Cavaco Silva voltou a abrir o livro
Há uma mensagem no prefácio do Roteiros: Passos está por sua conta e risco se escolher a saída limpa.
Na altura em que completa o terceiro ano do segundo mandato como Presidente da República, Cavaco Silva, como já é habitual, deu a conhecer alguns capítulos do seu Roteiros, livro onde reúne as suas intervenções do ano anterior. E também, como já é tradição, deve ser o único livro em que a maior parte dos portugueses lê somente o prefácio. Este é o espaço que Cavaco aproveita para ajustar contas com o passado (como fez há dois anos quando acusou José Sócrates de falta de lealdade institucional por causa do PEC IV), para justificar o passado (como fez em 2013 ao dizer que não se deixava influenciar pelo ruído mediático) ou para antever o que aí vem (como fez este ano com o sugestivo título de "o período pós-troika").
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Na altura em que completa o terceiro ano do segundo mandato como Presidente da República, Cavaco Silva, como já é habitual, deu a conhecer alguns capítulos do seu Roteiros, livro onde reúne as suas intervenções do ano anterior. E também, como já é tradição, deve ser o único livro em que a maior parte dos portugueses lê somente o prefácio. Este é o espaço que Cavaco aproveita para ajustar contas com o passado (como fez há dois anos quando acusou José Sócrates de falta de lealdade institucional por causa do PEC IV), para justificar o passado (como fez em 2013 ao dizer que não se deixava influenciar pelo ruído mediático) ou para antever o que aí vem (como fez este ano com o sugestivo título de "o período pós-troika").
Cavaco Silva ainda só deu a conhecer os segundo, terceiro e quarto capítulos do prefácio. O quarto capítulo é irrelevante para a história e pode resumir-se numa frase: Portugal evitou o segundo resgate e ainda bem que assim foi. Estamos todos de acordo. No segundo capítulo, o Presidente veste a pele de economista para dizer, sem o dizer, que os próximos 20 anos vão ser de austeridade. Não necessariamente mais medidas de austeridade, mas pelo menos a manutenção de um apertado espartilho à volta das contas públicas. Quem tiver ideias de políticas expansionistas, o melhor é guardá-las na gaveta. A mensagem mais forte de Cavaco, de máquina de calcular na mão, é a de que, mesmo que Portugal consiga todos os anos um excedente primário de 3% (e num cenário de crescimento anual do PIB nominal de 4% e com juros da dívida de 4%), só em 2035 é que o país conseguirá atingir um rácio da dívida pública de 60% do PIB, um limite imposto por Maastricht e com o qual Portugal se comprometeu ainda mais ao subscrever o Tratado Orçamental.
Mas é no terceiro capítulo que se encontra a mensagem mais relevante do Presidente. De uma forma subtil, Cavaco escreve que, “em termos gerais”, para um país que conclua com sucesso o resgate, “é possível que um programa cautelar seja preferível a uma saída dita à irlandesa”. O “em termos gerais” é relevante porque Cavaco não se quer comprometer com uma coisa nem outra. Mas fica bastante clara a preferência que ele dá a uma saída do resgate com uma rede de segurança. E se Passos Coelho optar, como tudo indica que fará, por uma "saída limpa", e se no futuro as coisas não correrem bem, o prefácio do Roteiros servirá para o Presidente dizer a frase que mais gosta de repetir, a do "eu já tinha avisado".
Este capítulo é politicamente relevante porque é Cavaco a sugerir ao primeiro-ministro que se escolher fazer um brilharete com uma saída à irlandesa, e se no futuro os juros voltarem a disparar, Passos poderá não ter o respaldo político do Presidente da República e pode ficar a falar sozinho. E pode ir por água abaixo a promessa que Cavaco fez a Passos quando este tomou posse em 2011, a famosa "cooperação activa".