Erros Manifestos
Basta algum, mesmo que ténue, crescimento económico, conjugado com contas públicas equilibradas, para a dívida entrar em trajectória sustentável.
Basicamente, os 148 signatários consideram a dívida impagável e pedem que se enfrente essa realidade de imediato. Havendo cada vez mais gente que assim pensa, penso que este é um debate que vale a pena travar. Se o que neles fosse pedido tivesse sido simplesmente renegociar com a troika, exigindo, por exemplo, as mesmas condições que a Irlanda, banais e consensuais seriam os manifestos e não a pedrada no charco que pretendem ser: o actual governo já renegociou as condições do empréstimo da troika e espera-se que os próximos o continuem a fazer. Para que o debate sobre os manifestos seja relevante, é necessário que se tome em devida conta que a dívida detida pelos privados deverá ser reestruturada também.
Qualquer que seja o eufemismo escolhido ? renegociação honrada, perdão de juros, perdão de dívida, alargamento das maturidades, períodos de carência de juros, etc. ? manda a honestidade intelectual que se diga que uma reestruturação da dívida implica sempre perdas de capital para os detentores dos títulos de dívida. Quem suporta essas perdas? Há uns anos, ameaçar com o incumprimento da dívida seria, também, ameaçar bancos estrangeiros. Hoje, o que devemos à troika é cerca de 40% da nossa dívida e, dos restantes 60%, a maioria está em bancos portugueses. Nós somos os nossos próprios credores. Podemos ameaçar que somos nós os principais ameaçados.
Uma reestruturação a sério da dívida teria dois riscos imediatos. O primeiro risco seria o de continuarmos com uma dívida elevadíssima, possivelmente na casa dos 100% do PIB, ao mesmo tempo que disparavam as taxas de juro, o que em vez de aliviar os encargos da dívida os aumentaria. O segundo seria uma série de perdas nos bancos portugueses, pondo em causa a frágil estabilidade do sector bancário. Se, em consequência desta reestruturação, o Banco Central Europeu deixasse de aceitar dívida pública portuguesa como colateral, veríamos a banca comercial a ir à falência. Para minimizar os efeitos deste desastre, o Estado teria de nacionalizar vários bancos. Em vez de um buraco no BPN, ficaríamos com uma cratera.
Quando confrontados com estes riscos, os signatários argumentam que não há outras opções. A verdade é que há, a melhor opção é o Estado obter, numa primeira fase, saldos orçamentais primários positivos e, numa segunda fase, saldos orçamentais nulos. Juntando a isto algum crescimento económico e alguma inflação, mesmo que ténues, o nosso rácio de dívida pública entrará em rota descendente e sustentável. Queixam-se os signatários de que se assim fizermos estaremos condenados a viver com políticas orçamentais contraccionistas para os próximos 30 anos. Não é verdade. Tal como um défice não tem efeitos expansionistas ? é o aumento do défice que tem efeitos expansionistas ?, contas equilibradas também não têm efeitos contraccionistas. A dificuldade está na transição, enquanto se reduz o défice. Podia esta transição ter sido feita com menos sacrifícios? Poderiam os próximos anos ser mais suaves do que provavelmente serão? Com certeza. Um acordo de longo longo-prazo que fixasse a despesa pública teria permitido um ajustamento mais suave. Mas, uma vez obtido o equilíbrio orçamental, o pior fica para trás. Além disso, a longo prazo, finanças públicas sãs são benéficas e não prejudiciais. É verdade que com uma dívida pública tão elevada como a que temos, estaremos sujeitos aos humores dos mercados. Mas, enquanto o incumprimento não for inevitável, devemos evitá-lo. Os riscos são simplesmente demasiado elevados.
Em conclusão, basta algum, mesmo que ténue, crescimento económico, conjugado com contas equilibradas, para a dívida entrar em trajectória sustentável. São as contas são fáceis de fazer. Porque é que ilustres académicos, como Francisco Louçã, Paulo Trigo Pereira ou Mauro Gallegati, não concordam com elas? O motivo, parece-me, está associado ao Tratado Orçamental, que exige que, em 2035, a dívida pública seja de 60% do PIB. Como a dívida actual é muitíssimo superior, essa meta é difícil de atingir. Todavia, mesmo que se venha a revelar impossível chegar aos 60% dentro de 21 anos, é muito mais razoável aproveitar as próximas duas décadas para renegociar essa meta, do que enfrentar já a potencial catástrofe de uma reestruturação malfeita.
