Putin diz a Merkel que acção na Crimeia é "apropriada"
NATO acusa a Rússia de "estar a ameaçar a paz na Europa". Líder da marinha ucraniana promete lealdade "ao povo da Crimeia" e já foi demitido. Conselheiros de Putin condenam intervenção.
Vladimir Putin defendeu que a mobilização militar na Crimeia é "apropriada" tendo em conta a ameaça de grupos "ultra-nacionalistas", durante uma conversa telefónica este domingo com a chanceler alemã, Angela Merkel, citada pela Interfax. Os dois líderes concordaram quanto à manutenção de conversações entre as duas capitais para tentar alcançar a "normalização" da situação na Ucrânia.
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Vladimir Putin defendeu que a mobilização militar na Crimeia é "apropriada" tendo em conta a ameaça de grupos "ultra-nacionalistas", durante uma conversa telefónica este domingo com a chanceler alemã, Angela Merkel, citada pela Interfax. Os dois líderes concordaram quanto à manutenção de conversações entre as duas capitais para tentar alcançar a "normalização" da situação na Ucrânia.
O governo alemão revelou que Putin concordou com a formação de uma equipa de mediadores que possa abrir a possibilidade de diálogo entre os dois países.
O primeiro-ministro da Rússia, Dmitri Medvedev, afirmou que Moscovo está disposto a desenvolver laços com a Ucrânia, mas não com os actuais governantes, que "tomaram o poder através de um banho de sangue". Apesar de reconhecer que Ianukovich já não tem autoridade, Medvedev disse que ele é ainda o líder legítimo. "Se ele é culpado perante a Ucrânia, então iniciem um procedimento de destituição e processem-no", defendeu o número dois do poder russo, através do Facebook.
A acção militar na Ucrânia já mereceu a condenação dos conselheiros de Putin para os direitos humanos. "É verdade, há casos conhecidos de ilegalidades e violência levados a cabo por representantes de várias forças políticas", afirma o Conselho Presidencial para o Desenvolvimento da Sociedade Civil e Direitos Humanos, citado pela Reuters.
"Mas o uso de força militar externa, ligada à violação da soberania de um Estado vizinho e em contradição com as obrigações internacionais da Rússia, é compltamente inapropriada em relação à escala das violações", acrescentou o órgão.
Os Estados Unidos já anunciaram que não irão à cimeira do G8 marcada para Junho, em Sochi, na Rússia, por causa da intenção de Moscovo de intervir na Ucrânia - ou pelo menos na Crimeia, para "proteger os cidadãos russófonos" e a base da frota naval russa do Mar Negro. "Mas para além de não ter a cimeira do G8, o Presidente Vladimir Putin pode não ficar sequer no seio do G8", avisou John Kerry. "Se quer ser um país do G8, tem de se comportar como um país do G8", admoestou o secretário de Estado norte-americano. O secretário de Estado vai estar em Kiev na terça-feira para se encontrar com o novo governo interino.
E numa altura em que, a par das preocupações em torno de uma possível intervenção, os novos líderes ucranianos se vêem a braços com uma situação económica crítica, os EUA procuram "garantir tanto apoio quanto a Ucrânia precisar". Para isso, "os EUA estão preparados para trabalhar com os seus parceiros bilaterais e multilaterais", explicou o secretário do Tesouro, Jack Lew.
A França e o Reino Unido também anunciaram que não irão à cimeira do G8 de Sochi. Berlim levanta algumas reservas quanto à possível exclusão da Rússia do Grupo dos Oito. "O formato do G8 é o único onde nós, os ocidentais, podemos falar directamente com a Rússia e deveríamos verdadeiramente sacrificar esse formato único?", questionou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Frank-Walter Steinmeier, em entrevista ao canal público alemão ARD.
"O que a Rússia fez na Ucrânia viola os princípios da Carta das Nações Unidas. Ameaça a paz e a segurança na Europa", afirmou o secretário-geral da NATO, Anders Fogh Rasmussen, antes de entrar para uma reunião em Bruxelas que se iniciou ao meio-dia. Os 28 países da NATO reuniram-se de emergência à hora de almoço, antes de um encontro com dirigentes da Ucrânia, um país aliado mas que não faz parte da Aliança Atlântica.
Os membros da Aliança concordaram quanto ao envio de observadores internacionais para a Ucrânia através do Conselho de Segurança da ONU ou da OSCE.
Para além da Crimeia, no Leste do país a população é maioritariamente russófona, e tem havido manifestações pró-russas. O ministro dos Negócios Estrangeiros do governo provisório de Kiev, Andri Deshchitsia, pediu à NATO que "examinasse todas as possibilidades para proteger a integridade territorial e a soberania da Ucrânia."
O chefe da Marinha ucraniana, Denis Berezovski, jurou este domingo "fidelidade ao povo da Crimeia", segundo algumas agências locais, citadas pela BBC. As suas declarações foram interpretadas como uma demonstração de apoio à intervenção russa, apenas um dia depois de ter sido nomeado para o posto. O procurador-geral vai abrir uma investigação por "alta traição", segundo a Interfax-Ucrânia.
Berezovski é acusado de não ter oferecido resistência durante a tomada de uma base naval em Sebastopol, segundo a vice-secretária do Conselho de Segurança da Ucrânia, Viktoria Siumar, citada pela Reuters. Foi entretanto nomeado Sergei Haiduk como novo responsável máximo pela Marinha, avançou a Interfax-Ucrânia.
O primeiro-ministro da Crimeia, Sergei Aksenov, afirmou que "os comandantes que forçarem os seus subordinados a cometer acções ilegais serão punidos de acordo com as leis existentes". Aksenov, que não é reconhecido pelas autoridades de Kiev, apelava aos militares para ignorarem as ordens do novo governo interino.
