Cinco rostos do protesto

Fotogaleria

 Sónia Machado, 40 anos
 Guarda prisional
 
 No estabelecimento prisional de Pinheiro da Cruz, em Grândola, Sónia Machado tem ao seu     cargo uma ala com 140 reclusos. Todos homens. É, aliás, a única mulher nos serviços prisionais de Portugal que é responsável por uma ala masculina de detidos.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

 Sónia Machado, 40 anos
 Guarda prisional
 
 No estabelecimento prisional de Pinheiro da Cruz, em Grândola, Sónia Machado tem ao seu     cargo uma ala com 140 reclusos. Todos homens. É, aliás, a única mulher nos serviços prisionais de Portugal que é responsável por uma ala masculina de detidos.

Sónia Machado é chefe do corpo de guardas prisionais, mas para a quase centena e meia de presos com que trabalha tem apenas quatro guardas na sua equipa. “E às vezes são três. Muitas vezes há quebras de segurança”, explica.

“Estamos a regredir, temos cada vez menos condições de trabalho. E também não temos dinheiro”, diz Sónia Machado, que está há 18 anos nos serviços prisionais. “Chegamos a não ter dinheiro para comprar um lápis ou uma caneta para escrever. E quando falta uma caneta, é porque falta muito mais coisas”, acrescenta.

As limitações prejudicam o seu trabalho, que envolve um diálogo com os presos. “O guarda prisional não é só para fechar portas”, constata.

Ao primeiro-ministro Passos Coelho, que disse no mês passado que o país está melhor, Sónia Machado responde: “Mas os portugueses não estão”.

  Rui Soares, 56 anos
 Agente da PSP

 Há 25 anos, Rui Soares participou na emblemática marcha da PSP entre a Voz do Operário e a   Praça do Comércio, em Lisboa. O histórico protesto colocou pela primeira vez polícias contra polícias, com a manifestação a ser dispersa com jactos de água. “Estive nos ‘secos e molhados’, do lado dos molhados”, recorda.

Naquela altura, as condições de trabalho na PSP eram piores. “Agora estão-nos a retirar tudo o que conseguimos desde então”, afirma Soares. “O que nos está a prejudicar mais são os cortes que estão a fazer. Do ano passado para este já perdi 330 euros”, completa.

Da esquadra de Ourém, na qual Rui Soares está destacado, juntaram-se ao protesto oito agentes, de um total de 29. Vieram num dos 80 autocarros que trouxerem milhares de polícias à manifestação. Os outros agentes de Ourém estavam de serviço.

Ainda antes da marcha partir do Marquês de Pombal e com a hipótese de confrontos no ar, Rui Soares revela o que seria, para si, o melhor desfecho para o protesto. “Era a gente chegar à Assembleia da República, eles [o Corpo de Intervenção] virarem as costas, juntarem-se a nós e não subirmos as escadas”.

  Manuel Mendes, 55 anos
 Militar da GNR

 Os músicos também protestam. E Manuel Mendes é um exemplo. Entrou para a Guarda Nacional Republicana em 1980, primeiro para o serviço geral. Em dois anos estava na fanfarra da GNR, onde se ocupava de instrumentos de sopro e de bateria. Esteve na Escola Prática da GNR em Queluz até passar à reserva.

Do seu salário, cortaram-lhe já cerca de 300 euros. “Para quem tem os bancos a tirarem o mesmo valor ou mais, não é fácil”, diz. As reduções salariais são um dos principais motivos que o tem levado a vários protestos. “Tenho vindo sempre às manifestações”, afirma. “Eu nunca tinha vindo, é a primeira vez”, intervém um colega, também militar na reserva, que pediu para não ser identificado.

Ambos esperam, no Marquês de Pombal, pelo início da marcha rumo à Assembleia da República, cada um com uma bandeira da Associação dos Profissionais da Guarda, na mão.

Manuel Mendes diz que as dificuldades sentidas nas forças policiais estão a chegar também ao terreno musical. A fanfarra da GNR, afirma, “está a acabar porque não há incentivo”. Nem sequer teve oportunidade de dar um toque musical ao protesto. “Não trouxe a corneta, porque é da corporação. Não ma deram”.

  Rui Melo, 34 anos
 Agente da Polícia Marítima

 A Polícia Marítima de Lisboa tem uma enorme área de jurisdição. Começa no Forte São Julião da  Barra, em Oeiras, e vai até a ponte de Vila Franca de Xira. “É uma extensão grande, leva uma hora e meia num semi-rígido”, explica Rui Melo, que é agente de 2.ª classe da Polícia Marítima.

A falta de efectivos — são cerca de 500 em todo o país — é uma das principais dificuldades desta força de segurança. “Somos poucos, às vezes uma pessoa desanima. Mas aprendemos a fazer o melhor com o que temos”, acrescenta Rui Melo.

Mais uma vez, os cortes salariais estão na base do descontentamento deste agente, que entrou para a Polícia Marítima em 2007. “Quando cheguei, ganhava mais do que ganho hoje”, garante.

“Em 2015, se houver promoções, posso ir a agente de 1.ª classe”, explica. Mas, se não ocorrerem no devido tempo, as promoções vêm com um preço: não tem efeitos retroactivos, em termos de vencimento, mas apenas na contagem do tempo de serviço. “Dinheiro não há, só o tempo”, afirma este agente da Polícia Marítima.

  Luís Guicho, 34 anos
 Inspector da ASAE

 Há seis anos que Luís Guicho trabalha numa instituição pública que não tem estatutos. Criada em 2005 e operacionalizada no ano seguinte, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) nunca os teve e este é um dos motivos que levaram vários inspectores, como Luís Guicho, a protestar ontem. “Não temos regras definidas”, queixa-se.

A ASAE, explica Luís Guicho, está a sofrer também de uma dupla condição. Tem cada vez menos efectivos, pois saem mais inspectores do que entram. Mas está constantemente a ser chamada a “tomar conta” de novas funções que surgem em função de novas normas criadas por novas leis, como as que regulamentam a posse de cães perigosos ou a actividade dos arrumadores de automóveis. “Não sabem a quem atribuir, entregam à ASAE”, diz Luís Guicho. “Somos cada vez menos e as funções que nos são atribuídas são cada vez mais. Aumenta duplamente a carga de trabalho”, acrescenta. Em seis anos, este inspector nunca foi promovido, nem nunca teve um euro de aumento de salário. “Não há reconhecimento da nossa carreira. A minha mulher trabalha no privado e já foi promovida duas vezes.”