Propagação do ébola com "uma dimensão nunca vista " na Guiné-Conacri
Dispersão geográfica dificulta combate ao vírus. Número de mortos confirmados no país é de 78. Libéria e Serra Leoa também afectados. Outros países tomam precauções.
A confirmação de teste positivo à criança, que de vez em quando pede café com leite e sumo de fruta, criou um dilema à equipa dos Médicos sem Fronteiras – transferi-la para junto da mãe e da tia, onde as “vai ver morrer”, ou mantê-la onde está, “com risco de contaminar os que não são declarados positivos”. A organização acabou por optar pelo que considera “o mal menor”.
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A confirmação de teste positivo à criança, que de vez em quando pede café com leite e sumo de fruta, criou um dilema à equipa dos Médicos sem Fronteiras – transferi-la para junto da mãe e da tia, onde as “vai ver morrer”, ou mantê-la onde está, “com risco de contaminar os que não são declarados positivos”. A organização acabou por optar pelo que considera “o mal menor”.
No centro dos Médicos sem Fronteiras em Guéckédou, uma das cidades mais afectadas pelo ébola, visitada pela AFP, vários doentes afectados pela febre hemorrágica viral, altamente contagiosa, frequentemente fatal, nada mais têm a esperar do que a morte.
O vírus agora identificado na Guiné-Conacri, inicialmente no Sudeste, e que as autoridades levaram seis semanas a caracterizar, é “do tipo Zaire”, a mais mortal entre as cinco estirpes que causam o ébola, e nunca antes tinha sido detectado na África Ocidental. Mas outras estirpes estão igualmente presentes. Os que entre as cerca de 30 pessoas que trabalham em Guéckédou contactam directamente com os internados usam fatos totalmente herméticos, que os protegem da cabeça aos pés.
O Ébola – cuja taxa de mortalidade pode atingir os 90% – já custou a vida a 78 pessoas desde Janeiro no país. No total são 122 os casos suspeitos, metade em Conacri e metade em duas cidades do Sul, Guéckédou e Macenta, lugares afastados centenas de quilómetros entre si. Entre os casos suspeitos 22 foram já confirmados como positivos.
“Estamos confrontados com uma epidemia de uma dimensão nunca vista no que diz respeito à distribuição de casos no território”, disse Mariano Lugli, coordenador da organização não-governamental em Conacri. A dispersão geográfica dificulta o combate ao vírus. Até 400 pessoas foram identificadas como tendo potencialmente contactado o ébola na Guiné-Conacri, Serra Leoa e Libéria, disse à Reuters Tarik Jasarevic, porta-voz da Organização Mundial de Saúde. Na Libéria já morreram pelo menos quatro pessoas – outros números referem cinco – e há três casos suspeitos. Na Serra Leoa são cinco os casos suspeitos.
Marrocos anunciou, esta terça-feira, o reforço do controlo sanitário nas suas fronteiras, em particular no aeroporto de Casablanca, principal plataforma de transporte aéreo do Norte de África e da África Ocidental, com ligações diárias a Conacri. Os passageiros provenientes das zonas afectadas serão submetidos a “observação médica”, por medida de “precaução”, informou o Ministério da Saúde.
No sábado, o Senegal tinha encerrado as fronteiras com a Guiné-Conacri. Na Guiné-Bissau, que a sul faz também faz fronteira com o país mais afectado, estão a decorrer acções de sensibilização para evitar a doença. Mauritânia, Mali e Costa do Marfim reforçaram também a vigilância fronteiriça para tentar diminuir as possibilidades de contágio.
O vírus do ébola – nome de um rio que corre no Zaire, actual República Democrática do Congo, onde, tal como no Sudão, foi identificado pela primeira vez, em 1976 – pertence à família dos filovírus (assim chamados devido à sua forma filiforme quando vistos ao microscópio electrónico). Começa por provocar nas vítimas sintomas semelhantes aos da gripe: mal-estar geral, febre e dores de cabeça. A seguir surgem sintomas mais graves, como vómitos, erupções cutâneas, diarreia hemorrágica.
Duas semanas após o início da infecção, as hemorragias internas tornam-se incontroláveis, como o demonstra a perda de sangue pelos ouvidos e pelos olhos. O vírus vai literalmente dissolvendo os órgãos internos dos doentes, que acabam em geral por morrer de choque ou de paragem cardíaca. O vírus é transmissível por contacto directo entre pessoas – e principalmente através do sangue. Não há vacina preventiva.