O estrépito do absurdo

Naquela quinta-feira, 11 de Março de 2004, em Madrid, entre as 07h37 e as 07h40 tudo podia acontecer. E aconteceu o horror. Dez bombas em quatro comboios suburbanos

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Susana Vera/Reuters

Tudo pode acontecer em três minutos. O acender de uma paixão, uma conversa banal, uma lista de compras, uma decisão nobre, um propósito vil. Naquela quinta-feira, 11 de Março de 2004, em Madrid, entre as 07h37 e as 07h40 tudo podia acontecer. E aconteceu o horror. Dez bombas em quatro comboios suburbanos. O estrépito do absurdo a anunciar a barbárie. Explosões na estação de Atocha, El Pozo, Santa Eugenia e nas linhas junto à calle Téllez. 191 mortos e 1857 feridos. A capital espanhola mergulhada no caos. Um país inteiro perplexo e estarrecido.

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Tudo pode acontecer em três minutos. O acender de uma paixão, uma conversa banal, uma lista de compras, uma decisão nobre, um propósito vil. Naquela quinta-feira, 11 de Março de 2004, em Madrid, entre as 07h37 e as 07h40 tudo podia acontecer. E aconteceu o horror. Dez bombas em quatro comboios suburbanos. O estrépito do absurdo a anunciar a barbárie. Explosões na estação de Atocha, El Pozo, Santa Eugenia e nas linhas junto à calle Téllez. 191 mortos e 1857 feridos. A capital espanhola mergulhada no caos. Um país inteiro perplexo e estarrecido.

Num país obrigado a conviver durante 40 anos com a ameaça das bombas e das pistolas, com esse código ignóbil que só entende a morte e o sofrimento, o normal era pensar que se tratava de mais um atentado da ETA.

Nas primeiras declarações oficiais, o governo do Partido Popular (PP) atribuía ao grupo terrorista basco a autoria do massacre. Mas iam passando as horas e tudo apontava para um atentado islamita, talvez uma resposta à intervenção de Espanha na guerra do Iraque, muito contestada política e socialmente. A ETA e o Batasuna negaram qualquer responsabilidade. No dia seguinte, as Brigadas de Abu Hafs al-Masri assumiram a autoria do atentado. Contudo, no sábado, dia 13, o governo ainda insistia no envolvimento da ETA, mesmo quando essa já não era a principal linha de investigação.

Aquele 11 de Março de 2004 (11-M) esteve imerso num contexto particular: três dias depois havia eleições legislativas. Entre os cidadãos crescia o sentimento de que uma guerra que nunca apoiaram regressava a casa e explodia-lhes nas mãos. Houve no dia anterior às eleições concentrações multitudinárias junto às sedes do PP. Consternadas, as pessoas só pediam que não lhes mentissem. No dia 14 de Março, a afluência às urnas foi de 75%. Contra todos os prognósticos, o Partido Socialista (PSOE) ganhou as eleições.

Para o PP, o PSOE foi favorecido pelos atentados. Para o PSOE, o sucedido era uma consequência directa da participação na guerra do Iraque. Os anos que se seguiram foram um deplorável exemplo de irresponsabilidade política e falta de respeito pelos cidadãos, em que as vítimas passaram a fazer parte de uma vil e insensível dialéctica partidária.

Ao contrário do que aconteceu após os atentados nos EUA em 2001 e no Reino Unido em 2005, em Espanha não houve uma união à volta de uma bandeira. Deu-se uma polarização política e uma fractura social. Já lá dizia o slogan oficial de promoção turística da década de 1960, "Spain is Different".

E novamente o estrépito do absurdo. Nos últimos anos, a direita radical e os meios de comunicação afins, El Mundo, a rádio COPE e o canal público Telemadrid, com a conivência de alguns políticos, conduziram uma campanha de mentiras. Contrariando o curso da instrução do processo e do julgamento dos responsáveis do 11-M, alimentaram uma teoria da conspiração e defenderam com informações infundadas que tudo tinha sido um complô da ETA, do PSOE e de serviços secretos internacionais para provocar uma mudança de governo em 2004.

Depois de investigações exaustivas em vários países, de uma sentença da Audiência Nacional em 2007, ratificada pelo Tribunal Supremo em 2008, que condenou 18 pessoas pelos atentados, é hoje evidente que as teorias da conspiração careciam de fundamento e que os atentados não tiveram qualquer relação nem com a guerra do Iraque nem com a data das eleições legislativas. A esquerda e a direita espanholas deviam retirar daqui a sua lição.

No décimo aniversário daquele brutal massacre, tenta-se sarar as feridas. Pela primeira vez desde 2007, as quatro associações de apoio às vítimas do terrorismo participam juntas nas homenagens que assinalam a fatídica data. As vítimas, mesmo as que pensam que ficou muito por saber, merecem toda a consideração e têm o direito de expressar o que sentem. A quem se exige responsabilidade e elevação moral é à classe política e aos meios de comunicação no desempenho das suas funções.