Família portuguesa em Inglaterra ficou sem os cinco filhos por “risco futuro de dano emocional”
Dois dos cinco filhos de Carla e José Pedro foram colocados para adopção em Inglaterra, onde o casal português vive desde 2003. Os outros três estão em famílias de acolhimento até aos 21 anos. Casos como este são frequentes no Reino Unido e foram objectos de análise na Comissão das Petições do Parlamento Europeu.
Vivem em Grantham e no processo em tribunal que os pôs frente a frente com os Serviços Sociais de Lincolnshire, o juiz do Tribunal de Família decretou que os três filhos mais velhos – de sete, 12 e 14 anos – ficavam em famílias de acolhimento até aos 21 anos. Os dois mais pequenos – de 3 e 5 anos – foram colocados para adopção.
A vida não era fácil para esta família a viver sob o permanente sobressalto de actos violentos do filho mais velho, que tem um atraso mental e uma hiperactividade tratada quando viviam em Portugal. Nesse dia 23 de Abril, o rapaz queixou-se à assistente social que o acompanha na escola de que o pai lhe tinha batido. A funcionária ligou para os serviços sociais e no mesmo dia as crianças foram levadas de casa.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Vivem em Grantham e no processo em tribunal que os pôs frente a frente com os Serviços Sociais de Lincolnshire, o juiz do Tribunal de Família decretou que os três filhos mais velhos – de sete, 12 e 14 anos – ficavam em famílias de acolhimento até aos 21 anos. Os dois mais pequenos – de 3 e 5 anos – foram colocados para adopção.
A vida não era fácil para esta família a viver sob o permanente sobressalto de actos violentos do filho mais velho, que tem um atraso mental e uma hiperactividade tratada quando viviam em Portugal. Nesse dia 23 de Abril, o rapaz queixou-se à assistente social que o acompanha na escola de que o pai lhe tinha batido. A funcionária ligou para os serviços sociais e no mesmo dia as crianças foram levadas de casa.
Para Carla e José Pedro, tudo mudou naquele dia 23 de Abril, quando elementos da polícia e dos serviços sociais bateram à porta, já passava das cinco da tarde. Não tinham nenhuma ordem do tribunal. Forçaram a entrada e, sem aviso, levaram-lhes os cinco filhos. Disseram que seria por 72 horas.
As 72 horas passaram e não voltaram. Os papéis deram entrada no Tribunal de Família em Maio. Os advogados abandonaram o caso a meio e o casal não teve direito a apresentar testemunhas. O processo, como todos os processo no Tribunal de Família, decorreu à porta fechada. E terminou em Dezembro de 2013, com a juiza a decretar a retirada dos cinco filhos e a apresentar como prova a queixa do miúdo, que ele mesmo depois retirou em várias cartas aos serviços sociais, diz a mãe.
“A polícia disse que tinha poderes”, conta ao PÚBLICO por telefone Carla Pedro que, na altura, perguntou se traziam uma ordem do tribunal e, hoje, só é autorizada a estar com os filhos uma vez de dois em dois meses. Em cada encontro, “eles choram, dizem que querem voltar para casa”. Em cada encontro, a mãe diz-lhes para terem calma. Não vivem todos na mesma família de acolhimento. E os serviços sociais juntam todos na mesma reunião de família. Podem ver-se, abraçar – e tudo isso em menos de uma hora. É assim desde que as crianças foram retiradas aos pais por “risco futuro de danos emocionais”.
“Bater nas crianças não é permitido no Reino Unido, mas nós nunca lhes batemos. Castigamos”, continua Carla Pedro. "Seja como for, o meu filho disse mais tarde que tinha mentido quando acusou o pai de lhe ter batido." Dias antes da queixa que o rapaz fez do pai, a mãe tinha-o posto de castigo por vários dias, depois de receber um telefonema do director a apontar, mais uma vez, o seu mau comportamento.
O rapaz mais velho, de 14 anos, e a menina de sete anos, estão em duas famílias separadas de acolhimento na mesma cidade costeira de Skegeness. A rapariga mais velha, de 12 anos, está numa família de acolhimento em Stanford com os dois mais pequeninos, colocados para adopção.
