação de leis, como aconteceu depois da violação, por um grupo de homens, de uma estudante num autocarro em Nova Deli, em Dezembro de 2012. Desde então, muitos outros casos polémicos apareceram com grande destaque nos media. Há que mudar o comportamento dos polícias, dos juízes que são brandos ou não criminalizam estes crimes, dos políticos que preferem não abordar o assunto.

A guerra contra as mulheres começa também nas mulheres. Na Índia, dizem as estimativas de organizações como a UNICEF, há 25 milhões de mulheres “desaparecidas” — não é um fenómeno localizado, existe em muitos países e, em todo o mundo, são 200 milhões as mulheres “desaparecidas” (números das Nações Unidas).

Desapareceram antes de nascer, nos abortos selectivos que na Índia são cada vez mais, apesar de proibidos por lei, ou foram mortas ao nascer por serem raparigas e um fardo para as famílias que valorizam os filhos homens que, quando casam, trazem uma mais-valia para dentro de casa (a mulher) e não pagam dote (uma prática também proibida por lei mas que continua a ser praticada).

“Estrangulei-a quando nasceu”, testemunha uma mulher indiana no impressionante documentário It’s a girl, de Evan Grae Davis (É menina, está disponível no Youtube). Numa casa indiana, olhamos para um bocadinho de terra onde as mulheres da família enterraram as filhas que foram mortas à nascença e ouvimos uma mulher mais velha contar que as mulheres dos filhos têm que matar porque ela também matou.