Das cinzas da guerra germinam sementes de paz
A Serra Leoa costumava ser sinónimo de brutalidade. A guerra selvagem de uma década foi marcada por atrocidades cometidas contra a população civil.
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A Serra Leoa costumava ser sinónimo de brutalidade. A guerra selvagem de uma década foi marcada por atrocidades cometidas contra a população civil.
Levado à acção pelo choque, o mundo reagiu apoiando uma série de missões de paz e missões políticas das Nações Unidas. No processo, a comunidade internacional abriu o caminho para avanços que têm eco muito para além da Serra Leoa nos próximos anos.
Temos de dar o devido crédito a quem o merece: a paz que eu testemunhei na cerimónia de encerramento em Freetown este mês é antes de mais uma conquista do povo da Serra Leoa, que mostrou enorme vontade de se curar e reconstruir o seu país. A ONU orgulha-se de os ter apoiado – e agradecemos terem demonstrado que o nosso trabalho tem valor.
A Serra Leoa assistiu a muitas "estreias" da ONU, a primeira operação de paz da ONU multidimensional com componente política, de segurança, e com mandatos de coordenação humanitária e de recuperação nacional. A Comissão de Consolidação da Paz das Nações Unidas fez sua primeira visita à Serra Leoa. A nossa missão final ao país foi chefiada pelo primeiro alto funcionário da ONU à frente de uma presença unificada com as dimensões política e de desenvolvimento.
As Nações Unidas orgulham-se de ter ajudado a montar o Tribunal Especial para Serra Leoa – tornando-se assim no primeiro país de África a estabelecer, com a participação das Nações Unidas, um tribunal no seu próprio território para resolver os mais graves crimes internacionais.
Quando o tribunal especial fechou no ano passado, foi o primeiro dos tribunais estabelecidos e apoiados pela ONU a concluir com êxito o seu mandato. A condenação do ex-Presidente da Libéria Charles Taylor, pelo tribunal especial foi a primeira condenação de um ex-chefe de Estado desde Nuremberga – o dar um aviso severo de que até os líderes devem pagar pelos seus crimes. Outros julgamentos viram as primeiras condenações de sempre por ataques contra as forças de paz da ONU, o casamento forçado como um crime contra a humanidade, bem como o uso de crianças-soldado.
Essas conquistas revolucionárias somam-se a um sólido historial de realizações. Os capacetes azuis da ONU desarmaram mais de 75 mil ex-combatentes, incluindo centenas de crianças-soldado, e destruíram mais de 42 mil armas e 1,2 milhões de cartuchos de munição. A ONU ajudou mais de meio milhão de refugiados da Serra Leoa e de pessoas deslocadas internamente a voltar para casa e treinou milhares de agentes da polícia local.
A ONU ajudou o Governo a combater a extracção ilegal de diamantes que alimentou o conflito e a estabelecer controlo sobre as áreas afectadas. Com a ajuda da ONU, os cidadãos de Serra Leoa votaram em sucessivas eleições livres e justas, pela primeira vez na sua história.
Desde o seu estabelecimento, há seis anos, como missão política civil, a Agência Integrada de Construção da Paz da ONU ajudou a Serra Leoa a consolidar os progressos feitos, resolvendo as tensões que poderiam ter causado um regresso ao conflito, trabalhando ao mesmo tempo para o fortalecimento das instituições e promoção dos direitos humanos. A agência ajudou o Governo a reforçar o processo político, dando ênfase ao diálogo e à tolerância, e fortalecendo ainda mais a polícia nacional, apoiando mesmo a criação da primeira Unidade contra o Crime Organizado Transnacional na África Ocidental.
A nossa última missão está a partir da Serra Leoa, mas uma equipa das Nações Unidas permanecerá no país até que o desenvolvimento de longo prazo se enraíze, para apoiar a boa governança, educação de qualidade, serviços de saúde e outras condições essenciais para o progresso.
Outros países agora atolados em conflito, divididos por ódio e feridos por atrocidades, podem alimentar-se de esperança olhando para a Serra Leoa. O seu povo resiliente deu às operações de manutenção da paz o seu maior voto de confiança possível através do envio de tropas para servir onde a bandeira da ONU drapeja hoje. Eles entendem que a boa vontade nacional com o apoio internacional pode fazer com que até as áreas mais devastadas venham a desfrutar de uma paz duradoura.
Secretário-geral das Nações Unidas