A Guerra dos Tronos está de volta e ninguém está a salvo
Depois de meses à espera, estreia hoje finalmente a quarta temporada da série adaptada dos livros de George R.R. Martin. Entre dragões e lutas sem fim pelo poder, A Guerra dos Tronos é um fenómeno em crescendo. É televisão de qualidade, dizem os seus actores, com a certeza de estarem a participar numa das melhores séries da actualidade.
Quando em Abril de 2011 chegou à televisão norte-americana o primeiro episódio desta adaptação da fantasia histórica As Crónicas de Gelo e Fogo, agora mundialmente conhecida como A Guerra dos Tronos, do escritor George R.R. Martin, foram quase três milhões de pessoas que viram.
Duas temporadas depois, o último episódio da terceira temporada foi visto em Junho de 2013 por mais de 5,4 milhões de pessoas só nos Estados Unidos. Pelo meio, foram-se batendo recordes, ora de audiências, ora de downloads ilegais. Porque se em média foram mais de cinco milhões de pessoas a verem os episódios quando estes passaram na televisão, e nestes números não entram as repetições, outros tantos milhões descarregaram ilegalmente a série – foi a mais pirateada de 2012 e 2013, segundo o site Torrent Freak, que faz regularmente esta análise. Os números falam por si. O sucesso da série tem crescido ao longo das temporadas.
Não é por isso de estranhar que quando em Fevereiro viajámos até Londres para falar com alguns dos actores, nos deparámos com uma centena de jornalistas de todo o mundo, incluindo de países como a Roménia, a Malásia ou o Chile. Actualmente, A Guerra dos Tronos vai para o ar em mais de 40 países. Em Portugal, é exibida desde Outubro de 2011 no canal por cabo SyFy. Primeiro os episódios chegavam com uma semana de intervalo e agora, porque o interesse é cada vez maior, vamos poder ver a estreia da quarta temporada apenas 48 horas depois de se ter estreado nos Estados Unidos.
“Esta não é uma série à qual estamos acostumados, é fascinante de tão imprevisível porque não sabes genuinamente onde é que isto vai parar”, diz-nos o actor Liam Cunningham, Davos Seaworth, o homem que serve um dos muitos pretendentes ao Trono de Ferro, Stannis Baratheon.
Sim, porque no reino de Westeros são muitos os que se consideram os legítimos herdeiros do trono. Seja pelas ligações de sangue ou porque em tempos o reino se ajoelhava aos pés de um rei assassinado. Por ambição, vingança ou uma questão de honra, esta é uma luta de vários clãs num complexo mapa e trama de reinos, assombrados por um Inverno que demora a chegar – as estações por aqui têm durações imprevisíveis mas o Inverno, é sabido, não augura nada de bom. Confuso?
“Pois, é por isso que esta saga é também inovadora, é que há tantas personagens, tantas histórias paralelas”, diz Aidan Gillen, que dá vida a Petyr Baelish, Mindinho, um homem manipulador, cuja ambição pelo poder o faz ultrapassar qualquer regra e jogar qualquer jogo. Não é por acaso que para a sua personagem, o actor irlandês se inspirou no político britânico Peter Mandelson, também conhecido por “Príncipe das Trevas” e que foi durante anos o conselheiro principal do primeiro-ministro Tony Blair e um dos criadores do New Labour.
“É que esta pode ser uma série de fantasia mas a sua base está assente nas experiências humanas. É uma história de guerra, vingança, amor, morte”, explica Gillen, para quem a história de George R.R. Martin não está longe da nossa realidade política. “Esta luta pelo poder, esta ambição, nós conhecemos muito bem, cada um terá exemplos assim nos seus países”, continua o actor.
São muitos os que conspiram na Internet, por exemplo, sobre o interesse do presidente norte-americano Barack Obama nesta série. Não sabemos por que é que o presidente vê a Guerra dos Tronos, mas o que é certo é que Obama pediu à HBO, onde é exibida a série, para ter acesso aos episódios em primeira mão. Um pedido aceite pelo canal: “Um dos privilégios de ser o homem mais poderoso do mundo”.
