Intervenção do metro na Avenida dos Aliados não a tornou mais atractiva
As transformações do espaço da Avenida dos Aliados e da sua envolvente, ao longo de 150 anos, dão hoje lugar a novos desafios.
Isto não quer dizer que a artéria central do Porto tenha perdido a sua função de acolhimento de grandes grupos de pessoas – sejam manifestações políticas, os festejos pelas vitórias do FC Porto ou os cortejos universitários -, que já possuía antes da intervenção dos arquitectos Siza Vieira e Souto de Moura. A avenida só não conseguiu passar de “sala de estar” da cidade ao seu “salão”, como preconizava o anterior presidente da câmara, Rui Rio. “Não me parece que tenha existido qualquer tipo de efeito sensível por via da intervenção do metro. O fluxo normal das pessoas ali é o de atravessamento. As pessoas não usam a praça nem a avenida. É quase uma não praça, um não espaço. Não há uma apropriação da praça como espaço de estar ou de percorrer. É quase só um espaço de atravessar. A este nível, aquela intervenção é um falhanço”, defende Rio Fernandes.
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Isto não quer dizer que a artéria central do Porto tenha perdido a sua função de acolhimento de grandes grupos de pessoas – sejam manifestações políticas, os festejos pelas vitórias do FC Porto ou os cortejos universitários -, que já possuía antes da intervenção dos arquitectos Siza Vieira e Souto de Moura. A avenida só não conseguiu passar de “sala de estar” da cidade ao seu “salão”, como preconizava o anterior presidente da câmara, Rui Rio. “Não me parece que tenha existido qualquer tipo de efeito sensível por via da intervenção do metro. O fluxo normal das pessoas ali é o de atravessamento. As pessoas não usam a praça nem a avenida. É quase uma não praça, um não espaço. Não há uma apropriação da praça como espaço de estar ou de percorrer. É quase só um espaço de atravessar. A este nível, aquela intervenção é um falhanço”, defende Rio Fernandes.
E um falhanço que se estende à própria estação de metro situada na avenida, reclama. “A estação dos Aliados praticamente não existe. A Trindade é a grande estação da zona e mesmo o comboio em S. Bento continua a ter muito mais importância. Isto cruza-se com o tema da requalificação da avenida, paga pelo metro, e faz-nos questionar para que é que ela serviu. Leva-nos a pensar que o projecto foi dinheiro mal gasto, haveria melhores lugares para fazer intervenção no espaço urbano, como Campanhã ou a Areosa”, defende Rio Fernandes.
As conclusões do professor da Universidade do Porto, que estuda há anos a Baixa da cidade, foram reforçadas pelo trabalho de pesquisa e análise de dados que levou à publicação online da obra “Avenida dos Aliados e Baixa do Porto: usos e movimentos” (www.portovivosru.pt/1avenida/publicacoes). Realizada no âmbito do programa 1.ª Avenida - dinamização económica e social da baixa, o livro pretende “promover a compreensão das dinâmicas, ao longo de século e meio, sobretudo as mais recentes, de um espaço especial da cidade que se faz todos os dias”.
Ao longo de 130 páginas, é possível ver a evolução da Avenida dos Aliados e da sua envolvente, desde a sua construção, em meados do século XX, até aos dias de hoje. “É uma história que pode ser contada como a emergência do centro, o seu apogeu, os sinais de decadência e a nova vida. Do ponto de vista simbólico, continua a ser o centro e nunca deixou de o ser”, diz o geógrafo. O resto foi sofrendo mudanças.
De espaço de comércio especializado, passando para a zona nobre de serviços – com consultórios e instituições bancárias -, sofrendo com algum abandono enquanto a cidade se tornava cada vez mais um núcleo metropolitano e reemergindo como zona agregadora de hotéis, restaurantes e aquilo que Rio Fernandes designa como “comércio híbrido” (espaços onde é possível, por exemplo, “comprar livros e beber um copo”) e “comércio neo-tradicional” (“lojas sofisticadas, que vendem produtos tradicionais, mas já não são as tascas ou mercearias dos anos 60”), os Aliados são também o palco de novos problemas que o governo da cidade terá de resolver.
“A transferência da noite para a área da Avenida dos Aliados trouxe aquilo que todas as cidades têm – conflitos entre os vários usos e utilizadores da cidade. Há um termo para definir isto, o cronourbanismo. Há, cada vez mais, a necessidade de planear e fazer a gestão urbana a pensar no tempo. É preciso ver como o espaço é usado por pessoas diferentes a horas diferentes”, diz o especialista.
O turismo e a animação nocturna, associado a um “residual” aumento de residentes, terminaram com a ideia dos anos 80 de uma Baixa vazia depois das 20h e sem gente ao fim-de-semana. Congregar a qualidade de vida de quem lá vive (e que quer dormir sossegado) e de quem procura o espaço apenas para se divertir é, por isso, o grande desafio que Rio Fernandes encontra no fim do trabalho de pesquisa feito para este livro, associado à necessidade de manter a “coesão social” do centro. E explica: “Há o risco de tornar o centro num parque temático, num espaço para estudantes universitários e alguns bobo’s, como dizem os franceses, referindo-se a burgueses e boémios. Este risco é muito claro no caso do Quarteirão das Cardosas, com um hotel de 5 estrelas que não é para residentes, tudo muito bonitinho mas onde não têm lugar os pobres nem comícios”, diz.
Definidos os desafios, Rio Fernandes não se atreve a imaginar como será a Avenida dos Aliados daqui a vinte anos. Mas encara o futuro com “algum optimismo”, justificando: “A minha convicção é que a equipa política actual compreende que a área central da cidade tem de ser um espaço de coesão, de mistura, complexo, não especializado e não apenas dirigido a um tipo de utilizadores.”