Antes cabras que aviões

Inteligente é sermos capazes de gerir o fogo e não precisar dos melhores meios possíveis para o tentar combater.

Li que tenciona gastar 27 milhões de euros em cada um dos aviões para os fogos.

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Li que tenciona gastar 27 milhões de euros em cada um dos aviões para os fogos.

Tenho uma proposta para lhe fazer: entregue-me os 27 milhões que custa um Canadair e deixe-me geri-los, absolutamente pro bono.

Explico-lhe o que farei com eles. Faço um concurso para projectos que tenham as seguintes características:

1) Terem uma área geográfica definida; 2) Usarem, de forma integrada, fogo, cabras e sapadores para gerirem o mato; 3) As mesmas pessoas responsáveis por gerir o mato serão responsáveis pelo combate nessa área geográfica (usando ferramentas com cabos de pau e pinga-lume, como alguém dizia um dia destes, judiciosamente).

Os projectos poderiam ser de proprietários, associações de proprietários, ONG, associações de bombeiros, qualquer pessoa ou instituição, excluindo o Estado e qualquer associação em que o Estado tivesse mais de 15% do capital.

Da experiência que tenho por gerir um projecto que tem algumas semelhanças com o descrito (financiado, veja lá, com o Fundo EDP de Biodiversidade, porque o Fundo Florestal Permanente é gerido como sabe), eu diria que tipicamente um financiamento de 500 mil euros seria suficiente para financiar cinco anos a gestão de qualquer coisa como 2500 a cerca de 5000 hectares, incluindo um rebanho de 200 cabras e apoio técnico, em especial para o uso do fogo, quer na prevenção, quer no combate.

O seu Canadair financiaria cerca de 50 projectos, ou seja, a gestão e combate em 100 a 200 mil hectares. Não ficaria o problema dos fogos resolvido, isso é certo, mas também não fica com o Canadair.

E repare na diferença. O Canadair é importado, as cabras são de fabrico nacional. O Canadair usa combustíveis fósseis, as cabras são recursos renováveis. O Canadair cria custos de manutenção, as cabras criam cabritos. O Canadair não altera os dados do problema, as cabras estrumam o solo e aumentam a produtividade. E, last but not the least, no fim do seu tempo de vida útil o Canadair dá ainda despesa para o seu desmantelamento e tratamento dos resíduos e as cabras dão chanfanas.

Não falo sequer na diferença de criação de emprego, não falo da presença de gente no território, não falo da diferença no equilíbrio territorial, não falo da transferência de recursos entre o litoral e o interior.

E não falo da sustentabilidade futura: o Canadair não cria riqueza e vai ser preciso de novo gastar mais 27 milhões qualquer dia, as cabras reproduzem-se e criam oportunidades de negócio incríveis, como pode imaginar, por exemplo, pensando na grande distribuição a fazer promoções de cabrito como forma de apoiar o esforço colectivo de gestão do fogo.

Pense nisto, senhor ministro, porque talvez estejamos de acordo num ponto essencial: inteligente, inteligente é sermos capazes de gerir o fogo e não precisar dos melhores meios possíveis para o tentar combater.

Até porque o fogo teima em se rir dos Canadair e outras sofisticações tecnológicas, continuando só a obedecer a quem o combate com os pés no chão, com as mãos em cabos de madeira e com uma cabeça fria que saiba usar o fogo contra o fogo.