O Ocidente foi “um bocadinho triunfalista” em relação à Rússia
Terceira parte da entrevista a Rui Machete.
Vivemos um tempo de egoísmos nacionais na União Europeia (UE). O federalismo é a forma de os combater?
Se quer uma resposta curta, acho que não. É uma forma um pouco simplista arrumar o problema em termos de federalismo, não federalismo. Temos uma indiscutível vantagem em pertencer à UE, somos um país europeu e, simultaneamente, um país com uma costa atlântica que nos dá o carácter de um país atlântico e não exclusivamente continental. A pertença à Europa dá-nos vantagens importantes, desenvolve as nossas potencialidades num espaço económico, político e cultural muito significativo, em que as coisas têm de ser dominadas pelo pragmatismo e não por ideologias generalistas e superficiais em relação ao que está em jogo. Para nós é importante que a Europa seja relativamente integrada, do ponto de vista económico forte e que nos dê oportunidades de comércio, que vivamos agregados a um conjunto de países que têm características comuns, mas não podem os esquecer que isso não nos deve levar a abandonar a dimensão para o outro lado do Atlântico, a norte e sul, e o lado africano. Temos de encontrar fórmulas de conjugar esses aspectos, o que um federalismo puro e simples não permitiria. E, aliás, não é realista como a experiência tem vindo a revelar. Há certos aspectos de maior integração que são importantes, a união bancária para o funcionamento da economia é evidentemente muito importante, já se levarmos ao extremo a integração orçamental isso tornar-se-á um pouco difícil.
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Vivemos um tempo de egoísmos nacionais na União Europeia (UE). O federalismo é a forma de os combater?
Se quer uma resposta curta, acho que não. É uma forma um pouco simplista arrumar o problema em termos de federalismo, não federalismo. Temos uma indiscutível vantagem em pertencer à UE, somos um país europeu e, simultaneamente, um país com uma costa atlântica que nos dá o carácter de um país atlântico e não exclusivamente continental. A pertença à Europa dá-nos vantagens importantes, desenvolve as nossas potencialidades num espaço económico, político e cultural muito significativo, em que as coisas têm de ser dominadas pelo pragmatismo e não por ideologias generalistas e superficiais em relação ao que está em jogo. Para nós é importante que a Europa seja relativamente integrada, do ponto de vista económico forte e que nos dê oportunidades de comércio, que vivamos agregados a um conjunto de países que têm características comuns, mas não podem os esquecer que isso não nos deve levar a abandonar a dimensão para o outro lado do Atlântico, a norte e sul, e o lado africano. Temos de encontrar fórmulas de conjugar esses aspectos, o que um federalismo puro e simples não permitiria. E, aliás, não é realista como a experiência tem vindo a revelar. Há certos aspectos de maior integração que são importantes, a união bancária para o funcionamento da economia é evidentemente muito importante, já se levarmos ao extremo a integração orçamental isso tornar-se-á um pouco difícil.
Há quem acredite que se a Europa não quer desaparecer e tornar-se irrelevante a 20 ou 30 anos, é necessária uma união mais forte a todos os níveis. Talvez não seja tão absurdo.
Não digo que seja absurdo. Nesta matéria, temos de ser extremamente realistas e fazer a política mais adequada para Portugal. Uma política não baseada em teorias gerais mas partindo de problemas concretos. Estou de acordo que não é útil uma atitude divisiva em relação à europa, não devemos favorecer separações de Estados que não têm uma justificação histórica absolutamente evidente…
Está a falar da Escócia e da Catalunha?
Inclusivamente do próprio afastamento da Grã-Bretanha. Não me parece útil, acho que devemos ter uma política de acomodação que permita que a Grã-Bretanha continue a pertencer a um quadro institucional europeu. Pode ser um pouco diferente, são acomodações, mas a divisão entre a Europa do norte e do sul, haver um eixo que envolva um directório, que separe claramente a posição da Alemanha e da França da dos outros países membros, parece-me uma política negativa. Devemos procurar um certo tipo de unidade funcional que admita as diferenças e seja livre de permitir que Portugal tenha as relações especiais com os países africanos, com os Estados Unidos e com o Brasil.
O federalismo não impediria isso.
Depende do tipo. Não vê a Califórnia a ter relações internacionais como se fosse um Estado independente. Interessa-nos uma Europa cada vez mais forte economicamente e na acção política porque isso é importante para uma atitude concertada fundamentalmente com os Estados Unidos e o Canadá, e que permita atrair, porque a força atractiva da Europa não acabou como se vê no caso da Ucrânia. Devemos caminhar para que o euro se fortaleça, as instituições de uma política de defesa e de política externa, em que haja uma divisão de trabalho, se possam realizar. Com isto não estou a advogar uma política antagónica em relação à Ásia. Mas temos de começar a unidade de acção e a harmonia pelas proximidades.
Acha o federalismo uma fantasia?
Não. Acho que vai haver instituições que podem ser classificadas como comuns ao tipo do Estado federal. O que não vejo é a ideia de que se tem de construir a régua e esquadro ou criar as instituições típicas dos Estados federais, com exclusão de outras liberdades ou características suigeneris da Europa. Isso deve-nos levar a uma atitude pragmática de colaboração. Há aspectos de colaboração orçamental e fiscal que são importantes, mas já termos um orçamento europeu esmagador e que impeça a existência de orçamentos nacionais com autonomia, parece-me mais difícil. Sou um europeísta convicto mas não partidário de uma União Europeia configurada a exemplo e à semelhança dos Estados Unidos.
