“Não temos razões para duvidar” da palavra da Guiné Equatorial

Durante duas horas, o chefe da diplomacia portuguesa faz o primeiro balanço. Angola, Ucrânia, Europa e, como não?, o futuro da CPLP.

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Há quatro meses recebeu muitas críticas por ter sugerido que Portugal deveria ter taxas de juro a 4,5% para evitar um segundo resgate. Hoje, com taxas a 4,8%, sente-se confortado?
Quando citei esse número não pretendi especificar que essa era a altura de fazer qualquer operação financeira. Isso era com o Ministério das Finanças, com o primeiro-ministro ou com o Governo em geral. Foi para significar que era preciso um esforço colectivo para debelar a crise. E que, para isso, era importante que a taxa de juro baixasse para um nível aceitável, tanto poderia ser 4,5, 3,45 ou 5%, mas que não era comportável aquela. Só quis dizer isso.

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Há quatro meses recebeu muitas críticas por ter sugerido que Portugal deveria ter taxas de juro a 4,5% para evitar um segundo resgate. Hoje, com taxas a 4,8%, sente-se confortado?
Quando citei esse número não pretendi especificar que essa era a altura de fazer qualquer operação financeira. Isso era com o Ministério das Finanças, com o primeiro-ministro ou com o Governo em geral. Foi para significar que era preciso um esforço colectivo para debelar a crise. E que, para isso, era importante que a taxa de juro baixasse para um nível aceitável, tanto poderia ser 4,5, 3,45 ou 5%, mas que não era comportável aquela. Só quis dizer isso.

A taxa de 4,8% é suficiente?
Não faço esse juízo. O mais baixo possível é útil para o país. A descida da taxa indicia que estamos claramente a melhorar e vamos melhorar mais. Isso significa confiança nos mercados e viabilidade da opção que escolhemos.

Em relação às hipóteses em cima da mesa, programa cautelar e saída limpa, qual lhe parece a melhor?
Vamos ter de ajuizar mais perto. A meu ver há duas coisas importantes. Termos uma atitude responsável e consciente de que, terminado o período da troika, temos de ser ainda mais cautelosos do que agora, mesmo que estejamos obrigados a uma disciplina legal. O segundo ponto, é que a situação mais favorável dá-nos a liberdade de escolher a opção. Neste momento ainda é cedo. A Irlanda só escolheu um mês antes, e nós faremos o mesmo.

É ponto assente que este programa acaba a 17 de Maio?
É ponto assente que este programa acaba a 17 de Maio. Pode haver depois, por razões puramente procedimentais mais uns dias para apurar um ou outro aspecto. Mas o programa em si, do ponto de vista jurídico e das nossas obrigações, acaba a 17 de Maio.

Mas o que é preciso apurar?
São coisas internas do FMI que não têm nenhuma relevância do ponto de vista da vigência (do programa]

Do ponto de vista político isso cria alguns problemas ao Governo que queria que antes das eleições de 25 de Maio o dossiê estivesse encerrado.
Não sei se á entes ou depois. São problemas internos do FMI. Se for explicado o que é o problema, que tem a ver com os procedimentos que o FMI adopta e de quando reúnem os seus órgãos, não tem nenhuma relevância. Isso será explicado. Do ponto de vista jurídico o programa acaba a 17 de Maio, não há dúvidas nenhumas.

Temos sido confrontados com a emissão de vistos gold para potenciais investidores. Que critérios diplomáticos são seguidos?
Não são propriamente critérios diplomáticos. Os vistos gold são de residência, não têm nada a ver com a concessão de nacionalidade em resultado de investimentos. São vistos para estimular o investimento, que variam do ponto de vista quantitativo se se trata de aquisição de casa ou de investimentos propriamente ditos.

É uma autorização de residência que tem consequências no espaço europeu.
É uma autorização de residência que tem consequências no espaço europeu e, por isso, é sujeita a um critério rigoroso. Não basta ter dinheiro para investir, é necessário ser aceite o pedido de residência.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros tem algum papel nessa estratégia?
Tem. O Ministério recebe o pedido, o Ministério do Administração Interna tem o papel do controlo do visto, na perspectiva de não criar problemas no espaço europeu.

Quais foram os critérios para a admissão da Guiné Equatorial na CPLP?
Há uma história que explica como a decisão foi tomada. A Guiné Equatorial apresentou o seu pedido de passagem de observador a membro permanente em 2010, em 2011 os membros da CPLP fixaram um roteiro do qual constavam diversos requisitos que deviam ser realizados e que produzia uma aproximação ao modelo completo do Estado de Direito, um processo que tem de se desenrolar na histórica com algum tempo, é inevitável que assim aconteça. Desse modelo, por iniciativa portuguesa, para além da Constituição, da separação de poderes, do ensino da língua portuguesa, entre outros, passou a fazer parte uma moratória sobre a pena de morte. Tirar a vida é a negação mais forte dos direitos fundamentais.