Aidan Gillen destaca ainda que a série é baseada em eventos históricos, George R.R. Martin já disse ter-se inspirado na disputa pelo trono da Guerra das Rosas do século XV inglês, “e a verdade é que as pessoas morrem, ficam sem cabeças”.
E quando Gillen fala em ficar sem cabeças é mesmo isso que quer dizer. Afinal esta é uma história onde se vive pela espada e morre pela espada. As mortes aqui são mais do que muitas e ninguém, mas mesmo ninguém, está a salvo. Se dúvidas existissem em relação a isto, a primeira temporada terá servido de exemplo, quando Ned Stark (interpretado por Sean Bean) morre decapitado, acusado falsamente de traição numa amostra de poder do rei Joffrey (Jack Gleeson). “É um mundo brutal e os personagens não têm de sobreviver até ao fim só porque são os principais da história”, diz o actor.
“Uma das coisas que torna a série tão boa é exactamente o facto de estarem sempre a morrer pessoas”, diz, entre gargalhadas, Liam Cunningham. “Não é o método comum de se fazerem as coisas. Há mudanças de jogo em todos os sentidos, a todos os momentos. Quando o Ned Stark morreu as pessoas nem queriam acreditar, perguntaram o que raio se passava ali, ficaram atónitas”, explica, acrescentando depressa: “Agora questionam-se sempre sobre o que é que estes malucos vão fazer a seguir”.
Com “estes malucos”, Cunningham refere-se aos produtores da série, os mentores deste fenómeno. São eles David Benioff e D.B. Weiss, que se deixaram conquistar exactamente pela imprevisibilidade dos livros. “A Guerra dos Tronos foi provavelmente o primeiro livro de fantasia que peguei em 25 anos”, diz na edição deste mês da revista Vanity Fair Benioff, argumentista de filmes como Tróia (2004), Stay - Entre a Vida e a Morte (2005), O Menino de Cabul (2007) e X-Men Origens: Wolverine (2009). Foi depois de ler, e de reler alguns dos acontecimentos mais marcantes e inesperados do livro, imaginando na sua cabeça algumas das cenas, que Benioff lançou o desafio a Weiss, antigo companheiro de curso. Os dois desafiaram depois o escritor de 65 anos.
Para perceber o quanto os produtores conheciam a sua história e a capacidade destes também entrarem nos Sete Reinos de Westeros, George R.R. Martin perguntou-lhes apenas: “Quem é a mãe de Jon Snow (Kit Harington)?”, referindo-se ao filho bastardo de Ned Stark, cuja identidade da mãe continua um mistério na série e mesmo nos livros. As respostas que deram a George R.R. Martin não dizem quais foram mas a verdade é que conseguiram que o autor alinhasse nesta aventura, entrando mesmo como produtor executivo e assinando um episódio por temporada.
George R.R. Martin ainda não acabou de escrever a saga: são sete os livros a serem publicados e até agora só saíram cinco (a edição portuguesa, nas mãos da editora Saída de Emergência, divide os cinco capítulos existentes em dez volumes). Há duas semanas o escritor surpreendeu ao revelar online um capítulo do próximo livro.
Os três concordaram que teriam de chamar para o projecto o actor Peter Dinklage para dar vida ao anão Tyrion Lannister, tio do jovem e odiado rei Joffrey de 17 anos. Hoje, a personagem de Peter Dinklage é uma das mais adoradas e também um dos grandes motivos de sucesso da série. Para Dinklage foi uma oportunidade de “transformar o estereótipo do anão” nas séries de fantasia. “É que ao mesmo tempo ele é um herói”, disse o actor à Vanity Fair.
Mesmo para quem já conhecia a história dos livros, a série consegue ser surpreendente. Esta não é daquelas adaptações em que os seus mais fiéis seguidores se sentem defraudados, talvez porque, além de reconhecerem a mesma linha na história, sabem que o escritor está também detrás. George R.R. Martin acompanha as rodagens da série e quando não está presente há uma linha directa que o liga aos actores. “Qualquer dúvida que tenhas, põem-te imediatamente em contacto com o George, podes perguntar-lhe qualquer coisa, mesmo a meio das filmagens”, diz, questionado pelo PÚBLICO, o actor Rory McCann, que na Guerra dos Tronos é Sandor Clegane, O Cão de Caça, um homem que à quarta temporada ainda nos é quase um estranho.