Como se pode travar a extrema-direita na Europa que nasce dessas fissuras?
Os cépticos europeus não são todos de extrema-direita. Não podemos simplificar e dizer que não têm razão em nenhuma das suas críticas.
A extrema-direita assusta-nos mais.
Comungo da sua posição, mas a verdade é que há críticas que são justas e, por outro lado, chamam a atenção para coisas que têm de ser modificadas. Todos nós nos queixamos do excessivo carácter regulador de Bruxelas e das instituições da Comissão Europeia. Em todo o caso, a meu ver, o trabalho da Comissão Europeia não pode ser visto negativamente.
Tem receio do resultado das eleições europeias à luz do crescimento esperado da extrema-direita? Que resposta pode dar a Europa para este problema?
As eleições são uma incógnita, sobretudo se a análise for muito fina. Uma das respostas é realizar algumas das reformas económicas importantes e evitar uma certa dureza do ponto de vista social.
Suavizar políticas de ajustamento?
Por exemplo, mas as políticas de ajustamento são importantes. As instituições europeias devem aperfeiçoar-se, há uma proposta da comissão para acordos com Estados membros para desenvolvimentos específicos de certos projectos de investimento, contractos interactivos “à la carte”. Para encontrar outras vias além dos programas tradicionais.
Da Europa de hoje desapareceu a ideia de Helmut Khol de que a Europa significa paz?
A Comunidade Europeia nasceu de um projecto muito concreto de evitar um novo conflito entre a Alemanha e a França, foi a origem histórica, e é uma zona de paz. T4emndo em vista o que se está a passar na Ucrânia, provavelmente este espaço seria incendiado se não fossem as instituições europeias. Considero muito importante não abandonar o projecto de atrair a Federação Russa para o lado do Ocidente.
Atrair como?
A integração tem vários aspectos. Considero negativo que abandonássemos a hipótese de ter relações cada vez maiores de cooperação com a Federação Russa.
Como se acomoda Moscovo, sem Putin se sentir humilhado?
Um dos problemas que surgiu, depois da época Gorbatchov, foi a forma um bocadinho triunfalista como se agiu em relação ao mundo eslavo e, em particular, à Rússia. Houve um momento em que se considerou o triunfo do capitalismo, das instituições dominantes nos Estados Unidos e na Europa, esquecendo que há outras realidades e factores. Que importa não fazer humilhações desnecessárias dos povos que têm a sua história e orgulho.
A Ucrânia precisa de paz, de dinheiro…
Neste momento ainda é prematuro julgarmos que esta paz está consolidada. O interesse da União Europeia em encontrar uma fórmula de estabilização da Ucrânia que não tem necessariamente de se traduzir em que a Ucrânia se torne membro, leva a pensar que alguns sacrifícios económicos e financeiros pesados vão ter de ser aceites. Encontrou-se uma solução que permitiu, rapidamente, que a paz fosse devolvida às ruas, um caminho para retomar a normalidade.
Qual a posição de Portugal face à possível independência da Catalunha e da Escócia?
Como princípio geral, vemos com preocupação tudo o que contribua para uma atitude divisiva, mas não nos pronunciamos sobre as questões internas de Espanha ou da Grã-Bretanha.
Se houver referendo na Catalunha, em Novembro, e ganhar o sim, isso coloca um problema novo à União Europeia.
Nessa eventualidade teremos de decidir. Não me posso pronunciar, mas como jurista digo que é uma realidade complexa.
Como gostaria de ver recordada a sua passagem à frente da diplomacia portuguesa? Que gostaria que atribuíssem a Rui Machete?
Gostava de poder dar um contributo positivo e sério para a situação no Golfo da Guiné, que tem implicações na pirataria internacional, no tráfico de droga, corrupção, na passagem do narcotráfico para os países do Sahel e depois para a Europa. O que envolve o restabelecimento de relações entre países africanos entre si e implica articulação com a UE, NATO e os Estados Unidos. Envolve diplomacia mais ou menos pura, aspectos de cooperação, militares e de segurança. Diminuir e limitar os actos de pirataria é possível. Como evitar migrações que levem terroristas da Líbia para Itália. Gostava que Portugal pudesse contribuir de uma maneira decisiva, superior à sua capacidade em termos militares, para esta tarefa que é de grande envergadura. Este problema vai ser discutido em Maio, em Bruxelas. Outro aspecto importante é que a CPLP adquira um significado económico que, neste momento, ainda não tem…
Ainda não tem?
É um significado de circulação e cooperação dos países com outro impacto na vida de cada país. A CPLP começou com uma preocupação de ordem cultural, mas é importante que adquira um significado relevante do ponto de vista económico. Por fim, estamos também muito interessados no desenvolvimento da segurança no mediterrâneo ocidental, pelo que é relevante a reunião que vamos realizar com os cinco países do norte e os cinco do sul da área ocidental do mediterrâneo, que será acompanhada de uma conferência sobre a defesa e o desenvolvimento, ambas em Lisboa.