Além do medo de os perder para sempre, Carla Pedro vive assombrada por outros terrores – alimentados pelas histórias que ouve de abusos frequentes em famílias de acolhimento e pelo manifesto desespero da sua filha mais velha, que diz à mãe que se mata se perder os dois irmãos. "Tenho medo por ela. Há crianças, nestas situações, que se matam. E ela está a ir-se muito abaixo ao ver os irmãos nesta situação. Ela era uma aluna brilhante, que se está a perder, até na escola.” E acrescenta. “Quero tirar os meus filhos das famílias de acolhimento antes que algum mal lhes aconteça."
Discussão em Bruxelas
O caso de Carla, 37 anos, e de José, 43 anos, é um entre milhares no Reino Unido, onde a adopção sem consentimento dos pais é permitido e um caso que deve ser investigado, segundo Sabine Kurjo McNeill. Acontece a britânicos, diz a activista numa entrevista por telefone, mas os estrangeiros e pessoas das classes mais baixas são as mais atingidas.
Em nome da Associação McKenzie Friends, Sabine Kurjo McNeill levou nesta quarta-feira à Comissão das Petições do Parlamento Europeu, em Bruxelas, uma petição e pedir o fim da adopção sem consentimento dos pais ou de “adopção forçada”, como diz. A sua foi uma entre outras apresentadas a título individual.
As petições são admitidas para análise neste orgão quando se suspeita de violação da legislação europeia, explicou ao PÚBLICO o gabinete de imprensa do Parlamento Europeu. A Comissão Europeia tem a última palavra e os seus representantes na sessão de quarta-feira da Comissão das Petições disseram que este tema não era da competência europeia, aconselhando os queixosos a resolverem os casos nos tribunais do Reino Unido. Sob pressão de parlamentares europeus, porém, estas petições continuam abertas e uma posterior sessão será analisada para depois das eleições europeias.
Numa intervenção emocionada, que pode ser vista na página do Parlamento Europeu, Sabine Kurjo McNeill exortou a Comissão Europeia a pedir que estes casos – como os de Carla e José Pedro – sejam investigados, porque no Reino Unido, acusa, chega a haver manipulação de provas para incriminar os pais.
Mas qual o interesse? Por cada adopção, as autoridades locais recebem um bónus financeiro do Governo, explica Sabine Kurjo McNeill, que acredita que a retirada das crianças das famílias “sem regras” não é alheia a esses benefícios. E denuncia: “Os serviços sociais estão acima da lei. A polícia está acima da lei.” Di-lo a propósito da maneira como as crianças são retiradas às famílias, sem qualquer ordem do tribunal, mas também da forma como o Tribunal de Família funciona no Reino Unido – à porta fechada e em total segredo e, muitas vezes, sem que os pais possam apresentar testemunhas.
“Não tivemos direito a testemunhas”, conta Carla Pedro. A portuguesa que, durante os primeiros anos em Inglaterra, trabalhou no sector fabril, e mais tarde deixou de trabalhar, diz que as famílias de acolhimento recebem até 500 libras (cerca de 600 euros) por semana e por criança. Além disso, diz que o Estado recebe entre 10 mil (cerca de 12 mil euros) e 25 mil libras (cerca de 30 mil euros) de uma família que fique com uma criança para adopção.
Sobre isto, o PÚBLICO contactou o gabinete de imprensa dos serviços sociais da Câmara Municipal da cidade de Lincoln, a quem também pediu informações sobre o processo que levou à retirada das crianças, mas não obteve ainda qualquer resposta. Também aguarda respostas do funcionário da Embaixada de Portugal que, nos contactos que teve com Carla e Pedro José, disse, há vários meses, que tomaria o assunto em mãos.
Ao Consulado, o casal pediu ajuda jurídica para o julgamento, mas não a recebeu. Agora, mais do que esperança num recurso (que ainda conta apresentar, assim que tiver ajuda jurídica para preencher “sem um único erro”), o casal de Almeirim acredita que o caso pode resolver-se fora de Inglaterra. E espera que o Estado português possa transferir o caso para Portugal, onde o casal poderia lutar pelos filhos, no quadro da justiça portuguesa.