É, historicamente, uma questão de princípio para Portugal.
É uma questão de princípio para Portugal e para os princípios da CPLP. A verificação do cumprimento desse roteiro foi feita nesta reunião [dos ministros dos Negócios Estrangeiros, em Maputo, a 20 de Fevereiro] e o compromisso que todos os países da CPLP tinham tomado, de que se verificassem a realização dos pressupostos inscritos no roteiro, era de que haveria uma recomendação para que a cimeira próxima (no Verão, em Dili] autorizasse o ingresso da Guiné Equatorial.

Nesta questão, que segurança deu a Guiné Equatorial a Portugal, que esteve sempre isolado…
Portugal foi o país com maiores exigências nesse capítulo…

O único, pelo que percebemos.
Sim, os outros acompanharam-nos, a decisão foi tomada numa reunião de todos os países da CPLP, a decisão não foi apenas portuguesa.

Mas desde 2010, Portugal tem estado sistematicamente isolado contra a entrada…
Exigindo a realização de um determinado número de pressupostos mínimos e indispensáveis. A garantia dada é uma garantia solene feita pelas afirmações do ministro dos Negócios Estrangeiros da Guine Equatorial na reunião de Maputo em nome do Estado da Guiné Equatorial.

Portugal já viu a legislação, o tal dispositivo legal…
Numa questão deste género, o que há é tomar em consideração a declaração solene que é feita. Evidentemente que isso teria consequências graves se fosse falso, mas não temos razões para pensar isso.

Um dia depois dessa garantia solene, não escrita…
Foi registada em acta.

Mas não escrita, não foi apresentado um documento, uma disposição constitucional, algo que mudasse o ordenamento jurídico da Guiné Equatorial nesse sentido. Mas um dia depois da reunião de Maputo há uma denúncia de que, no tempo de monotorização do roteiro, em duas semanas houve nove execuções sumárias. Que comentário isto lhe suscita?
Não fiz nenhuma investigação, mas o que posso dizer é que houve uma garantia solene de que a partir do dia 13 deste mês, se registava uma suspensão das sentenças condenatórias da pena de morte em todo o território da Guiné Equatorial e de que, proximamente, quando a Assembleia se reunir, suponho que é daqui a quatro meses ou cinco meses, seria apresentado um pedido formal de revogação da pena de morte. Esta foi a declaração feita e é a declaração que, até este momento, não temos razão nenhuma para pensar que não seja verdadeira.

Pode dar a garantia aos portugueses de que se não houver cumprimento integral dessa promessa solene, Portugal veta na cimeira de Dili a adesão da Guiné Equatorial?
Se houver uma violação do prometido, por mera hipótese apenas, é evidente que a nossa posição teria de ser reponderada.

No sentido do veto?
No sentido de ser reponderada, é o que posso dizer. Aceita-se um pressuposto, se esse pressuposto não existisse, teria que ser revisto.

A sua leitura é que se provar que a Guiné Equatorial não mudou a lei, isso significa o fim da CPLP?
A Guiné Equatorial declarou que havia um decreto presidencial fazendo a suspensão [da pena de morte] Portanto, não tenho nenhumas razões para duvidar disso. Naturalmente que os países não fazem declarações solenes numa assembleia de outros Estados igualmente soberanos permitindo-se faltar à verdade. Isso não é uma hipótese que se ponha na vida internacional, a não ser em circunstâncias excepcionalíssimas e gravíssimas que não temos razão para pensar que aconteçam.

Avalia de forma diferente a promessa solene que foi feita e a denúncia feita depois?
Não houve contradição.

O que pergunto é se a denúncia lhe merece menos crédito que a promessa solene?
Não são coisas comparáveis porque as datas são diferentes. A Guiné Equatorial comprometeu-se a partir daquele data [13 de Fevereiro] e não temos razão para pensar que assim não aconteça.

É um pouco difícil compreender a forma relativamente fácil como isto acabou por ser aceite. Mesmo que apareça o tal dispositivo legal, que ninguém viu, há um país que em 2014 não tinha pruridos em viver e a aplicar a pena de morte, e que agora aprece como um país novo.
Não vou comentar a vida interna dos países e, neste caso, da Guiné Equatorial, mas queria sublinhar que a evolução histórica demonstra que os países começaram por ter pena de morte e depois a abandonaram. Ainda há alguns países que a têm, países considerados mais adiantados na realização do Estado de Direito. Portanto, isso é um fenómeno natural. O que nos interessou no roteiro foi o progresso que se foi registando ao percorrer as diversas condições impostas.

