Também podes ganhar, Charlie Brown
Eles têm talento — e são virais: a mulher de meia idade desajeitada, o dançarino exorcista, o gótico de voz operática, o sem-abrigo, a freira pop e o japonês de dança robótica
Charlie Brown é um rapaz melancólico e desajeitado que deseja ser um grande lançador e ajudar a sua equipa de basebol a vencer. Em cada jogo, Charlie Brown prepara-se para o grande momento em que irá apanhar a bola arremessada pelo batedor, e em cada jogo a bola atinge-o com tal violência que o deixa nu e caído no chão.
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Charlie Brown é um rapaz melancólico e desajeitado que deseja ser um grande lançador e ajudar a sua equipa de basebol a vencer. Em cada jogo, Charlie Brown prepara-se para o grande momento em que irá apanhar a bola arremessada pelo batedor, e em cada jogo a bola atinge-o com tal violência que o deixa nu e caído no chão.
Com esta simples imagem, o desenhador Charles M. Shulz, criador da banda desenhada "Peanuts", inventou uma metáfora maravilhosa para a forma como, por mais que nos preparemos para a vida, ela nos atinge com uma violência inesperada que nos deixa frágeis e atordoados.
Charlie Brown é a personagem do cromo, do azarado, do “underdog”, do perdedor, que parece talhado para falhar na vida. E, talvez por quase todos nos sentirmos perdedores, ou por o podermos ser a cada instante, é uma personagem que desperta simpatia e cumplicidade. Tal como desperta simpatia e cumplicidade o perdedor que protagoniza muitos dos vídeos virais da Internet.
A tendência parece ter começado com Susan Boyle, a mulher de meia idade desajeitada que se tornou vedeta mundial por impressionar o júri de Britain’s Got Talent. Seguiram-se outros, como Hampton Williams, o dançarino que quer exorcizar o público com os seus movimentos, Anastasia Sokolova, a dançarina ucraniana do varão, o gótico de voz operática Andrew De Leon, o sem-abrigo Sung-Bong Choi, a freira pop Cristina Scuccia, Kenichi Ebina, o japonês da dança robótica, entre muitos, muitos outros.
Nos vídeos, a narrativa repete-se: um concorrente um pouco ridículo ou bizarro que subitamente deslumbra o público com o seu talento inesperado. E é a simpatia e o conforto de ver estes concorrentes Charlie Brown triunfar que faz com os partilhemos repetidamente e os tornemos virais, pois representam a forma de acreditarmos que até os Charlie Browns do mundo têm, às vezes, hipótese de apanhar a bola que a vida lhes atira.
Só que, ao mesmo tempo, estes vídeos parecem dizer que para o nosso valor ser reconhecido basta aparecer na televisão, ir a um concurso de talentos, contar a nossa história, fazer o mundo gostar de nós, e tudo ficará bem. Dizem que o erro de Charlie Brown foi o de ter guardado a sua tristeza no seu quarto até à próxima tentativa inglória de apanhar a bola, em vez de ter ido tentar apanhá-la a um qualquer concurso de televisão para deixar que o mundo o conhecesse e lhe resolvesse todos os seus problemas. Dizem-nos, por isso, que acabou o tempo do sofrimento íntimo e que não há problema que não se resolva com um bocadinho de exposição pública, um bocadinho de maquilhagem, e muitos, muitos holofotes ligados.