Empréstimos à Ucrânia dependem de austeridade "impopular e dura"

Fundo Monetário Internacional chegou a acordo para transferir um máximo de 18 mil milhões de dólares para Kiev, mas Governo interino tem de aplicar medidas rejeitadas pelo Presidente Viktor Ianukovich, como aumento do preço do gás.

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O primeiro-ministro interino disse que se o país fosse uma empresa já estaria na bancarrota ANATOLII STEPANOV/AFP

No meio de tantos milhões, a preocupação agora será conter a previsível ira da população, obrigada a enfrentar cortes nos rendimentos e aumentos nas despesas poucas semanas depois dos sangrentos confrontos que levaram ao afastamento do Presidente Viktor Ianukovich.

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No meio de tantos milhões, a preocupação agora será conter a previsível ira da população, obrigada a enfrentar cortes nos rendimentos e aumentos nas despesas poucas semanas depois dos sangrentos confrontos que levaram ao afastamento do Presidente Viktor Ianukovich.

O empréstimo vai abrir as portas a apoios internacionais no valor total de 28 mil milhões de dólares (ou pouco mais de 20 mil milhões de euros), que vão chegar à Ucrânia em várias tranches até 2016. Mas para ter direito a ele, o Governo interino teve de convencer o Parlamento a aprovar um violento pacote de medidas de austeridade, que o primeiro-ministro descreveu como uma factura a pagar pelas "mentiras" e pelos "desvios" da era Ianukovich.

Entre a espada das medidas de austeridade e a parede da mais do que provável bancarrota, o primeiro-ministro interino decidiu dar um passo em frente – ele que no mês passado se assumiu como líder de um Governo kamikaze.

Nesta quinta-feira, perante os deputados, Arseni Iatseniuk falou durante meia hora sobre o caos em que se encontra a economia ucraniana e o que é preciso fazer para tentar sair dele. Mas a tarefa não foi fácil, e a votação mostrou isso mesmo: as medidas de austeridade foram chumbadas pela maioria do Parlamento numa votação preliminar. Mas acabaram por ser aprovadas poucas horas depois.

Preço do gás sobe 50%
Uma das medidas com mais impacto junto da população é o aumento de 50% no preço da venda do gás ao consumidor, que é subsidiada em grande parte pelo Estado. É uma das exigências do FMI, e o primeiro-ministro diz que também não vê alternativas. Durante o seu discurso, Arseni Iatseniuk resumiu esse sentimento com uma referência aos hábitos de vida dos cidadãos: "Uma garrafa de cerveja custava oito hrivnias [50 cêntimos de euro] e depois do aumento passa a custar 8,5. Uma garrafa de vodka custava 32 hrivnias [dois euros] e vai custar 35. Se alguém tiver ideias melhores, que as transmita ao Governo. Vocês deviam beber menos e praticar mais exercício físico", cita o Kyiv Post.

Seja como for, o FMI já disse que não há volta a dar se a Ucrânia quiser receber o empréstimo que pode salvá-la da bancarrota. "O acordo alcançado com as autoridades [ucranianas] depende da aprovação do conselho executivo do FMI. Espera-se que o conselho executivo faça a sua análise em Abril, após a adopção pelas autoridades de um pacote forte e abrangente de acções com o objectivo de estabilizar a economia e criar condições para um crescimento sustentado", lê-se no comunicado publicado no site da organização, na tradicional linguagem codificada que se traduz, entre outras coisas, em aumentos de impostos e cortes de salários e pensões.

O aumento do preço do gás junto do consumidor é uma das medidas mais importantes e controversas – o valor dos subsídios do Estado ocupa 8% do Produto Interno Bruto da Ucrânia; a Rússia prepara-se para aumentar o valor da venda em cerca de 80% já a partir de Abril; e a Ucrânia ainda deve quase mil milhões de euros à gigante russa Gazprom.

Não há qualquer cenário cor-de-rosa como margem de manobra do actual Governo, afirmou o primeiro-ministro no Parlamento. Se o dinheiro do FMI, dos Estados Unidos e da União Europeia não entrar no país, a Ucrânia enfrentará uma perda de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014, e a consequente bancarrota; se o Parlamento aceitar as duras medidas de austeridade que permitirãp a entrada de dinheiro fresco, o PIB cairá apenas 3%.

"Se o país fosse uma entidade comercial, já estaríamos na bancarrota", declarou Arseni Iatseniuk, de apenas 39 anos de idade, mas velho defensor da integração da Ucrânia na União Europeia.

Mas os custos de uma política de austeridade violenta, somados ao resultado de uma das mais graves crises na Europa nas últimas décadas, deixam antever períodos ainda mais conturbados na Ucrânia, a dois meses das eleições presidenciais. O próprio primeiro-ministro fez questão de antecipar esse cenário, numa mensagem partilhada na rede social Twitter: "O Governo não permitirá a bancarrota da Ucrânia. O pacote [de austeridade] apresentado ao Parlamento é muito impopular, complexo, com reformas duras que deveriam ter sido feitas há muito tempo."

Tão impopular que a exigência do aumento do preço do gás aos consumidores – e restantes condições impostas pelo FMI – foi uma das razões que levou o Presidente Viktor Ianukovich a virar as costas à União Europeia e a assinar um acordo aduaneiro com a Rússia, em Dezembro do ano passado. No dia da assinatura do acordo com Moscovo, o deputado Volodimir Oleinik, do Partido das Regiões (então no poder), disse que o FMI estava a propor à Ucrânia "um empréstimo e uma revolução: tomem lá 15 mil milhões de dólares, aumentem as tarifas [do gás e do aquecimento] e congelem as pensões e os salários".

Para além do aumento do preço do gás e de vários impostos, o pacote anunciado nesta quinta-feira por Iatseniuk inclui também medidas de combate à corrupção e cortes nas despesas do Estado que podem recolher o apoio da população, como a venda de 95% do seu parque automóvel e de infra-estruturas públicas que eram usadas apenas por políticos. Para além disso, o Governo interino quer que os antigos Presidentes e outras figuras de topo da política ucraniana passem a pagar dos seus próprios bolsos as contas do gás e da segurança pessoal.