Além de que, destaca Aidan Gillen, “os produtores têm uma devoção ao livro”, tentando passar para o ecrã o maior número de personagens possível com todos os detalhes. “Há este compromisso em manter os vários paralelos ao longo da história, além de que não há pressa em contar a história e por vezes são precisas três ou quatro temporadas, ou mais, para perceberes a sério alguns caminhos e personagens”, explica.
É o caso de Sandor Clegane, O Cão de Caça, que na quarta temporada veremos a partilhar o ecrã maioritariamente com Arya Stark (Maisie Williams), a rapariga mais nova do clã Stark, que procura vingar a morte da sua família. Em tempos a rapariga já quis matar este gigante mas agora parece que a relação entre os dois está a mudar.
“O que torna esta série especial é que nada é preto ou branco”, diz-nos Maisie Williams, de 16 anos, explicando que personagens que achámos lutarem pelo mal são afinal boas e vice-versa. “Vai depender sempre daqueles de quem te rodeias, da opinião que vais ouvir, a verdade é que para alguns personagens é difícil manterem-se bons”, explica a actriz, dando o seu próprio exemplo. Depois de na terceira temporada ter perdido praticamente toda a sua família no épico episódio nove, no inesperado e dramático Casamento Vermelho, onde todo o clã Stark é chacinado, a pequena Arya “desiste de controlar o futuro”. “Já não tenta perceber o que vai acontecer mas tenta apenas sobreviver, movida por uma enorme vontade de vingança”, conta a britânica.
O episódio nove da terceira temporada foi mesmo um marco na série. No Youtube não faltam vídeos de reacções de pessoas a ver o momento em que o sangue salta literalmente de todo o lado e onde uma série dos personagens de destaque morrem, provando mais uma vez que ninguém está a salvo.
Para a actriz Gwendoline Christie, a guerreira Brienne de Tarth capaz de fazer frente a qualquer homem de Westeros, o que se passou naquele episódio foi “chocante”. Diz até que chorou. E não foi a única. Na noite em que esse episódio foi para o ar nos Estados Unidos, o Twitter ficou inundado de publicações de pessoas que não queriam acreditar no que tinham visto. Por muito que a história estivesse a seguir aquele caminho, nada fazia prever que fosse acabar daquela maneira. Para quem leu os livros, saberia o que estava para vir mas não de que forma seria transposta para o ecrã e daí também a surpresa. “O Casamento Vermelho foi único mas não acho que teremos agora de ultrapassar isso, foi um episódio incrível mas outros acontecimentos virão”, diz-nos o actor Nikolaj Coster-Waldau, o corrosivo Jamie Lannister, homem que mantém uma relação incestuosa com a sua irmã, Cersei (Lena Headey), e por isso tio/pai do rei Joffrey.
“De alguma forma foi como se as temporadas anteriores estivessem a fazer o caminho para o episódio nove, o clímax é aqui. Mas na temporada que aí vem vão acontecer coisas monumentais razoavelmente cedo”, revela Liam Cunningham. E Gwendoline Christie acrescenta: “Uma coisa boa da Guerra dos Tronos é que nunca nada se repete”. “Quando achas que há uma fórmula, acontece outra coisa. A narrativa está sempre a mudar, a construção não é convencional”, diz a actriz, que define como “brilhante” o trabalho dos produtores. “Conseguem sempre surpreender-nos, o que sabemos é que vamos passar por uma experiência de oh não, não, não”, continua.
Equilíbrio de género?
