Consultores que assinaram manifesto deixam Belém, FMI e Bruxelas afastam reestruturação
Sevinate Pinto e Vítor Martins foram exonerados por Cavaco a pedido dos próprios. Passos afasta extensão dos prazos dos empréstimos europeus, Comissão Europeia e FMI concordam.
O pedido de exoneração dos cargos de consultores para os Assuntos Económicos e Empresariais da Casa Civil de Cavaco Silva é motivado pela dimensão e pelo teor das interpretações e das reacções que se verificaram após a divulgação do manifesto. Uma reacção que se verificou a nível nacional pela rejeição do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, em admitir sequer que o tema seja debatido, mas também a nível internacional, com a posição assumida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) ao rejeitar qualquer hipótese de equacionar uma reestruturação da dívida pública portuguesa.
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O pedido de exoneração dos cargos de consultores para os Assuntos Económicos e Empresariais da Casa Civil de Cavaco Silva é motivado pela dimensão e pelo teor das interpretações e das reacções que se verificaram após a divulgação do manifesto. Uma reacção que se verificou a nível nacional pela rejeição do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, em admitir sequer que o tema seja debatido, mas também a nível internacional, com a posição assumida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) ao rejeitar qualquer hipótese de equacionar uma reestruturação da dívida pública portuguesa.
Ao demitirem-se, os dois consultores preservam assim a imagem do Presidente da República e evitam que o nome de Cavaco Silva possa ser relacionado com uma posição que foi liminarmente rejeitada, quer pelo primeiro-ministro, quer pelos credores oficiais. Ao Expresso (que avançou a notícia da exoneração), Sevinate Pinto (ministro da Agricultura no Governo de coligação PSD-CDS liderado por Durão Barroso) afirmou: “Não me arrependo de ter subscrito o manifesto.”
Se Pedro Passos Coelho veio logo na terça-feira a reagir com veemência ao documento, noticiado pelo PÚBLICO, acusando os subscritores de irresponsabilidade, nesta quarta-feira não foi apenas o primeiro-ministro a retomar as críticas e a pôr de lado um processo de renegociação.
Pelo FMI, apareceu Poul Thomsen (vice-presidente do departamento europeu da instituição e primeiro representante do fundo na missão da troika) a considerar que a discussão é extemporânea.
Na conferência Portugal Pós-Troika, organizada pelo Jornal de Negócios com a Rádio Renascença num hotel em Lisboa, e onde se cruzou com o primeiro-ministro, Thomsen não deixou margem para dúvidas sobre qual é a posição dos credores oficiais: primeiro, Passos insistiu que “está totalmente fora de questão” reestruturar a dívida portuguesa, pouco depois aparecia o economista do FMI a dizer que apoiava “inteiramente a declaração”.
Para a Comissão Europeia, o processo foi igualmente colocado de parte, com o porta-voz do comissário dos Assuntos Económicos, Simon O'Connor, a dizer que a dívida pública portuguesa é sustentável.
O manifesto, que junta personalidades da esquerda à direita, defende uma reestruturação da dívida pública de forma “honrada e responsável”, dentro do quadro de funcionamento da União Económica e Monetária, e com uma “rigorosa gestão orçamental no respeito das normas constitucionais”.
Entre as soluções referidas pelos signatários estão uma redução das taxas de juro do stock da dívida, uma extensão das maturidades dos empréstimos “para 40 ou mais anos” e estudar soluções para reestruturar a dívida acima de 60% do produto interno bruto. Os subscritores defendem que a “reestruturação deve ter na base a dívida ao sector oficial, se necessário complementada por outras responsabilidades de tal modo que a reestruturação incida, em regra, sobre dívida acima de 60% do PIB”.
O texto é assinado por personalidades como Manuela Ferreira Leite, ex-presidente do PSD, João Cravinho, ex-ministro socialista, Ferro Rodrigues, ex-líder do PS, António Capucho, antigo presidente da Câmara de Cascais, Francisco Louçã, ex-líder do Bloco de Esquerda, Carvalho da Silva, ex-secretário-geral da CGTP, António Saraiva, líder da CIP ou Adriano Moreira e Freitas do Amaral, históricos do CDS.
O primeiro-ministro voltou a tecer duras críticas ao manifesto. E mostrou-se espantado por “gente tão bem informada” tomar uma posição que considera não defender os interesses do país. “O assunto está tão fora de agenda que tenho dificuldade em explicá-lo.” E, sem referir nomes que subscreveram o texto, classificou o grupo do manifesto como “os mesmos que falavam numa espiral recessiva”, arrancando de uma parte da plateia da conferência uma salva de palmas.
Consensos sobre a dívida
Se, na véspera, Passos apareceu mais isolado nas críticas ao manifesto, nesta quarta-feira teve a seu lado não apenas os credores. Para além de outros ministros terem vindo a público considerar que a dívida é sustentável, em sua defesa saiu ainda Brian Hayes, secretário de Estado das Finanças da Irlanda, que em Lisboa sustentou que um país “não pode estar a falar em reestruturação de dívida” quando tenta regressar aos mercados.
Do mesmo lado, Eduardo Catroga lembrou que, em 2013, o Eurogrupo prolongou em sete anos os prazos de reembolso dos empréstimos europeus a Portugal e à Irlanda. E também o ex-ministro das Finanças Teixeira dos Santos não considerou a questão prioritária na “agenda de decisões ou acções a promover” por Portugal. No seu comentário semanal na Etv, sustentou que o manifesto deveria ter clarificado que o processo de reestruturação defendido não se idêntica com um perdão de dívida como aconteceu com a Grécia.
Os líderes parlamentares do PSD e do CDS, em visita a Madrid, não esconderam igualmente o incómodo sobre o manifesto. Luís Montenegro, líder da bancada "laranja", considerou que alguns dos signatários do manifesto mostram incoerência de posições e que hoje não se pode estar a “acenar” com uma reestruturação que “traria consequências muito piores para as vidas das pessoas”.
Mais cauteloso, Nuno Magalhães (CDS) disse respeitar o manifesto "enquanto exercício de cidadania", mas considerou que o momento da sua apresentação não foi o mais oportuno. No Parlamento, o controlo e a renegociação da dívida portuguesa marcaram o debate em plenário. A deputada Mariana Mortágua (BE) sustentou que “o plano da direita” para controlar a dívida pública portuguesa é “irrealista, irresponsável e impossível”. E, no mesmo dia em que Passos voltou a pedir consensos com o PS, o socialista Pedro Nuno Santos contrapôs: “Talvez seja a primeira vez desde o 25 de Abril que há uma coligação tão ampla, da esquerda à direita [para renegociar a dívida].”
A bancada do PCP assumiu naquele debate e, mais tarde, numa declaração política própria, que já propôs a renegociação da dívida a 5 de Abril de 2011, há três anos, o que na altura foi considerado “irresponsável e irrealista”, nas palavras do deputado Paulo Sá. “Foi preciso que a vida dos portugueses tivesse sido arruinada (…), foi preciso que a dívida tivesse disparado para quase 130% do PIB para que certos sectores da nossa sociedade se convencessem, talvez a contragosto, da justeza das propostas do PCP”, afirmou o parlamentar comunista.