Mala Voadora traz “o mau quarto” de Hamlet a Lisboa

A Mala Voadora estreia esta quinta-feira, Dia Mundial do Teatro, o seu primeiro Shakespeare. Mas este Hamlet que a companhia de Jorge Andrade e José Capela vai estrear nos 450 anos do autor inglês não é, ou assim parece, o Hamlet que nos habituámos a ver.

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A peça da Mala Voadora José Carlos Duarte

“Não existe um carimbo [de Shakespeare] que diga ‘este é o Hamlet’”, começa por dizer. O que se conhece sim, e a Mala Voadora descobriu através do tradutor Fernando Villas-Boas, são três versões da peça, sendo duas delas mais pequenas – “o quarto 1” (chamado, ‘mau quarto’), o “quarto 2” –, e o “Fólio”, que se apresenta como o mais completo e que corresponde à versão publicada nas obras integrais de Shakespeare, com 20 anos de diferença sobre aquela que será a data de edição do “mau quarto”. Será esta, acredita Jorge Andrade, “a versão mais próxima da real”. 

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“Não existe um carimbo [de Shakespeare] que diga ‘este é o Hamlet’”, começa por dizer. O que se conhece sim, e a Mala Voadora descobriu através do tradutor Fernando Villas-Boas, são três versões da peça, sendo duas delas mais pequenas – “o quarto 1” (chamado, ‘mau quarto’), o “quarto 2” –, e o “Fólio”, que se apresenta como o mais completo e que corresponde à versão publicada nas obras integrais de Shakespeare, com 20 anos de diferença sobre aquela que será a data de edição do “mau quarto”. Será esta, acredita Jorge Andrade, “a versão mais próxima da real”. 

Quando Hamlet começou a ser apresentado, no início do século XVII, terão existido espectadores que “para fazer dinheiro” reescreviam o que iam ver ao teatro, explica Jorge Andrade. Lembra o tradutor Fernando Villas-Boas que, apesar da ligeireza da poesia, “não sabemos em que grau a escrita de qualquer das peças de Shakespeare que nos chegaram corresponde ao que terá acontecido em palco”. O que sabemos, no entanto, continua, é “que os textos eram constantemente moldados para as ocasiões, como o próprio Hamlet faz em cena, com o espectáculo variado que monta diante da sua corte, num caso escolhendo apenas uma cena e juntando-lhe texto seu – os tais “doze ou dezasseis versos, para a ocasião”. 

É isto que interessa a Jorge Andrade, cujo trabalho de encenação “deu aos actores a liberdade para se adaptarem a cada cena”. Mas alerta: “Não hipotecamos a cena em prol do texto.” O receio de Jorge Andrade era que este condensar da narrativa, normalmente a durar quase cinco horas, mas que aqui se apresenta em menos de duas vertiginosas horas, “tornasse a peça hermética”.

“Uma coisa que me agrada muito no Hamlet é o faz de conta. Agrada-me muito que ele [Shakespeare] faça um teatro onde existe teatro.” E é aqui que esta encenação de um texto que julgávamos conhecer se transforma, com mais ou menos as mesmas palavras, num espectáculo particular. A história que Shakespeare escreveu e que nos chegou conta-nos os planos deste príncipe da Dinamarca que, assaltado pelo fantasma do pai, prepara uma vingança contra o seu tio, Cláudio, e a própria mãe, Gertrudes. Mas o que este "mau quarto" nos oferece é uma primeira versão, como diz o tradutor Fernando Villas-Boas, “bastante mais ligeira” mas não com menos força.

A começar pela cenografia, como sempre assinada por José Capela. Com cinco telões de diferentes tamanhos é criada a ilusão de um teatro dentro do teatro e brinca-se com as perspectivas. Para a companhia essa é uma forma de prolongar o seu fascínio pelo artifício. São eles que o explicam: “Somos uma companhia de teatro fascinada com o artifício – a contranaturalidade que define aquilo que é especificamente humano e que pode atingir a condição daquilo a que, artificiosamente, se chama ‘arte’.”

Do elenco de dez actores – Anabela Almeida, Carla Bolito, Carlos António, David Cabecinha, David Pereira Bastos, João Vicente, Jorge Andrade, João Villas-Boas, Manuel Moreira e Marco Paiva – cinco desdobram-se em mais do que uma personagem e a estes “camaleões”, como lhes chama Jorge Andrade, é dada a tarefa de não nos mentirem. 


O encenador saberá o que isso é, já que em 2007 fora Rosenkrantz, um dos amigos de Hamlet e soldado do seu pai, Horácio, na encenação que João Mota estreou no Teatro Maria Matos. Hoje, no papel de encenador, Jorge Andrade ainda está a tentar “descobrir as semelhanças entre o Hamlet encenador e Jorge o encenador”.

Ao encenar o assassinato do seu pai, Hamlet constrói “uma verdade a partir da imaginação” e produz “uma encenação dentro da [sua] encenação”. Ao encenar Hamlet, Jorge Andrade aposta numa interacção com os espectadores, convidando-os a reflectir sobre o que ainda nos possa dizer uma encenação de um texto que achamos saber de cor.  
Hamlet está em cena no Teatro São Luiz, em Lisboa, até domingo 30 de Março.