"Declaração de guerra"
Desde a semana passada que a Rússia tem cerca de 150 mil soldados estacionados perto da fronteira com a Ucrânia, inicialmente envolvidos em manobras militares para "manter a forma", segundo o Kremlin. A Reuters nota que ainda não há relatos de que essas tropas tenham ultrapassado a fronteira.
"Isto já não é uma ameaça: é uma declaração de guerra contra o meu país", afirmou o primeiro-ministro das novas autoridades de Kiev, Arseni Iatseniuk, que assumiram o poder após a deposição do Presidente Viktor Ianukovich, que está refugiado na Rússia.
A eventualidade de um conflito armado está já a ser antecipada por Kiev. "Temos de demonstrar que temos a nossa própria capacidade para nos protegermos, como foi decidido hoje [domingo] no parlamento", afirmou o embaixador ucraniano na ONU, Iuri Sergeiev, em entrevista à CNN. "Se a escalada continuar, com as tropas russas a aumentar a sua quantidade de hora a hora, naturalmente que vamos pedir apoio militar e outro tipo de ajudas", acrescentou.
No sábado, após uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU, Sergeiev revelou que estariam 15 mil soldados russos na Crimeia. Há relatos de que o quartel-general da guarda fronteiriça ucraniana, em Simferopol, foi tomado por um grupo de "homens armados não identificados", segundo a agência UNIAN. Mais tarde, aos mesmos homens juntaram-se soldados do exército russo, diz a agência.
A base militar ucraniana em Perevalne foi cercada por homens não identificados, que seguiam em 13 camiões e quatro carros armados. Cada camião transportava 30 tropas, segundo a AP, que notou que os veículos apresentavam matrículas russas.
A marinha ucraniana mantém o controlo sobre os dez navios estacionados em Sebastopol, confirmou à Reuters um responsável, que acrescentou que a frota se mantém fiel a Kiev, contrariando algumas informações anteriores.
O telefonema de Obama
Durante esta madrugada, o Presidente norte-americano, Barack Obama, falou ao telefone com o seu homólogo russo, Vladimir Putin, e numa longa conversa de 90 minutos exigiu-lhe que retire as forças militares deslocadas na Ucrânia. Preveniu-o para o risco de isolamento internacional da Rússia, se persistir numa intervenção militar.
Os movimentos de tropas russas são uma “clara violação da soberania e integridade territorial da Ucrânia, o que é uma infracção à lei internacional”, disse Obama a Putin, de acordo com o relato da presidência dos Estados Unidos.
O Presidente norte-americano apelou à Rússia para “fazer baixar a tensão retirando as suas forças para as suas bases na Crimeia” e para se “abster de toda a interferência”. Obama disse também que a “continuação da violação da lei internacional pela Rússia levará a um maior isolamento político e económico”.
Um alto responsável norte-americano disse à AFP, sob anonimato, que o diálogo entre Obama e Putin foi “franco e directo”.
Na sua versão da mesma conversa, o Kremlin informou que Putin declarou a Obama que a Rússia tem o direito de “proteger os seus interesses e as populações russófonas” em caso de “violências” no Leste da Ucrânia e na Crimeia.
Putin referiu-se à “verdadeira ameaça que pesa sobre as vidas e a saúde dos cidadãos russos no território da Ucrânia” e às “acções criminosas dos ultranacionalistas apoiados pelas actuais autoridades de Kiev”, segundo a mesma fonte.
Após a conversa, o Governo de Washington declarou “reconhecer os laços históricos e culturais sólidos entre a Rússia e a Ucrânia, e a necessidade de proteger os direitos russófonos e das minorias” no país. A fonte citada pela AFP disse que Obama afirmou a Putin que “se a Rússia está inquieta com o tratamento dos russófonos e das minorias na Ucrânia, a forma apropriada de tratar o assunto é dirigir-se directamente ao governo ucraniano”.
Obama “disse claramente que a continuação das violações da soberania e da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia teria consequências negativas para o papel da Rússia no seio da comunidade internacional”.
Diplomatas em acção
No sábado, a equipa de segurança nacional dos Estados Unidos reuniu-se na Casa Branca para examinar as opções políticas para lidar com a crise da Ucrânia. Segundo a AFP, Obama não esteve presente mas foi posto ao corrente pela conselheira de segurança nacional, Susan Rice.
Obama falou também, separadamente, com os líderes de pelo menos dois dos principais aliados dos Estados Unidos – o Presidente da França, François Hollande, e o primeiro-ministro do Canadá, Stephen Harper. O Canadá chamou de regresso a Otava o seu embaixador em Moscovo.
Na reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, também na noite de sábado, a embaixadora norte-americana, Samantha Power, disse que é “tempo de a Rússia pôr fim à sua intervenção” e denunciou acções que “violam a soberania da Ucrânia e ameaçam a paz e a segurança”.
O Conselho da Federação russa, câmara alta do Parlamento, aprovou por unanimidade no sábado um pedido de Putin para recurso ao Exército russo na Ucrânia. No entanto, cabe ao Presidente russo dar ordem para que a intervenção se inicie, o que ainda não aconteceu, garante o Kremlin.
Em Moscovo realizaram-se este domingo duas manifestações anti e pró-intervenção russa na Ucrânia. Segundo a AP, cerca de 50 pessoas foram detidas pela polícia durante um protesto na Praça Vermelha que criticavam a decisão de Putin. Numa manifestação de apoio à acção militar, juntaram-se dez mil pessoas, embora algumas pessoas entrevistadas pela agência noticiosa tenham afirmado terem sido forçadas a participar.