Descoberto mineral que confirma haver muita água no interior da Terra
O mineral ringwoodite já tinha sido encontrado em meteoritos, mas nunca com origem na Terra. Formado no interior do manto do nosso planeta, contém uma percentagem elevada de água.
A equipa de investigadores que estudou este mineral, chamado ringwoodite, encontrou água na sua composição. A novidade, anunciada esta quinta-feira num artigo na revista Nature, é que este mineral permite inferir a existência de um reservatório de água no manto terrestre equivalente à água de todos os oceanos da Terra, mas não na forma como Júlio Verne imaginou.
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A equipa de investigadores que estudou este mineral, chamado ringwoodite, encontrou água na sua composição. A novidade, anunciada esta quinta-feira num artigo na revista Nature, é que este mineral permite inferir a existência de um reservatório de água no manto terrestre equivalente à água de todos os oceanos da Terra, mas não na forma como Júlio Verne imaginou.
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“Nos últimos 25 anos, as pessoas têm especulado sobre qual será a quantidade de água que está presa na Terra, a grande profundidade”, diz Graham Pearson, um dos autores do artigo, da Universidade de Alberta, no Canadá, num podcast da Nature. O mineral ringwoodite entrava nesta discussão.
Este silicato só tinha sido descoberto naturalmente nos meteoritos, cujo nome foi dado em homenagem ao geólogo australiano Ted Ringwood. Contudo, experiências feitas para o produzir artificialmente indicavam que seriam necessárias altas pressões e altas temperaturas para se formar. No nosso planeta, essas condições existem no manto — a camada da Terra que fica abaixo da crosta e vai quase até aos 3000 quilómetros de profundidade.
Havia ainda indicações de uma zona de transição a meio do manto entre os 410 e os 660 quilómetros. Os cientistas tinham identificado uma alteração na velocidade das ondas sísmicas nesta região, que mostrava uma mudança na composição dos silicatos. Quando se descobriu a ringwoodite nos meteoritos, pôs-se a hipótese de que este mineral poderia também estar naquela região.
As experiências mostraram igualmente que a estrutura mineralógica da ringwoodite tem capacidade de incorporar água. A olivina, o silicato que se forma no manto superior, tem uma unidade básica formada por um átomo de sílica, ligado a quatro núcleos de oxigénio. Esta unidade principal parece uma espécie de losango e repete-se constantemente com átomos de magnésio entre cada losango. Com mais pressão e mais temperatura, em vez de olivina, forma-se a ringwoodite, cuja estrutura permite encaixar água. “A ringwoodite pode ter parte da sílica substituída por grupos hidroxilo [água]”, explica ao PÚBLICO Fernando Barriga, professor e geólogo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
A beleza dos diamantes
Desta forma, a região de transição, que se pensa ser constituída em 60% de ringwoodite, seria rica em água incorporada nestes minerais. Mas isto eram suposições teóricas. Até que a equipa de Graham Pearson encontrou aquele mineral incrustado no interior de um pequeno diamante de três milímetros e 0,09 gramas, proveniente de depósitos de rios, em Juína, no estado de Mato Grosso, no Brasil.
“A beleza dos diamantes é serem uma cápsula única que nos transporta para a região profunda da Terra”, diz Graham Pearson. Os diamantes, feitos de carbono, formam-se no manto a grandes profundidades, sob grande pressão e podem englobar outros minerais já formados. Se forem transportados para a crosta por rochas magmáticas, que se movimentam rapidamente (em termos geológicos), podem chegar à superfície da Terra com outros minerais lá dentro.
A equipa usou técnicas de espectrometria para analisar a composição dos minerais incrustados e descobriu que estava na presença de ringwoodite. Além disso, conseguiu perceber que, pelo menos, 1,5% do peso deste mineral, com 40 micrómetros de diâmetro máximo, era água sob a forma de grupos hidroxilo.
“Se a amostra for representativa de toda a parte inferior da zona de transição do manto, onde a ringwoodite é estável, isto traduz-se [num total de água] equivalente à massa de todos os oceanos da Terra”, diz Hans Keppler, da Universidade de Bayreuth, Alemanha, num comentário para a Nature. “De alguma forma, é como ter um oceano no interior da Terra, como o que foi visualizado por Júlio Verne, não na forma de água líquida, mas como grupos hidroxilo dentro de um mineral fora do comum.”
Para Fernando Barriga, esta experiência mostra como é difícil estudar o interior do nosso planeta. “As provas do interior da Terra vão ser sempre muito reduzidas”, diz o geólogo, acrescentando que é preciso ter “um grande número de diamantes” para encontrar mais ringwoodite.
Como é que a partir de uma só amostra pode então especular sobre a existência de tanta água nesta zona do manto? “Partimos do princípio de que aquilo que encontramos tem algum tipo de representatividade do que se passa no interior da Terra”, responde o investigador português.
O próximo passo? “Procurar provas de água noutros diamantes com inclusões para estabelecer quão comum é a sua assinatura”, diz Graham Pearson.