Os livros são uma rebeldia contra a ditadura da actualidade

O livro (ou a literatura), para Gonçalo M. Tavares, é uma hipótese de nos rebelarmos contra a ditadura da actualidade. Numa biblioteca, temos a oportunidade de nos aproximar de autores e temas apesar dos séculos de distância

Foto
DR

A 4ª edição do Festival Literário da Madeira (FLM) terminou. Durante sete dias, o FLM propôs que o público aprendesse a olhar de outra forma para um “Outro” sempre diferente, apesar de tão próximo. Escritores portugueses, brasileiros e espanhóis deram o seu contributo para a aproximação de culturas e de pensamentos.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A 4ª edição do Festival Literário da Madeira (FLM) terminou. Durante sete dias, o FLM propôs que o público aprendesse a olhar de outra forma para um “Outro” sempre diferente, apesar de tão próximo. Escritores portugueses, brasileiros e espanhóis deram o seu contributo para a aproximação de culturas e de pensamentos.

A programação concentrou-se num tema denominado “Queria de ti um país” (frase de Mário Cesariny). A coerência temática foi enriquecida com participações heterogéneas e complementares.

Desde a abertura do FLM, entregue a Paula Moura Pinheiro e Irene Pimentel, até à entrevista, que encerrou o festival, de Luís Caetano a Gonçalo M. Tavares, o público participou em número muito considerável nas actividades propostas pela organização (Nova Delphi). A Literatura foi o ponto de encontro.

O livro (ou a literatura), para Gonçalo M. Tavares, é uma hipótese de nos rebelarmos contra a ditadura da actualidade. Numa biblioteca, temos a oportunidade de nos aproximar de autores e temas apesar dos séculos de distância, afirmou.

Num outro dia, João Tordo pegou nessa capacidade da literatura e afirmou escrever para se aproximar de um “Outro”. Ao exercermos a liberdade individual, disse João Tordo, temos a tendência para ver o “Outro” como uma terceira identidade. Não o vemos como parte de um “Nós”.

A preocupação com a alteridade foi transversal. Irene Pimentel apresentou uma solução simples para a crise identitária em que vivemos: substituir a competitividade pela cooperação. Essa cooperação entre hipotéticos opostos ficou patente na apresentação de “Vagina — uma nova biografia” (Nova Delphi), de Naomi Wolf, pelo Padre Anselmo Borges (prefaciador da obra). Numa apresentação tão sóbria como brilhante, Padre Anselmo Borges conseguiu demonstrar como a ciência, a história e a religião podem cooperar para elucidar.

Esse respeito pela mulher está presente em “Um habitante irreal” (Tinta-da-China), de Paulo Scott. O autor brasileiro participou em várias “conversas cruzadas”. Numa delas, começou a sua intervenção com uma frase capaz de captar a essência do FLM: “o estrangeiro está no olhar”.

A Madeira propôs a leitores e escritores que se olhassem nos olhos e mitigassem a distância separadora de mundos.

A Literatura foi o instrumento utilizado para o diálogo entre sociedade, religião, política e arte. Adriana Calcanhotto, que apresentou o seu espectáculo “Olhos de onda” no Casino da Madeira, apontou o objectivo de chegar ao outro com a sua música, ao dizer: "Se uma única pessoa, se uma única criança, for atingida pela literatura através de mim, a minha missão está cumprida.”

Esta edição pode ter sido a de consolidação de um festival com momentos de brilhantismo, polémica, humor e – principalmente- de uma grande preocupação em chegar ao “estranho e desconhecido”, calibrando o olhar para atingir a cooperação entre pensamentos. O Festival Literário da Madeira regressa em 2015 com o tema “Beleza, corpo e imagem”.