Professor de Economia na Universidade do Minho
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Basicamente, os 148 signatários consideram a dívida impagável e pedem que se enfrente essa realidade de imediato. Havendo cada vez mais gente que assim pensa, penso que este é um debate que vale a pena travar. Se o que neles fosse pedido tivesse sido simplesmente renegociar com a troika, exigindo, por exemplo, as mesmas condições que a Irlanda, banais e consensuais seriam os manifestos e não a pedrada no charco que pretendem ser: o actual governo já renegociou as condições do empréstimo da troika e espera-se que os próximos o continuem a fazer. Para que o debate sobre os manifestos seja relevante, é necessário que se tome em devida conta que a dívida detida pelos privados deverá ser reestruturada também.
Qualquer que seja o eufemismo escolhido ? renegociação honrada, perdão de juros, perdão de dívida, alargamento das maturidades, períodos de carência de juros, etc. ? manda a honestidade intelectual que se diga que uma reestruturação da dívida implica sempre perdas de capital para os detentores dos títulos de dívida. Quem suporta essas perdas? Há uns anos, ameaçar com o incumprimento da dívida seria, também, ameaçar bancos estrangeiros. Hoje, o que devemos à troika é cerca de 40% da nossa dívida e, dos restantes 60%, a maioria está em bancos portugueses. Nós somos os nossos próprios credores. Podemos ameaçar que somos nós os principais ameaçados.
Uma reestruturação a sério da dívida teria dois riscos imediatos. O primeiro risco seria o de continuarmos com uma dívida elevadíssima, possivelmente na casa dos 100% do PIB, ao mesmo tempo que disparavam as taxas de juro, o que em vez de aliviar os encargos da dívida os aumentaria. O segundo seria uma série de perdas nos bancos portugueses, pondo em causa a frágil estabilidade do sector bancário. Se, em consequência desta reestruturação, o Banco Central Europeu deixasse de aceitar dívida pública portuguesa como colateral, veríamos a banca comercial a ir à falência. Para minimizar os efeitos deste desastre, o Estado teria de nacionalizar vários bancos. Em vez de um buraco no BPN, ficaríamos com uma cratera.
Quando confrontados com estes riscos, os signatários argumentam que não há outras opções. A verdade é que há, a melhor opção é o Estado obter, numa primeira fase, saldos orçamentais primários positivos e, numa segunda fase, saldos orçamentais nulos. Juntando a isto algum crescimento económico e alguma inflação, mesmo que ténues, o nosso rácio de dívida pública entrará em rota descendente e sustentável. Queixam-se os signatários de que se assim fizermos estaremos condenados a viver com políticas orçamentais contraccionistas para os próximos 30 anos. Não é verdade. Tal como um défice não tem efeitos expansionistas ? é o aumento do défice que tem efeitos expansionistas ?, contas equilibradas também não têm efeitos contraccionistas. A dificuldade está na transição, enquanto se reduz o défice. Podia esta transição ter sido feita com menos sacrifícios? Poderiam os próximos anos ser mais suaves do que provavelmente serão? Com certeza. Um acordo de longo longo-prazo que fixasse a despesa pública teria permitido um ajustamento mais suave. Mas, uma vez obtido o equilíbrio orçamental, o pior fica para trás. Além disso, a longo prazo, finanças públicas sãs são benéficas e não prejudiciais. É verdade que com uma dívida pública tão elevada como a que temos, estaremos sujeitos aos humores dos mercados. Mas, enquanto o incumprimento não for inevitável, devemos evitá-lo. Os riscos são simplesmente demasiado elevados.
Em conclusão, basta algum, mesmo que ténue, crescimento económico, conjugado com contas equilibradas, para a dívida entrar em trajectória sustentável. São as contas são fáceis de fazer. Porque é que ilustres académicos, como Francisco Louçã, Paulo Trigo Pereira ou Mauro Gallegati, não concordam com elas? O motivo, parece-me, está associado ao Tratado Orçamental, que exige que, em 2035, a dívida pública seja de 60% do PIB. Como a dívida actual é muitíssimo superior, essa meta é difícil de atingir. Todavia, mesmo que se venha a revelar impossível chegar aos 60% dentro de 21 anos, é muito mais razoável aproveitar as próximas duas décadas para renegociar essa meta, do que enfrentar já a potencial catástrofe de uma reestruturação malfeita.
Professor de Economia na Universidade do Minho