No entanto, e apesar de todo o sucesso e de todas as críticas positivas, são também muitos os que criticam a extrema violência das cenas, assim como uma grande quantidade de cenas de nudez, essencialmente feminina, e de sexo. Mas os actores desvalorizam. “Não se trata de violência gratuita, tudo o que acontece na série é justificado e muito bem realizado”, defende Liam Cunningham. Já sobre as cenas de sexo e uma possível desvalorização da mulher, a resposta de Cunningham é simples: “O sexo faz parte e isso não desvaloriza o sexo feminino, até porque se há coisa que esta série tem são personagens femininas incrivelmente fortes”. “A sério, são perigosas e assustadoras, até a pequena Arya é uma assassina”, brinca o actor, defendendo que nesta história existe um “equilíbrio muito grande de género”.
Gwendoline Christie diz estar orgulhosa por estar a interpretar “um papel feminino brilhante e multifacetado”. “Tenho esperanças de que o sucesso da Guerra dos Tronos possa trazer mais e melhores papéis femininos para as actrizes.” Uma outra mulher de poder na série é Melisandre, interpretada por Carice van Houten, actriz que também em nada se sente menorizada. “Pelo contrário, os homens temem-na, ela é que comanda”, diz van Houten. Já Sibel Kekilli, a prostituta Shae, não se importaria de ver mais homens nus na série, diz entre gargalhadas. “Mais a sério, acho que é uma falsa questão. Há mulheres fracas na série como há homens fracos.”
Isaac Hempstead Wright, de 14 anos e que dá vida a Bran Stark desde os dez, concorda com a igualdade no ecrã mas admite que foram muitas as conversas que teve com os pais a propósito das cenas de sexo. “Foi mais fácil lidar com a violência porque andamos nas filmagens e sabemos como se fazem as coisas, tiramos fotografias com as cabeças decapitadas, vemos os baldes com suposto sangue e quando assistimos na televisão sabemos o que é que há exactamente por trás de cada cena”, conta Hempstead Wright. “Com o sexo foi um bocadinho mais difícil mas a minha mãe teve conversas comigo”, diz tímido o rapaz, que garante que a série em pouco mudou a sua vida. “Não toma conta de mim, continuo a ir à escola com a diferença de que sei que a partir de Junho estarei em filmagens.”
Apesar de estar na série desde o início e de o seu papel estar em crescendo ao longo das temporadas, Isaac Hempstead Wright diz que só se lembra do fenómeno quando é interpelado na rua. E na escola? Pergunta-lhe uma jornalista na sala. “O problema são os professores, esses sim são fãs da série e quando percebem que estou na turma querem sempre falar sobre os episódios”, conta. Os amigos não querem saber.
Ainda há duas semanas o caso de um professor na Bélgica fã da série foi notícia em todo o mundo pela forma que arranjou para manter a turma calada. Ora, ele que já leu os livros, ameaçou revelar à turma as mortes que assistirão na televisão. Segundo as notícias, a ameaça resultou e a turma acalmou.
“Isso é horrível, as pessoas estão apaixonadas pela série e por isso os spoilers não fazem sentido, o entusiasmo de ansiar por mais é muito bonito, não devemos estragar isso”, defende Gwendoline Christie. É por isso que ela e grande parte dos actores não leram ainda, nem querem, os livros de George R.R. Martin, que em Portugal já venderam mais de 150 mil exemplares. “Eu não quis ler porque não me quero deixar influenciar, estou a viver a personagem de rodagem para rodagem, não quero saber o que vai acontecer, não quero é morrer”, diz Sibel Kekilli, que partilha um receio comum ao elenco: a morte. “Quando morremos a série acaba para nós e é tão bom estar aqui”, destaca Carice van Houten.
Já Cunningham diz não ler por confiar em pleno nos argumentistas: “Eles tiram o que de melhor os personagens têm”. “Não tenho dúvidas de que alguma da melhor televisão de sempre se está a fazer agora com séries como A Guerra dos Tronos, Breaking Bad ou Mad Men”, diz o actor, destacando “o grande momento que a televisão está a viver”. “Daqui a 50 anos as pessoas ainda vão olhar para esta série e reconhecê-la como televisão de qualidade, mesmo que existam dragões num mundo que não é de dragões”, conclui.
