A essência dos Dead Combo
Nesta altura, não há forma de serem misteriosos como outrora. Já são velhos conhecidos de uma década, já os vimos e ouvimos vezes sem conta, já brindámos a eles e com eles durante e depois de um concerto (metaforicamente, pelo menos). Os Dead Combo: uma banda que, pelo que fez desde Vol. 1, o primeiro, até Lisboa Mulata, o último, já tem lugar reservado na história da música feita por cá. Não vieram ocupar o lugar de ninguém, bem melhor do que isso: com contrabaixo e guitarra, com pianadas e melódicas, com baterias e metais dos convidados que se lhes foram juntando no caminho, levaram-nos a descobrir um lugar novo, criado por eles próprios. Hoje, já o conhecemos: tem fado e mariachis, tem jazz e estrépito rock’n’roll, tem África e as Caraíbas, tem bandas-sonoras dentro e também fotografias de fachadas, de velhas vielas e das pessoas que as ocupam. A Bunch Of Meninos, o álbum que editam na próxima segunda-feira, o quinto de estúdio, não modifica o que deles conhecemos. Isso, porém, não se revela uma fraqueza.
Só por ter sido baptizado com um título tão incrivelmente bom como A Bunch of Meninos, já sentimos vontade de lançar-lhe uma cascata de elogios. Mas, felizmente, não temos de ficar por aí. Entramos nele com Waiting for Nick, e deparamo-nos com aquele tom afadistado que não é fado e de tango lento que não é exactamente tango — eles movem-se agilmente entre fronteiras. Entramos por terreno conhecido e é bom estar de volta. A partir daqui percebemos. Percebemos que este A Bunch of Meninos é o disco mais descarnado e mais directo dos Dead Combo. Uma espécie de regresso a uma ideia de essência ou, melhor, das várias essências que compõem esta música vagabunda. Não provoca, portanto, um impacto imediato — excepção feita à canção-título, música de electricidade exposta e bateria bem marcada, ou a essa Waits que, depois da inclusão nos concertos de uma versão de Temptation com melódica e guitarra endemoniada, surge como homenagem directa, sem subterfúgios, ao mestre desalinhado da canção americana.
Os encantos deste disco são de outra dimensão. Escute-se Zoe llorando, peça simplicíssima. Duas guitarras acústicas. Acordes da primeira em bailado lento, o canto da segunda, melancólico, tristíssimo, magnífico: é canção de despedida, de coração despedaçado, de qualquer coisa que nos toca fundo. Estes são os Dead Combo de A Bunch of Meninos, uma banda que simplificou processos e que reduziu os elementos sonoros utilizados não ao indispensável mas ao estritamente necessário para que as canções continuassem a ter a capacidade nos transportar (para um lugar, para uma sensação).
Ouvimos Dona Emília e a dança liberta-se: é baile de festarola à séria mas deliciosamente indefinida. A linha da guitarra eléctrica faria as delícias de Omar Souleyman, o balanço seria apreciado sem reservas tanto na noite de Santo António lisboeta como no Dia dos Mortos mexicano. Atravessamos Dos rios e isto é uma ranchera com um pé no fado, outro no rock’n’roll, tocada com a naturalidade descomplexada de dois tipos que sabem ler na perfeição a música que lhes brota dos dedos.
Despedem-se com Hawai em Chelas e o título ajuda a ler a música: tem as reverberações de guitarra eléctrica que associamos à música daquelas latitudes solares, um motivo da outra guitarra, acústica, preso num loop que hiptoniza com discrição, e percussões para que o ambiente luxuriante sonhado se torne um pouco mais real.
Estamos numa praia em Chelas. Estamos em casa, sem o sabermos. Com os Dead Combo, próximos como nunca antes. Despidos à sua essência.
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Nesta altura, não há forma de serem misteriosos como outrora. Já são velhos conhecidos de uma década, já os vimos e ouvimos vezes sem conta, já brindámos a eles e com eles durante e depois de um concerto (metaforicamente, pelo menos). Os Dead Combo: uma banda que, pelo que fez desde Vol. 1, o primeiro, até Lisboa Mulata, o último, já tem lugar reservado na história da música feita por cá. Não vieram ocupar o lugar de ninguém, bem melhor do que isso: com contrabaixo e guitarra, com pianadas e melódicas, com baterias e metais dos convidados que se lhes foram juntando no caminho, levaram-nos a descobrir um lugar novo, criado por eles próprios. Hoje, já o conhecemos: tem fado e mariachis, tem jazz e estrépito rock’n’roll, tem África e as Caraíbas, tem bandas-sonoras dentro e também fotografias de fachadas, de velhas vielas e das pessoas que as ocupam. A Bunch Of Meninos, o álbum que editam na próxima segunda-feira, o quinto de estúdio, não modifica o que deles conhecemos. Isso, porém, não se revela uma fraqueza.
Só por ter sido baptizado com um título tão incrivelmente bom como A Bunch of Meninos, já sentimos vontade de lançar-lhe uma cascata de elogios. Mas, felizmente, não temos de ficar por aí. Entramos nele com Waiting for Nick, e deparamo-nos com aquele tom afadistado que não é fado e de tango lento que não é exactamente tango — eles movem-se agilmente entre fronteiras. Entramos por terreno conhecido e é bom estar de volta. A partir daqui percebemos. Percebemos que este A Bunch of Meninos é o disco mais descarnado e mais directo dos Dead Combo. Uma espécie de regresso a uma ideia de essência ou, melhor, das várias essências que compõem esta música vagabunda. Não provoca, portanto, um impacto imediato — excepção feita à canção-título, música de electricidade exposta e bateria bem marcada, ou a essa Waits que, depois da inclusão nos concertos de uma versão de Temptation com melódica e guitarra endemoniada, surge como homenagem directa, sem subterfúgios, ao mestre desalinhado da canção americana.
Os encantos deste disco são de outra dimensão. Escute-se Zoe llorando, peça simplicíssima. Duas guitarras acústicas. Acordes da primeira em bailado lento, o canto da segunda, melancólico, tristíssimo, magnífico: é canção de despedida, de coração despedaçado, de qualquer coisa que nos toca fundo. Estes são os Dead Combo de A Bunch of Meninos, uma banda que simplificou processos e que reduziu os elementos sonoros utilizados não ao indispensável mas ao estritamente necessário para que as canções continuassem a ter a capacidade nos transportar (para um lugar, para uma sensação).
Ouvimos Dona Emília e a dança liberta-se: é baile de festarola à séria mas deliciosamente indefinida. A linha da guitarra eléctrica faria as delícias de Omar Souleyman, o balanço seria apreciado sem reservas tanto na noite de Santo António lisboeta como no Dia dos Mortos mexicano. Atravessamos Dos rios e isto é uma ranchera com um pé no fado, outro no rock’n’roll, tocada com a naturalidade descomplexada de dois tipos que sabem ler na perfeição a música que lhes brota dos dedos.
Despedem-se com Hawai em Chelas e o título ajuda a ler a música: tem as reverberações de guitarra eléctrica que associamos à música daquelas latitudes solares, um motivo da outra guitarra, acústica, preso num loop que hiptoniza com discrição, e percussões para que o ambiente luxuriante sonhado se torne um pouco mais real.
Estamos numa praia em Chelas. Estamos em casa, sem o sabermos. Com os Dead Combo, próximos como nunca antes. Despidos à sua essência.