Eu, beijocador, promotor de vendas me confesso

Os “desconhecidos” são todos actores ou modelos e a “experiência” ou “filme artístico” é na verdade uma campanha publicitária da empresa Wren Studio, de Los Angeles, para promover a sua coleção de Outono

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Vinte milhões de pares de olhos em dois dias. É o número de visualizações que aparece no YouTube para o vídeo First Kiss, de Tatia Plieva, que tem atapetado os murais do Facebook e emocionado os cibernautas com três minutos de desconhecidos a beijarem-se pela primeira vez.

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Vinte milhões de pares de olhos em dois dias. É o número de visualizações que aparece no YouTube para o vídeo First Kiss, de Tatia Plieva, que tem atapetado os murais do Facebook e emocionado os cibernautas com três minutos de desconhecidos a beijarem-se pela primeira vez.

O vídeo, apresentado como “experiência” ou “filme de arte”, é de um profissionalismo imaculado: fotografado no branco e preto da publicidade de moda, com intérpretes urbanos e elegantes e uma montagem que segue fielmente a estrutura das comédias românticas – vulnerabilidade das personagens, dificuldade de aproximação do par, beijo apaixonado, alegria, promessa de uma relação duradoura.

Se parece demasiado profissional, talvez o seja. Os “desconhecidos” são todos actores ou modelos e a “experiência” ou “filme artístico” é na verdade uma campanha publicitária da empresa Wren Studio, de Los Angeles, para promover a sua coleção de Outono. Desse modo, nada no vídeo é acidental, e boa parte do seu sucesso deve-se mais à combinação de truques publicitários, técnicas fílmicas e beleza física dos seus intérpretes do que a qualquer verdadeira intimidade. Amanda Hess, aliás, notou que se o vídeo tivesse sido realmente feito com beijos de pessoas normais – daquelas não estão habituadas a fingir beijos apaixonados para a câmara — o mais provável que o resultado final fosse mais humorístico do que romântico.

Todavia, para lá da eficácia da sua encenação, o sucesso do vídeo assinala também o desejo de intimidade que nos atravessa e a nossa vontade de encontrar beleza e sentido nessa intimidade, ao ponto de estarmos disponíveis para ser promotores de vendas involuntários de empresas de que nunca ouvimos falar, só para podermos sentir, momentaneamente, que partilhamos com o resto da humanidade da intimidade de um beijo.

O problema é que a intimidade autêntica só é bela para os que têm o privilégio de estar dentro dela. E o terror, embaraço, tempos desencontrados, respirações assimétricas, narizes inoportunos, cabelos renitentes, dentes intrometidos e abraços desajeitados de um primeiro beijo têm um valor para quem os dá que dificilmente pode ser partilhado através de um vídeo de YouTube.