O PÚBLICO viajou a convite do SyFy
Notícia corrigida às 11h52: As declarações dos produtores e do actor Peter Dinklage foram à Vanity Fair e não à Variety, como inicialmente escrito.
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Quando em Abril de 2011 chegou à televisão norte-americana o primeiro episódio desta adaptação da fantasia histórica As Crónicas de Gelo e Fogo, agora mundialmente conhecida como A Guerra dos Tronos, do escritor George R.R. Martin, foram quase três milhões de pessoas que viram.
Duas temporadas depois, o último episódio da terceira temporada foi visto em Junho de 2013 por mais de 5,4 milhões de pessoas só nos Estados Unidos. Pelo meio, foram-se batendo recordes, ora de audiências, ora de downloads ilegais. Porque se em média foram mais de cinco milhões de pessoas a verem os episódios quando estes passaram na televisão, e nestes números não entram as repetições, outros tantos milhões descarregaram ilegalmente a série – foi a mais pirateada de 2012 e 2013, segundo o site Torrent Freak, que faz regularmente esta análise. Os números falam por si. O sucesso da série tem crescido ao longo das temporadas.
Não é por isso de estranhar que quando em Fevereiro viajámos até Londres para falar com alguns dos actores, nos deparámos com uma centena de jornalistas de todo o mundo, incluindo de países como a Roménia, a Malásia ou o Chile. Actualmente, A Guerra dos Tronos vai para o ar em mais de 40 países. Em Portugal, é exibida desde Outubro de 2011 no canal por cabo SyFy. Primeiro os episódios chegavam com uma semana de intervalo e agora, porque o interesse é cada vez maior, vamos poder ver a estreia da quarta temporada apenas 48 horas depois de se ter estreado nos Estados Unidos.
“Esta não é uma série à qual estamos acostumados, é fascinante de tão imprevisível porque não sabes genuinamente onde é que isto vai parar”, diz-nos o actor Liam Cunningham, Davos Seaworth, o homem que serve um dos muitos pretendentes ao Trono de Ferro, Stannis Baratheon.
Sim, porque no reino de Westeros são muitos os que se consideram os legítimos herdeiros do trono. Seja pelas ligações de sangue ou porque em tempos o reino se ajoelhava aos pés de um rei assassinado. Por ambição, vingança ou uma questão de honra, esta é uma luta de vários clãs num complexo mapa e trama de reinos, assombrados por um Inverno que demora a chegar – as estações por aqui têm durações imprevisíveis mas o Inverno, é sabido, não augura nada de bom. Confuso?
“Pois, é por isso que esta saga é também inovadora, é que há tantas personagens, tantas histórias paralelas”, diz Aidan Gillen, que dá vida a Petyr Baelish, Mindinho, um homem manipulador, cuja ambição pelo poder o faz ultrapassar qualquer regra e jogar qualquer jogo. Não é por acaso que para a sua personagem, o actor irlandês se inspirou no político britânico Peter Mandelson, também conhecido por “Príncipe das Trevas” e que foi durante anos o conselheiro principal do primeiro-ministro Tony Blair e um dos criadores do New Labour.
“É que esta pode ser uma série de fantasia mas a sua base está assente nas experiências humanas. É uma história de guerra, vingança, amor, morte”, explica Gillen, para quem a história de George R.R. Martin não está longe da nossa realidade política. “Esta luta pelo poder, esta ambição, nós conhecemos muito bem, cada um terá exemplos assim nos seus países”, continua o actor.
São muitos os que conspiram na Internet, por exemplo, sobre o interesse do presidente norte-americano Barack Obama nesta série. Não sabemos por que é que o presidente vê a Guerra dos Tronos, mas o que é certo é que Obama pediu à HBO, onde é exibida a série, para ter acesso aos episódios em primeira mão. Um pedido aceite pelo canal: “Um dos privilégios de ser o homem mais poderoso do mundo”.
Aidan Gillen destaca ainda que a série é baseada em eventos históricos, George R.R. Martin já disse ter-se inspirado na disputa pelo trono da Guerra das Rosas do século XV inglês, “e a verdade é que as pessoas morrem, ficam sem cabeças”.
