“Obrigado aos dois”
João Correia e António Aguilar despedem-se hoje da selecção nacional, após o jogo contra Espanha. A saída dos dois jogadores deixa tristeza, mas também um consensual elogio ao seu legado
O jogo que se disputa hoje às 17h00 no Estádio Universitário de Lisboa não é apenas o derradeiro encontro de Portugal no Torneio Europeu das Nações – é também a última partida em que a selecção portuguesa conta com as prestações de João Correia e António Aguilar, que protagonizaram alguns dos principais momentos na história recente dos Lobos.
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O jogo que se disputa hoje às 17h00 no Estádio Universitário de Lisboa não é apenas o derradeiro encontro de Portugal no Torneio Europeu das Nações – é também a última partida em que a selecção portuguesa conta com as prestações de João Correia e António Aguilar, que protagonizaram alguns dos principais momentos na história recente dos Lobos.
O capitão João "Pipas" Correia deixa assim o equipamento das Quinas aos 34 anos de idade, após aquela que será a sua 81.ª internacionalização; António Aguilar despe a camisola n.º 11 aos 35 anos, quando já totalizou 84 representações por Portugal.
Ambos continuarão a jogar pelo Grupo Desportivo de Direito, mas o primeiro poderá agora concentrar-se na sua carreira de Ortopedista no Hospital Santa Maria, em Lisboa, enquanto Aguilar ficará mais disponível para os seus alunos de Educação Física.
"Ainda não acredito que eles se vão embora", confessa o ex-seleccionador nacional Tomaz Morais. É verdade que o actual Director Técnico Nacional lidou mais tempo com António Aguilar, que treinou no Direito a partir dos Juniores, mas tanto esse atleta como João Correia lhe motivam agora o mesmo sentimento de perda. "Acompanhei a ascensão de ambos e sábado [hoje] à tarde vou estar muito, muito triste", antecipa.
"Custa-me imaginar que não vou ver mais as placagens deles, que vou deixar de assistir à sua forma de estar em jogo e, embora perceba que eles estão a sair numa boa altura, sei que jamais os esquecerei. Tenho o orgulho e a sorte de ter sido treinador de ambos e só posso dizer: 'Obrigado aos dois'".
As razões para a melancolia de Tomaz Morais prendem-se com o simbolismo que reconhece aos seus ex-atletas. "Eles são a real identidade dos 'Lobos', no que isso implica de espírito de sacrifício, paixão, alegria nas vitórias, tristeza nas derrotas e entrega total", explica. "Em termos humanos, também são duas pessoas sensacionais, pelo que têm de integrais e de trabalhadores natos – o Aguilar mais pelo talento e o João Correia pela sua entrega, porque é um homem que não precisa de descansar".
O ex-internacional Joaquim Ferreira também reconhece as capacidades técnicas dos dois atletas. Jogou contra eles ao enfrentá-los pelo CDUP, jogou ao lado deles quando os três integraram a equipa nacional. É por isso que garante que João Correia representa "um marco importante" na história da selecção. "Lutou arduamente para lá chegar, foi evoluindo, gosta daquilo que faz, demonstrou-o com a sua dedicação e acabou por ser várias vezes capitão de equipa", recorda o ex-capitão da selecção. "Além disso, conseguiu fazer tudo isso enquanto se dedicava à sua carreira na Medicina".
Já no que se refere a António Aguilar, Joaquim Ferreira descreve-o como "um atleta diferente, cuja vida profissional foi quase exclusivamente dedicada ao desporto". Atribui-lhe "altos e baixos na selecção", mas considera que "nos últimos anos ele se tornou melhor jogador e conseguiu afirmar-se como um atleta importante, pela experiência adquirida".
Para o ex-jogador e actual empresário, ambos escolheram, portanto, "uma boa altura" para deixarem a representação portuguesa. "Como não fomos apurados para o Mundial, a saída nesta fase é uma boa decisão e há uma data de miúdos que merecem uma oportunidade para os substituir". A vida faz-se, afinal, de renovação. "Uns vão, outros vêm e a selecção é que continua".
Luís Pissarra, que no campeonato nacional foi adversário dos dois, mas na selecção partilhou com eles as alegrias do Mundial 2007, concorda que ambos são "referências da modalidade" e justifica: "Marcaram uma época, estiverem presentes no Campeonato do Mundo e têm um valor gigante para o nosso desporto".
No caso de João Correia, o dirigente do Agronomia louva "a sua subida a pulso", tanto em campo como na sua carreira profissional enquanto médico. "Sinceramente, não sei como é que ele ainda aguenta o ritmo da vida que leva, com o râguebi, a família e a sua actividade profissional, que também é das que são muito exigentes", diz. "Ele tem disponibilidade para estar em todo o lado e isso tem um mérito inestimável, pelo que não tenho dúvida nenhuma de que, como capitão, vai fazer muita falta".
António Aguilar, por sua vez, ficar-lhe-á lembrado como "um dos mais mediáticos jogadores portugueses, porque foi o primeiro a assinar um contrato profissional em França e teve depois um percurso de grande valor, sobretudo nos Sevens, em cujo Circuito Mundial foi altamente reconhecido".
É por todas essas razões que, embora convicto de que "não há insubstituíveis", Luís Pissarra adivinha "uma responsabilidade muito grande" para os jogadores que venham a ocupar a posição desses atletas na equipa nacional.
Em suma, mesmo que esta tarde Portugal vença a Espanha, a perda será "enorme". Tomaz Morais acredita que isso não impedirá a selecção de "prosseguir a sua vida", mas, dispensando eufemismos, deixa já o aviso de que essa continuidade obrigará a particular lucidez: "Os mais jovens têm que sentir o peso da camisola que vão herdar e é bom que percebam que, para terem o mesmo rendimento que estes dois jogadores, vão ter que trabalhar o dobro. O dobro ou o triplo".