É quase isso: aposto que até o Picasso
Fazer desenhos estúpidos nos cadernos dos colegas já foi uma arte, mas pode ter-se perdido: os miúdos andam demasiado ocupados, a baterem nos professores e a filmarem tudo o que se passa, para colocarem no YouTube
Nos tempos da escola, havia uma luta que não envolvia socos e pontapés. Que não envolvia, de resto, qualquer tipo de força física. Era algo que requeria ser um pouco James Bond (sem as miúdas giras) e Salvador Dalí (sem o bigode), com uns toques de humorista (sendo que a piada ficava para o próprio).
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Nos tempos da escola, havia uma luta que não envolvia socos e pontapés. Que não envolvia, de resto, qualquer tipo de força física. Era algo que requeria ser um pouco James Bond (sem as miúdas giras) e Salvador Dalí (sem o bigode), com uns toques de humorista (sendo que a piada ficava para o próprio).
Falo de fazer desenhos, na maior parte das vezes obscenos, nos cadernos dos colegas, quando eles se distraíam. Era uma arte e confesso que pode ter-se perdido, tão ocupados que andam os miúdos, a baterem nos professores e a filmarem tudo o que se passa, para colocarem no YouTube.
Desenhar no caderno do colega (ou no livro, o que era mais condenável), era como deixar um bandeira na Lua ou no Evereste, era marcar território (sem urinar em todo o lado), era deixar marca (sem chapada).
Era uma partida leal, uma vez que o colega acabaria por notar que tinha um pénis desenhado, junto à resolução de uma equação. Não era como colocar um papel nas costas, a dizer “Eu sou estúpido e adorava que me pontapeassem com força, dados que considero pertinentes e que resolvi partilhar através de um papel meticulosamente colado nas costas”. Isso era desleal. Embora extremamente divertido.
Este tipo de desenho podia ser feito de duas formas, quanto à percepção: o colega não se apercebia de que estávamos a vandalizar o seu caderno (forma mais “cool”), ou tinha a perfeita noção do que se estava a passar (forma mais foleira). Se ele se apercebesse, tínhamos de ser muito rápidos, mas como os desenhos andavam sempre à volta de todo o tipo de obscenidades e impropérios genéricos, já tínhamos muita prática a desenhar aquelas figuras.
Chuck Norris, por seu lado, não se preocupava com isso, na sua infância (a confirmar-se que, algum dia, ele tenha sido criança), uma vez que os colegas de turma faziam fila para que ele desenhasse nos seus cadernos.
Também havia duas formas de desenhar nos cadernos dos outros, no que respeitava ao estilo: se o colega estivesse a olhar, éramos um Jackson Pollock, se estivesse distraído, éramos um Salvador Dalí.
Pablo Picasso, com esta prática, terá feito de todos os seus colegas de turma verdadeiros críticos de arte. Todos menos um: aquele em cujo caderno Picasso desenhava nunca deixou de ser gozado. Primeiro, na escola, depois, por todos que tentou convencer de que aqueles desenhos eram do famoso pintor espanhol.
“Estou mesmo a ver o Picasso a desenhar uma pila no teu caderno!”, disseram muitos.
Os desenhos feitos nos cadernos dos colegas também poderiam ser utilizados pelos psicólogos para estudarem as crianças. Fernando Mendes desenhava frequentemente presuntos, o que indiciava que ele viria a apresentar o “Preço Certo”; Manuel Luís Goucha fazia desenhos bastante coloridos, o que poderia explicar os casacos que ele costuma usar.
Chuck Norris desenhava, frequentemente, pessoas a correr, que era o que ele mais via, de cada vez que chegava a algum lugar.
Se fosse possível, deixaria um espaço em branco, no final deste texto, para que os leitores, consoante a pouca ou pouquíssima satisfação com este texto, pudessem fazer os seus desenhos. Por outras palavras, javardar esta página. Sem eu saber.