Europa disposta a dar “um murro” à Rússia que pode doer a todos
Bruxelas avançou com um novo pacote de sanções contra Moscovo mas voltou a não atacar os oligarcas próximos de Putin
A frase, proferida durante o jantar de trabalho dos chefes de Estado e de Governo da UE, na noite de quinta-feira, em Bruxelas, não se reflectiu nas decisões tomadas durante a reunião, que se arrastou até às primeiras horas de sexta-feira, mas a mensagem é clara: se a UE quiser realmente apertar a Rússia, tem de se preparar para ficar também com algumas nódoas negras.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A frase, proferida durante o jantar de trabalho dos chefes de Estado e de Governo da UE, na noite de quinta-feira, em Bruxelas, não se reflectiu nas decisões tomadas durante a reunião, que se arrastou até às primeiras horas de sexta-feira, mas a mensagem é clara: se a UE quiser realmente apertar a Rússia, tem de se preparar para ficar também com algumas nódoas negras.
O resultado dessas cautelas, motivadas pelos vários níveis de dependência do gás russo, por exemplo, ficou plasmado no documento final sobre a resposta a dar a Moscovo na sequência da integração do território da Crimeia na Federação Russa. Cinco dias depois de terem publicado uma lista com 21 nomes de responsáveis políticos russos e ucranianos, que a UE considera terem sido decisivos para o desenvolvimento do conflito, os líderes europeus decidiram na sexta-feira alargar o círculo de sanções individuais a mais 12 pessoas, elevando o total para 33.
Sem consenso para discutirem a aplicação de sanções a alguns dos mais destacados empresários da Rússia, os chefes de Estado e de Governo da UE voltaram a marcar políticos e militares próximos do Presidente Vladimir Putin, com destaque para o vice-primeiro-ministro, Dmitri Rogozin, cujo nome já constava da lista que os Estados Unidos anunciaram no início da semana.
Tal como tinha feito no dia em que recebeu a notícia de que estava proibido de viajar para os Estados Unidos, Rogozin foi para o Twitter comentar as sanções de que acabara de ser alvo por parte da União Europeia. Se, na segunda-feira, o vice-primeiro-ministo russo perguntou ao Presidente norte-americano, Barack Obama, o que iria ele fazer aos que “não têm contas nem bens no estrangeiro”, nesta sexta-feira optou por um comentário sem ironia, mas carregado de fervor patriótico: “Estas sanções não valem um grão de areia do território da Crimeia que regressou à Rússia.”
Para além de Dmitri Rogozin, o congelamento de bens e a proibição de entrar em países da União Europeia foram também alargados aos líderes das duas câmaras do Parlamento russo, Valentina Matvienko e Sergei Narichkin. De fora ficou Sergei Ivanov, antigo ministro da Defesa e actual chefe do gabinete presidencial de Vladimir Putin, que não teve a mesma sorte no momento em que os Estados Unidos decidiram alargar a sua própria lista, na quinta-feira.
Mais importante do que saber quem pode continuar a viajar para os Estados Unidos ou para os países da União Europeia, foi a decisão dos líderes europeus de se comprometerem a aprovar sanções económicas com “consequências abrangentes”, à semelhança do que foi anunciado também pelo Presidente dos Estados Unidos.
“Deixámos claro que um eventual falhanço em resolver a crise de forma pacífica, e quaisquer passos da Rússia para desestabilizar a Ucrânia terão consequências de longo alcance. E, quando dizemos isto, estamos a falar de consequências nas relações num vasto leque de áreas económicas”, disse o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy.
Na conferência de imprensa conjunta com o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, no final da reunião do primeiro dia da cimeira de chefes de Estado e de Governo da UE, Rompuy avançou que essas sanções poderão vir a passar pelo embargo da venda de armas à Rússia.
Outra das medidas com efeitos imediatos acordada pelos líderes europeus foi o cancelamento da cimeira UE-Rússia (marcada para Junho, também na Rússia, em S. Petersburgo) e das reuniões bilaterais entre os governos dos vários Estados-membros e o governo de Moscovo.
As divisões no seio da UE quanto à dureza das sanções a aplicar à Rússia têm sido contrabalançadas em público com o tom cada vez mais assertivo da Alemanha. A chanceler Angela Merkel, que até há poucas semanas demonstrara alguma cautela sempre que se pronunciava sobre a resposta a dar ao conflito na Crimeia, assumiu o volante da UE nos avisos à Rússia, ainda que o sector empresarial do seu país manifeste todos os dias receios sobre a eventual aplicação de sanções económicas duras, devido às fortes ligações comerciais entre os dois países.
Antes de partir para Bruxelas, Merkel passou pelo Parlamento alemão, onde declarou que os líderes europeus devem “assumir consequências para as relações políticas entre a UE e a Rússia e para as relações entre o G7 e a Rússia”. Por isso, a existência de um grupo dos países mais desenvolvidos do mundo que inclua a Rússia deixou de fazer sentido, frisou Angela Merkel: “O G8 já não existe, nem a cimeira, nem o seu formato”, disse a chanceler alemã, referindo-se ao cancelamento da reunião anual do grupo, que estava marcada para Junho, na cidade russa de Sochi.
Também o primeiro-ministro britânico, David Cameron, tem surgido como uma das vozes defensoras do endurecimento das sanções à Rússia. “Tem sido um trabalho duro, mas temos feito progressos reais", afirmou Cameron, frisando que os líderes europeus têm de deixar “uma mensagem clara, forte e consistente".
Tal como o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, admitiu na quinta-feira, quando disse que uma eventual “fase três” das sanções a aplicar à Rússia “pode também ser disruptiva para a economia global”, os Estados-membros da UE sabem que o endurecimento da resposta poderá ter algumas consequências.
“A Rússia pode perder imenso com isto. Eles são muito mais dependentes da economia europeia do que nós da deles”, disse à BBC o analista Paul Ivan, do think tank European Policy Centre, com sede em Bruxelas. “Mas as economias estão interligadas, por isso, não há dúvidas de que as economias também seriam afectadas”, salientou Paul Ivan. Elizabeth Stephens, responsável do grupo Jardine Lloyd Thompson, sublinhou que “as instituições europeias iriam ser atingidas numa altura em que os bancos europeus ainda estão frágeis”.
Mas pelo menos nos discursos, vários líderes europeus parecem estar dispostos a pagar o preço, a julgar pelas palavras do Presidente francês, François Hollande, durante a reunião da noite de quinta para sexta-feira em Bruxelas: “Para que as sanções sejam eficazes, têm de doer a quem elas se dirigem e a quem as impõe.”