Já viste o Pauê surfar?
Na verdade, o que Pauê fez foi escolher viver. Imagino que se pudesse optar, voltando atrás 14 anos, preferiria o anonimato de então e poder voltar a andar sem próteses
O acidente aconteceu no Brasil. Um jovem de 18 anos atravessava uma linha desativada em São Vicente, litoral de São Paulo. Era início de noite e o local estava pouco iluminado. Pauê fizera aquele trajecto vezes sem conta. Nunca pensou que seria ali que a sua vida mudaria para sempre. Um comboio sem luz passou naquele instante e não o matou por muito pouco. Pauê perdeu parte das duas pernas.
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O acidente aconteceu no Brasil. Um jovem de 18 anos atravessava uma linha desativada em São Vicente, litoral de São Paulo. Era início de noite e o local estava pouco iluminado. Pauê fizera aquele trajecto vezes sem conta. Nunca pensou que seria ali que a sua vida mudaria para sempre. Um comboio sem luz passou naquele instante e não o matou por muito pouco. Pauê perdeu parte das duas pernas.
Os minutos que se seguiram pareceram horas. As horas, dias. Os dias, anos. Como poderia encarar a vida um jovem que amava o surf e que de repente se vê biamputado? Como poderia estruturar o seu futuro? Como poderia mentalmente resistir? A verdade é que em menos de três meses — com fisioterapia, próteses, determinação e muita persistência —Pauê não só voltou a andar como também a surfar, tornando-se o primeiro e único surfista biamputado do mundo.
Conheci o Pauê sete anos depois. Vi-o surfar. Vi-o correr na praia. Mas confesso que o que mais continua a impressionar-me é vê-lo sorrir. Pauê contagia o mundo inteiro. Hoje vive em Santos com a namorada, dá palestras por todo o Brasil (e não só), tendo lançado um filme e vários livros também. Licenciou-se em Fisioterapia, é rosto de várias campanhas publicitárias e ostenta no seu currículo vários títulos de triatlo: pentacampeonato do Troféu Brasil, medalha de bronze no Pan-Americano e de Campeão Mundial na categoria biamputados. Tem ainda outras vitórias em categorias isoladas — atação, ciclismo e corrida.
Na verdade, o que Pauê fez foi escolher viver. E da adversidade criou uma nova oportunidade, projectando nela o seu futuro. Imagino que se pudesse optar, voltando atrás 14 anos, preferiria o anonimato de então e poder voltar a andar sem próteses. Mas não sendo essa uma opção, prefere continuar a lutar pela vida e fazer dela o que sempre quis.
Quando falo com Pauê inspiro-me na sua história. E deixo-me contagiar pela sua enorme positividade, imaginando quanto teríamos a ganhar se usássemos a mesma fórmula. Se dos cacos fizéssemos vasos e neles deixássemos crescer flores. Se da crise, dos despedimentos, das dificuldades actuais fizéssemos novas oportunidades de construir o país.
Imagino que não seja possível. Que é ainda assim mais fácil para um jovem de 18 anos perder as duas pernas e parte das ambições. Que mesmo que quiséssemos o Governo não ia deixar. Que a concorrência externa é muito forte. Que o dólar pode subir. Que a inflação pode aumentar. Que a conjuntura não o permite. Que pena... Já viste o Pauê surfar?