E quando Gillen fala em ficar sem cabeças é mesmo isso que quer dizer. Afinal esta é uma história onde se vive pela espada e morre pela espada. As mortes aqui são mais do que muitas e ninguém, mas mesmo ninguém, está a salvo. Se dúvidas existissem em relação a isto, a primeira temporada terá servido de exemplo, quando Ned Stark (interpretado por Sean Bean) morre decapitado, acusado falsamente de traição numa amostra de poder do rei Joffrey (Jack Gleeson). “É um mundo brutal e os personagens não têm de sobreviver até ao fim só porque são os principais da história”, diz o actor.
“Uma das coisas que torna a série tão boa é exactamente o facto de estarem sempre a morrer pessoas”, diz, entre gargalhadas, Liam Cunningham. “Não é o método comum de se fazerem as coisas. Há mudanças de jogo em todos os sentidos, a todos os momentos. Quando o Ned Stark morreu as pessoas nem queriam acreditar, perguntaram o que raio se passava ali, ficaram atónitas”, explica, acrescentando depressa: “Agora questionam-se sempre sobre o que é que estes malucos vão fazer a seguir”.
Com “estes malucos”, Cunningham refere-se aos produtores da série, os mentores deste fenómeno. São eles David Benioff e D.B. Weiss, que se deixaram conquistar exactamente pela imprevisibilidade dos livros. “A Guerra dos Tronos foi provavelmente o primeiro livro de fantasia que peguei em 25 anos”, diz na edição deste mês da revista Vanity Fair Benioff, argumentista de filmes como Tróia (2004), Stay - Entre a Vida e a Morte (2005), O Menino de Cabul (2007) e X-Men Origens: Wolverine (2009). Foi depois de ler, e de reler alguns dos acontecimentos mais marcantes e inesperados do livro, imaginando na sua cabeça algumas das cenas, que Benioff lançou o desafio a Weiss, antigo companheiro de curso. Os dois desafiaram depois o escritor de 65 anos.
Para perceber o quanto os produtores conheciam a sua história e a capacidade destes também entrarem nos Sete Reinos de Westeros, George R.R. Martin perguntou-lhes apenas: “Quem é a mãe de Jon Snow (Kit Harington)?”, referindo-se ao filho bastardo de Ned Stark, cuja identidade da mãe continua um mistério na série e mesmo nos livros. As respostas que deram a George R.R. Martin não dizem quais foram mas a verdade é que conseguiram que o autor alinhasse nesta aventura, entrando mesmo como produtor executivo e assinando um episódio por temporada.
George R.R. Martin ainda não acabou de escrever a saga: são sete os livros a serem publicados e até agora só saíram cinco (a edição portuguesa, nas mãos da editora Saída de Emergência, divide os cinco capítulos existentes em dez volumes). Há duas semanas o escritor surpreendeu ao revelar online um capítulo do próximo livro.
Os três concordaram que teriam de chamar para o projecto o actor Peter Dinklage para dar vida ao anão Tyrion Lannister, tio do jovem e odiado rei Joffrey de 17 anos. Hoje, a personagem de Peter Dinklage é uma das mais adoradas e também um dos grandes motivos de sucesso da série. Para Dinklage foi uma oportunidade de “transformar o estereótipo do anão” nas séries de fantasia. “É que ao mesmo tempo ele é um herói”, disse o actor à Vanity Fair.
Mesmo para quem já conhecia a história dos livros, a série consegue ser surpreendente. Esta não é daquelas adaptações em que os seus mais fiéis seguidores se sentem defraudados, talvez porque, além de reconhecerem a mesma linha na história, sabem que o escritor está também detrás. George R.R. Martin acompanha as rodagens da série e quando não está presente há uma linha directa que o liga aos actores. “Qualquer dúvida que tenhas, põem-te imediatamente em contacto com o George, podes perguntar-lhe qualquer coisa, mesmo a meio das filmagens”, diz, questionado pelo PÚBLICO, o actor Rory McCann, que na Guerra dos Tronos é Sandor Clegane, O Cão de Caça, um homem que à quarta temporada ainda nos é quase um estranho.
