O nariz humano distingue, no mínimo, um milhão de milhões de odores

Há décadas que se diz – sem qualquer prova concreta – que os humanos só conseguem discriminar uns 10.000 cheiros. O número real é esmagadoramente maior, conclui agora um estudo norte-americano.

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A espectacular sensibilidade do faro humano tem sido descurada Rui Gaudêncio

A título comparativo, os nossos olhos conseguem distinguir vários milhões de cores diferentes e os nossos ouvidos cerca de meio milhão de sons diferentes. Porém, ao passo que estes dois valores se baseiam em resultados experimentais, a estimativa do número de cheiros discrimináveis pelo nariz humano, que data dos anos 1920, é de cerca de 10.000 e a sua validade nunca tinha sido testada.

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A título comparativo, os nossos olhos conseguem distinguir vários milhões de cores diferentes e os nossos ouvidos cerca de meio milhão de sons diferentes. Porém, ao passo que estes dois valores se baseiam em resultados experimentais, a estimativa do número de cheiros discrimináveis pelo nariz humano, que data dos anos 1920, é de cerca de 10.000 e a sua validade nunca tinha sido testada.

“Objectivamente, toda a gente devia ter sabido que esse valor estava forçosamente errado”, diz Leslie Vosshall, conhecida especialista do olfacto da Universidade de Rockefeller, nos EUA, em comunicado do Instituto Médico Howard Hughes (ao qual está associada). “Para já, não fazia sentido que os seres humanos fossem capazes de diferenciar um número tão mais diminuto de cheiros do que de cores”, explica ainda a investigadora, uma vez que o olho humano consegue ver até dez milhões de cores com apenas três tipos de células receptoras na retina, enquanto o nariz humano médio possui uns 400 receptores olfactivos diferentes.

Por alguma razão, considerámo-nos sempre como tendo um faro pouco desenvolvido em relação aos animais. Talvez seja por isso que, como diz ainda Vosshall, “ninguém se tinha dado ao trabalho de testar a sua capacidade”.

Para estimar a nossa resolução olfactiva, estes cientistas construíram fragrâncias artificiais combinando, de forma uniforme e aleatória, 128 componentes odoríferos diferentes – entre os quais cheiros que evocam ervas, citrinos ou ainda diversas substâncias químicas – em misturas de dez, 20 ou 30 componentes.

Mas como os números de combinações possíveis eram gigantescos, decidiram testar apenas uma série de misturas diferentes e ver até que ponto voluntários humanos seriam capazes de as distinguir entre si, para depois extrapolar os resultados.

Nesse sentido, pediram a 26 participantes para realizar 264 comparações de cocktails de cheiros. Mais precisamente, apresentaram a cada um três frasquinhos – dois com a mesma fragrância e o terceiro com outra –, pedindo-lhes para identificar aquele que continha a mistura diferente.

Constataram então que, embora o desempenho individual fosse muito variável, em média os voluntários conseguiam distinguir duas misturas, desde que não tivessem mais de 51% dos seus componentes odoríferos em comum. A partir desse limite, quanto maior fosse o número de componentes comuns às duas misturas apresentadas, maior era a dificuldade de distinguir os seus cheiros. Diga-se, contudo, que alguns dos participantes ainda conseguiam fazer a diferença entre duas misturas com 90% de componentes em comum!

A partir destes resultados, os cientistas calcularam o número mínimo de cheiros diferentes que o nariz humano teria de ser capaz de distinguir para isso ser compatível com a experiência. E obtiveram então a estimativa já referida: da ordem de um milhão de milhões.

“Acho que todos ficámos surpreendidos com este valor ridiculamente elevado, mas que é, no entanto, a estimativa mais conservadora possível”, faz notar Vosshall. “De facto, como existem muito mais do que 128 fragrâncias no mundo, o número real deve ser muito, mas muito maior ainda.” E acrescenta esperar que o estudo “venha acabar de vez com a terrível reputação do faro dos humanos”.

“Interessante agora vai ser descobrir se as misturas começam a tornar-se indistinguíveis quando têm ainda mais componentes – por exemplo 100 ou 200”, disse ao PÚBLICO Andreas Keller, também da Universidade Rockefeller e que co-liderou o estudo. “Se assim for, então podemos começar a especular sobre o valor do número máximo que conseguimos discriminar. Por enquanto, só temos o valor mínimo.”

Segundo especula ainda Keller em comunicado da sua universidade, os nossos antepassados apreciavam muito mais do que nós o sentido da olfacção. Só que pelo facto de nos tornarmos bípedes, com o nosso nariz literalmente afastado do chão (a fonte da maior parte dos odores) – e, mais recentemente, devido ao advento dos frigoríficos e dos duches quotidianos, os cheiros do nosso mundo têm vindo a restringir-se. “Isso poderá explicar a nossa ideia de que o olfacto não é importante, comparado com a visão e a audição”, frisa o cientista.

“Gosto de pensar que ainda hoje o olfacto nos é incrivelmente útil, porque o mundo está sempre a mudar, com as plantas e os fabricantes de perfumes a desenvolver novos cheiros”, diz por seu lado Vosshall. “E também pode acontecer que visitemos algum sítio do mundo onde crescem frutas, legumes e flores que nunca tínhamos cheirado.” E conclui: “O nosso nariz está pronto para isso; com um sistema sensorial tão complexo, estamos claramente preparados para tudo.”