Onde pára a geração à rasca?
O P3 foi saber onde estão os jovens que, há três anos, organizaram a manifestação da Geração à Rasca. O evento criado no Facebook levou cerca de 500 mil pessoas às ruas.
Uma ideia de um grupo de amigos resultou numa das maiores manifestações não vinculadas a partidos políticos desde o 25 de Abril em Portugal. Ainda te lembras onde estavas a 12 de Março de 2011? João Labrincha, Paula Gil, Alexandre Carvalho e António Frazão sabem exactamente onde passaram esse dia: nas ruas. Mas, antes disso, viveram meses intensos desde que decidiram organizar a manifestação da Geração à Rasca. Três anos volvidos, as vidas destes quatro jovens seguiram caminhos diferentes. Uns continuaram ligados ao Movimento 12 de Março (M12M) — grupo activista que surgiu depois da manifestação —, outros distanciaram-se, envolveram-se noutras causas ou emigraram.
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Uma ideia de um grupo de amigos resultou numa das maiores manifestações não vinculadas a partidos políticos desde o 25 de Abril em Portugal. Ainda te lembras onde estavas a 12 de Março de 2011? João Labrincha, Paula Gil, Alexandre Carvalho e António Frazão sabem exactamente onde passaram esse dia: nas ruas. Mas, antes disso, viveram meses intensos desde que decidiram organizar a manifestação da Geração à Rasca. Três anos volvidos, as vidas destes quatro jovens seguiram caminhos diferentes. Uns continuaram ligados ao Movimento 12 de Março (M12M) — grupo activista que surgiu depois da manifestação —, outros distanciaram-se, envolveram-se noutras causas ou emigraram.
Paula Gil, 29 anos
“Roubaram-nos os sonhos”
Combater a precariedade laboral foi um dos objectivos da manifestação da Geração à Rasca. Uma geração altamente qualificada, mas sujeita a baixos salários e a recibos verdes. Paula Gil deu a cara por esta causa e hoje é um exemplo da precariedade entre os jovens.
“Há três anos estava a fazer um estágio profissional numa organização não-governamental, ganhava 980 euros e a minha mãe estava a trabalhar”, recorda Paula. Actualmente, a jovem trabalha a recibos verdes numa instituição particular de solidariedade social em Lisboa, recebe 800 euros de salário, sem contar com os impostos que “aumentaram imenso este ano”, diz Paula. Entretanto, a mãe e o irmão, que vivem no Porto, ficaram desempregados. “A precariedade não afecta unicamente os jovens, afecta os pais e os avós”, lamenta Paula Gil. Os jovens são “uma geração que não tem futuro, sem perspectivas ou estabilidade”, caracteriza.
Paula fez mestrado e trabalhou como voluntária fora de Portugal. Voltou porque não queria emigrar. “Queria contribuir para o nosso país”, afirma. Conseguiu, com os outros amigos, organizar uma manifestação que mobilizou milhares de pessoas. Abandonou, entretanto, o M12M e integrou o movimento Que se Lixe a Troika, mas se agora tivesse uma oportunidade melhor fora do país, não recusava. “Roubaram-nos os sonhos”, lamenta.
João Labrincha, 30 anos
“Fazer de cada cidadão um político”
Há três anos, João Labrincha estava desempregado. A falta de oportunidades para os jovens e a precariedade no mercado laboral eram temas frequentes nas conversas com os amigos Alexandre, António e Paula — antigos estudantes de Relações Internacionais da Universidade de Coimbra, que organizaram a manifestação da Geração à Rasca. “Queríamos dar o exemplo às pessoas, mostrar que era possível agir”, recorda João, que vive em Lisboa.
“Só uma mensagem passou com a manifestação: colocámos nas bocas do mundo a palavra precariedade. Muita gente tomou consciência desta situação, de que os nossos direitos laborais não estavam a ser respeitados”, afirma João. A segunda mensagem, mais complexa, não chegou às pessoas. “Fazer de cada cidadão um político”, frase de José Saramago, é hoje uma das máximas de João Labrincha no seu trabalho na Academia Cidadã, associação sem fins lucrativos que vive de donativos e trabalho voluntário. É lá que João trabalha a tempo inteiro, em regime de estágio profissional.
João chegou à conclusão de que, mais do que organizar manifestações, é preciso “mudar mentalidades” e “dar poder às pessoas”. A Academia Cidadã quer ser uma escola de cidadania, quer formar activistas através de “workshops, oficinas” e do trabalho em “outras formas de intervenção na sociedade”, explica João. Para dar continuidade ao projecto e tentar empregar mais pessoas, a Academia Cidadã vai concorrer a fundos comunitários e organizar uma campanha de “crowdfunding”. Em Julho, acaba o estágio profissional de João e, se até lá não tiver conseguido financiamento para a associação, o jovem sabe que vai ter de começar a procurar outro emprego e dedicar-se ao projecto em “part-time”. “Mas tenho esperanças de que vou conseguir”, afirma João.
António Frazão, 28 anos
“É preciso voltar a acreditar”
Em 2011, António Frazão era trabalhador-estudante em Coimbra. Depois de concluir o mestrado, procurou emprego em Portugal e no estrangeiro, até que surgiu a oportunidade de ingressar no programa INOV Contacto. “Pensei que era a melhor forma de explorar o meu potencial e de dar uma melhor utilidade prática à minha preparação académica”, conta-nos António Frazão, a partir de Bruxelas.
O jovem está a trabalhar há dois meses na Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia. Uma experiência nova, fora do país, que ainda agora começou. António considera, por isso, que é cedo para pensar no futuro e não sabe se regressa a Portugal quando terminar o estágio no INOV Contacto. Tem a certeza de que faz parte da “geração com maior nível de formação” do país e que “está bem preparada para ter sucesso, quer em Portugal, quer no estrangeiro”. “Sinto que falta a confiança, resultado da saturação com a situação do país. Algures no tempo perdemos a esperança num futuro melhor. É preciso voltar a acreditar”, afirma.
António não integrou o M12M, fundado depois da manifestação da Geração à Rasca, mas mantém o contacto com os amigos João, Paula e Alexandre. Apesar de não se ter vinculado a mais nenhum movimento cívico, o jovem defende que “todos temos o direito de intervir na sociedade” e que “em Portugal existe uma forte sociedade civil que o faz, mas que passa despercebida”.
Alexandre Carvalho, 28 anos
“Fui o único que ficou na mesma”
“De todos os meus amigos, fui o único que ficou na mesma”, começa por dizer Alexandre Carvalho. “Na altura da manifestação, tinha conseguido uma bolsa de investigação”, conta. Hoje em dia, o jovem está a cursar o doutoramento em Ciência Política e Relações Internacionais no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), estando agora no período de renovação da bolsa. Está, por isso, a acompanhar com atenção os cortes nas bolsas de doutoramento e pós-doutoramento, que causaram polémica em Janeiro. “Só demonstra que a aposta deste governo não é na ciência e na educação, mas sim nos baixos salários”, refere Alexandre.
O jovem é também membro da Academia Cidadã, “a primeira ideia a surgir depois da manifestação, mas que precisou de algum tempo para amadurecer”, explica. Alexandre considera que “é normal haver ciclos de maior contestação nas ruas e períodos mais calmos”. “Com a aproximação de eleições, as pessoas ficam também na expectativa do que poderá acontecer”, explica.
Quando terminar a tese de doutoramento, Alexandre não põe de lado a opção de emigrar. “Os jovens não têm medo de sair para procurar trabalho, há é uma certa angustia de que o país não tenha espaço para nós”, realça. “De que emigrar seja uma imposição e não uma opção”, conclui.