Além de que, destaca Aidan Gillen, “os produtores têm uma devoção ao livro”, tentando passar para o ecrã o maior número de personagens possível com todos os detalhes. “Há este compromisso em manter os vários paralelos ao longo da história, além de que não há pressa em contar a história e por vezes são precisas três ou quatro temporadas, ou mais, para perceberes a sério alguns caminhos e personagens”, explica.
É o caso de Sandor Clegane, O Cão de Caça, que na quarta temporada veremos a partilhar o ecrã maioritariamente com Arya Stark (Maisie Williams), a rapariga mais nova do clã Stark, que procura vingar a morte da sua família. Em tempos a rapariga já quis matar este gigante mas agora parece que a relação entre os dois está a mudar.
“O que torna esta série especial é que nada é preto ou branco”, diz-nos Maisie Williams, de 16 anos, explicando que personagens que achámos lutarem pelo mal são afinal boas e vice-versa. “Vai depender sempre daqueles de quem te rodeias, da opinião que vais ouvir, a verdade é que para alguns personagens é difícil manterem-se bons”, explica a actriz, dando o seu próprio exemplo. Depois de na terceira temporada ter perdido praticamente toda a sua família no épico episódio nove, no inesperado e dramático Casamento Vermelho, onde todo o clã Stark é chacinado, a pequena Arya “desiste de controlar o futuro”. “Já não tenta perceber o que vai acontecer mas tenta apenas sobreviver, movida por uma enorme vontade de vingança”, conta a britânica.
O episódio nove da terceira temporada foi mesmo um marco na série. No Youtube não faltam vídeos de reacções de pessoas a ver o momento em que o sangue salta literalmente de todo o lado e onde uma série dos personagens de destaque morrem, provando mais uma vez que ninguém está a salvo.
Para a actriz Gwendoline Christie, a guerreira Brienne de Tarth capaz de fazer frente a qualquer homem de Westeros, o que se passou naquele episódio foi “chocante”. Diz até que chorou. E não foi a única. Na noite em que esse episódio foi para o ar nos Estados Unidos, o Twitter ficou inundado de publicações de pessoas que não queriam acreditar no que tinham visto. Por muito que a história estivesse a seguir aquele caminho, nada fazia prever que fosse acabar daquela maneira. Para quem leu os livros, saberia o que estava para vir mas não de que forma seria transposta para o ecrã e daí também a surpresa. “O Casamento Vermelho foi único mas não acho que teremos agora de ultrapassar isso, foi um episódio incrível mas outros acontecimentos virão”, diz-nos o actor Nikolaj Coster-Waldau, o corrosivo Jamie Lannister, homem que mantém uma relação incestuosa com a sua irmã, Cersei (Lena Headey), e por isso tio/pai do rei Joffrey.
“De alguma forma foi como se as temporadas anteriores estivessem a fazer o caminho para o episódio nove, o clímax é aqui. Mas na temporada que aí vem vão acontecer coisas monumentais razoavelmente cedo”, revela Liam Cunningham. E Gwendoline Christie acrescenta: “Uma coisa boa da Guerra dos Tronos é que nunca nada se repete”. “Quando achas que há uma fórmula, acontece outra coisa. A narrativa está sempre a mudar, a construção não é convencional”, diz a actriz, que define como “brilhante” o trabalho dos produtores. “Conseguem sempre surpreender-nos, o que sabemos é que vamos passar por uma experiência de oh não, não, não”, continua.
Equilíbrio de género?
No entanto, e apesar de todo o sucesso e de todas as críticas positivas, são também muitos os que criticam a extrema violência das cenas, assim como uma grande quantidade de cenas de nudez, essencialmente feminina, e de sexo. Mas os actores desvalorizam. “Não se trata de violência gratuita, tudo o que acontece na série é justificado e muito bem realizado”, defende Liam Cunningham. Já sobre as cenas de sexo e uma possível desvalorização da mulher, a resposta de Cunningham é simples: “O sexo faz parte e isso não desvaloriza o sexo feminino, até porque se há coisa que esta série tem são personagens femininas incrivelmente fortes”. “A sério, são perigosas e assustadoras, até a pequena Arya é uma assassina”, brinca o actor, defendendo que nesta história existe um “equilíbrio muito grande de género”.
