Democracia adiada

O PSD atreveu-se a deixar praticamente de fora da sua direcção as mulheres. E a adiar uma democracia de maior qualidade.

E só minutos depois, quando Passos Coelho fazia o discurso de encerramento, é que racionalizei a sensação de estranheza que me tomara. Olhando a direcção sentada por de trás do líder, era notório que o grupo se compunha quase só por homens e que, para além de Teresa Leal Coelho, num bonito tailleur cor-de-rosa, era preciso pouco mais do que os dedos das duas mãos para contar o total de mulheres ali sentadas, no meio de quase uma centena de novos dirigentes. É que das 89 pessoas que integram os três órgãos de direcção política do PSD apenas 13 são mulheres.

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E só minutos depois, quando Passos Coelho fazia o discurso de encerramento, é que racionalizei a sensação de estranheza que me tomara. Olhando a direcção sentada por de trás do líder, era notório que o grupo se compunha quase só por homens e que, para além de Teresa Leal Coelho, num bonito tailleur cor-de-rosa, era preciso pouco mais do que os dedos das duas mãos para contar o total de mulheres ali sentadas, no meio de quase uma centena de novos dirigentes. É que das 89 pessoas que integram os três órgãos de direcção política do PSD apenas 13 são mulheres.

Mais concretamente, o PSD elegeu dez mulheres para os 70 lugares do conselho nacional. Já entre os 18 membros da comissão política há três mulheres: Elsa Cordeiro, Maria da Conceição Pereira e Teresa Leal Coelho, que é também vice-presidente do partido e, nessa qualidade, é a única mulher a ter assento nos nove lugares da comissão permanente.

A estranheza desta baixa representatividade das mulheres na direcção do PSD choca, tanto mais quando se pensa que este é o único partido que em Portugal foi presidido por uma mulher: Manuela Ferreira Leite. E continua a chocar quando se pensa na preocupação real com a representação de género no consulado de Marcelo Rebelo de Sousa, quando o PSD, recusando embora introduzir quotas de géneros nas listas eleitorais, assumiu que o equilíbrio paritário de género nos órgãos de soberania e nas direcções dos partidos deveria ser conseguido apenas com base em critérios de mérito e numa gestão sensata – em vez de construída com incentivos obrigatórios como as quotas.

O PSD acabou por ser ultrapassado pela realidade política em 2006, quando é aprovada pela Assembleia da República, sob proposta do Governo socialista de José Sócrates, a lei da paridade que introduz a quota mínima de 33% de representação de género. Isto, quando o PS tinha também este patamar como limite para os órgãos internos, depois de ter estado nos 25% desde o tempo da direcção de António Guterres.

Ora, quase vinte anos depois desse debate, ver uma direcção do PSD reduzida a uma representatividade tão escassa de mulheres (a raiar os 15%) não pode deixar de causar estranheza e mal-estar. E torna a pergunta obrigatória: por que razão é possível que a direcção de um partido de governo num Estado-membro da União Europeia possa ser assim tão sexista e misógina? Será que o PSD não tem militantes mulheres? Será que as mulheres militantes do PSD são incapazes e desprovidas de mérito para integrar a direcção ao lado dos homens? Será que o país se revê nesta segregação de género, quando em diversos sectores da sociedade a busca de equilíbrio paritário é uma realidade inquestionável?

Indicador de que de facto Portugal continua a ser um país machista é também o resultado do relatório da Comissão Europeia sobre a disparidade salarial de género nos 28 Estados-membros, divulgado dias depois do fim do congresso do PSD (PÚBLICO, 01/03/2014). É que a diferença salarial entre homens e mulheres em Portugal, em 2012, aumentou de forma acentuada e atingiu os 15,7%, quando, em 2011, foi de 12,5%. Aliás, este aumento da diferença salarial entre homens e mulheres tem-se agravado em Portugal ao longo do período em que o assunto tem sido monitorizado pela Comissão Europeia, como já abordámos neste espaço em relação ao relatório do ano passado (PÚBLICO, 21/12/2013). E se, em 2007, as mulheres ganhavam menos 8,5% do que os homens, em 2011 esta diferença era de 12,5%, para disparar, em 2012, para 15,7%.

O problema é tanto mais grave quanto o clima social e político que Portugal vive é tendente a facilitar o desinvestimento nesta e noutras discriminações de género a que as mulheres estão sujeitas. Pelo contrário, podem agravá-la e fazer das mulheres as principais vítimas da crise, e não só ao nível laboral. Em termos globais, a austeridade e a tendência para o economicismo podem levar as pessoas a aceitar o retrocesso que significa pensar-se que há direitos de primeira e direitos de segunda, a conformar-se com uma hierarquia de prioridades entre as condições materiais de vida e os direitos individuais, uma atitude que pressupõe a menorização de direito à diferença e à não discriminação. Sobretudo num país de cultura sexista como Portugal. Provavelmente por causa deste ambiente cultural, o PSD atreveu-se a deixar praticamente de fora da sua direcção as mulheres. E a adiar uma democracia de maior qualidade.