O que traz de bom a Guiné Equatorial à CPLP?
A CPLP tem de ser pensada como uma realidade dinâmica que ganha importância não só na expansão da cultura e da língua portuguesa como na capacidade de reunir esforços de países do ponto de vista económico. Isso tem a sua importância se queremos que a CPLP tenha significado no mundo.

Há quem diga que, com a adesão da Guiné-Equatorial, a CPLP passa a ser uma organização com matérias-primas, nomeadamente os petro-Estados. Isso não altera o carácter inicial da CPLP?
Não pensamos que seja assim. Os países têm características muito diferentes.

Mas é evidente que os petro-Estados mandam mais hoje na CPLP do que mandavam na fundação.
Do ponto de vista jurídico somos todos iguais.

Mas do ponto de vista da decisão política, acabou de admitir há pouco que Portugal esteve sozinho nas objecções que foi pondo.
Foi mais exigente para manifestar o seu voto, é verdade. Mas não podemos partir do princípio de que há países donos da CPLP. A CPLP é uma instituição em que cada país tem um voto e que esse voto não vale mais que o voto dos outros países.

Como se calibram as exigências a nível dos direitos humanos?
[Sorriso]. Essa é uma pergunta difícil, depende do tipo de direitos humanos considerados. Há uns que é tudo ou nada, por exemplo a vida é tudo ou nada, daí a enorme importância do critério. Há outros que têm graus de realização, têm, portanto, um carácter gradual quanto à sua realização.

Sente-se confortável?
Sinto-me confortável. Portugal estabeleceu com os outros membros da CPLP um roteiro, as coisas foram cumpridas e tínhamos de honrar aquilo que dissemos.

Não sente um embaraço, que há uma vergonha para o país?
Já disse que Portugal assumiu um compromisso, aliás um compromisso de um Governo anterior ao meu mas o Estado é o mesmo, e portanto não se podem negar os compromissos assumidos.

Se começasse do zero, voltava atrás?
Não tenho que recriar uma situação hipotética.

Se o Estado é uma continuidade, há também a possibilidade de um Estado concluir que não tem capacidade de dar luz verde. Pode dizer que o dispositivo legal apareça escrito.
Na vida internacional, como na vida em sociedade, estabelecem-se parâmetros. Neste caso entendeu-se que se devia estabelecer um roteiro, aceitou-se. Esse roteiro foi decidido.

Foi difícil tomar a decisão? Falou com Passos Coelho?
Não posso entrar em pormenores. Houve uma concertação sobre a atitude concreta face aos interesses em jogo entre os órgãos de soberania com competência na matéria.

Também com o Presidente da República?
Inclusive o senhor Presidente da República.

Como explica a complacência do Brasil, uma das grandes democracias mundiais?
Não me vou pronunciar sobre as posições dos outros países membros.

Que autoridade moral tem a partir de agora Portugal para impor situações democráticas à Guiné-Bissau?
De uma maneira simples diria que num caso há um progresso e no outro, o da Guiné-Bissau, que se verifica um retrocesso em relação Estado de Direito. Isto é, desejamos que a Guiné-Bissau regresse ao estádio já desenvolvido que atingiu e que foi quebrado com o golpe militar em 2012.

Como também desejamos que as promessas solenes do ministro de Malabo sejam verdade?
Claro. Desejamos e não temos nenhum, motivo para não acreditar nas declarações solenes. Nós não somos um notário. Foram feitas declarações pelo representante de um país soberano, com toda a responsabilidade que isso envolve, e neste momento é para nós suficiente para preencher o roteiro.

Não se abriu uma caixa de Pandora de incumprimentos de questões essenciais na CPLP?
De incumprimento, não. As organizações têm a sua dinâmica e foi considerado que era importante ajudar aquele país [a Guiné Equatorial], com que muitos dos Estados membros têm laços históricos importantes, exigindo passos num determinado sentido.

Portugal não tem laços históricos importantes.
Uns países têm uns, outros têm outros, em épocas diversas. Cada país considerou os seus interesses e votou de acordo com o que considerou adequado.

Com este isolamento, sente que Portugal passou para um segundo plano na CPLP?
Portugal viu realizado em geral o êxito do projecto da CPLP. A língua foi o primeiro factor identitário da CPLP, mas hoje é manifesto que os diversos membros da CPLP consideram que a língua não é exclusivamente uma “propriedade” de Portugal mais um factor de união entre os seus membros.