Gwendoline Christie diz estar orgulhosa por estar a interpretar “um papel feminino brilhante e multifacetado”. “Tenho esperanças de que o sucesso da Guerra dos Tronos possa trazer mais e melhores papéis femininos para as actrizes.” Uma outra mulher de poder na série é Melisandre, interpretada por Carice van Houten, actriz que também em nada se sente menorizada. “Pelo contrário, os homens temem-na, ela é que comanda”, diz van Houten. Já Sibel Kekilli, a prostituta Shae, não se importaria de ver mais homens nus na série, diz entre gargalhadas. “Mais a sério, acho que é uma falsa questão. Há mulheres fracas na série como há homens fracos.”
Isaac Hempstead Wright, de 14 anos e que dá vida a Bran Stark desde os dez, concorda com a igualdade no ecrã mas admite que foram muitas as conversas que teve com os pais a propósito das cenas de sexo. “Foi mais fácil lidar com a violência porque andamos nas filmagens e sabemos como se fazem as coisas, tiramos fotografias com as cabeças decapitadas, vemos os baldes com suposto sangue e quando assistimos na televisão sabemos o que é que há exactamente por trás de cada cena”, conta Hempstead Wright. “Com o sexo foi um bocadinho mais difícil mas a minha mãe teve conversas comigo”, diz tímido o rapaz, que garante que a série em pouco mudou a sua vida. “Não toma conta de mim, continuo a ir à escola com a diferença de que sei que a partir de Junho estarei em filmagens.”
Apesar de estar na série desde o início e de o seu papel estar em crescendo ao longo das temporadas, Isaac Hempstead Wright diz que só se lembra do fenómeno quando é interpelado na rua. E na escola? Pergunta-lhe uma jornalista na sala. “O problema são os professores, esses sim são fãs da série e quando percebem que estou na turma querem sempre falar sobre os episódios”, conta. Os amigos não querem saber.
Ainda há duas semanas o caso de um professor na Bélgica fã da série foi notícia em todo o mundo pela forma que arranjou para manter a turma calada. Ora, ele que já leu os livros, ameaçou revelar à turma as mortes que assistirão na televisão. Segundo as notícias, a ameaça resultou e a turma acalmou.
“Isso é horrível, as pessoas estão apaixonadas pela série e por isso os spoilers não fazem sentido, o entusiasmo de ansiar por mais é muito bonito, não devemos estragar isso”, defende Gwendoline Christie. É por isso que ela e grande parte dos actores não leram ainda, nem querem, os livros de George R.R. Martin, que em Portugal já venderam mais de 150 mil exemplares. “Eu não quis ler porque não me quero deixar influenciar, estou a viver a personagem de rodagem para rodagem, não quero saber o que vai acontecer, não quero é morrer”, diz Sibel Kekilli, que partilha um receio comum ao elenco: a morte. “Quando morremos a série acaba para nós e é tão bom estar aqui”, destaca Carice van Houten.
Já Cunningham diz não ler por confiar em pleno nos argumentistas: “Eles tiram o que de melhor os personagens têm”. “Não tenho dúvidas de que alguma da melhor televisão de sempre se está a fazer agora com séries como A Guerra dos Tronos, Breaking Bad ou Mad Men”, diz o actor, destacando “o grande momento que a televisão está a viver”. “Daqui a 50 anos as pessoas ainda vão olhar para esta série e reconhecê-la como televisão de qualidade, mesmo que existam dragões num mundo que não é de dragões”, conclui.
O PÚBLICO viajou a convite do SyFy
Notícia corrigida às 11h52: As declarações dos produtores e do actor Peter Dinklage foram à Vanity Fair e não à Variety, como inicialmente escrito.