Maioria das concessões de água a privados obriga câmaras a suportar as quebras no consumo
Auditoria do Tribunal de Contas conclui que não há uma partilha do risco entre as câmaras e as concessionárias e que os contratos beneficiam sobretudo os privados.
Para tentar resolver estes problemas, o organismo liderado por Guilherme d’Oliveira Martins, recomenda a eliminação progressiva das cláusulas contratuais “que implicam a transferência de riscos operacionais, financeiros e de procura para o concedente” e uma redução das taxas internas de rentabilidade (TIR), que nalguns casos superam os 15%.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Para tentar resolver estes problemas, o organismo liderado por Guilherme d’Oliveira Martins, recomenda a eliminação progressiva das cláusulas contratuais “que implicam a transferência de riscos operacionais, financeiros e de procura para o concedente” e uma redução das taxas internas de rentabilidade (TIR), que nalguns casos superam os 15%.
O TdC alerta que a maioria das concessões analisadas não transferiram para o parceiro privado os riscos de mercado, procura, financeiros, construção e de exploração, pondo em causa o princípio da partilha de risco que deve estar subjacente a uma parceria público-privada. E dá como um exemplo: “cerca de 74% dos contratos de concessão prevêem, expressamente, a possibilidade das concessionárias serem ressarcidas pelos municípios concedentes em relação ao caso base, no caso de se verificar uma determinada redução do volume total de água facturado e da estimativa de evolução do número de consumidores”.
O problema é que, alerta o TdC, as projecções adoptadas nos contratos quanto ao crescimento populacional e quanto às capitações apresentam “em muitas dessas concessões, um desfasamento substancial da realidade de muitos municípios”. Com a agravante de estas estimativas terem sido aprovadas sem serem postas em causa pelos municípios. Em regra, a previsão da água consumida e facturada está entre 10% e 30% abaixo dos valores estimados no contrato de concessão, refere o relatório, dando como exemplo as concessões de Barcelos, Paços de Ferreira, Paredes, Carrazeda de Ansiães e Marco de Canavezes, localidades onde “os consumos efectivos estão abaixo do previsto em mais de 20%”.
Perante projecções e estimativas que se revelaram “sistematicamente optimistas”, nota o TdC, “o risco de o concedente assumir um encargo permanente e insustentável é elevado”.
Mas não isenta de responsabilidade as câmaras. Dos sistemas auditados, 95% não forma objectivo de qualquer estudo de viabilidade económica e financeira por parte do municípios. E “na generalidade dos contratos de concessão não existiram evidências de qualquer preocupação, por parte dos municípios concedentes, com a análise de risco e de sustentabilidade dos potenciais impactos financeiros associados a eventuais cenários adversos das concessões”. Isso levou a que os interesses financeiros e dos próprios utilizadores não fossem devidamente defendidos.
O tribunal refere ainda que as cláusulas dos contratos relacionadas com o reequilíbrio financeiro revelaram-se “demasiado abertos” e não permitiram “identificar de forma clara e objectiva os eventos elegíveis” para accionar esse mecanismo. O TdC revela ainda que todas as concessões foram alvo de reequilíbrio ou de alterações contratuais , contudo, isso nunca levou a qualquer redução do tarifário em benefício dos consumidores.
Olhando para os encargos públicos com as concessões, o TdC conclui que até Junho de 2013, as concessões da Figueira da Foz, Ourém, Barcelos, Batalha, Fundão, Alcanena, Setúbal, Paços de Ferreira, Santa Maria da Feira, Carrazeda de Ansiães e Fafe custaram 93,3 milhões de euros.
O TdC faz um conjunto de recomendações ao Governo e à Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos. Uma das prioridades é que em sede de revisão ou de negociação contratual, as partes envolvidas acordem a redução das TIR accionistas, quando estas sejam superiores a 10%. O TdC entende que o actual quadro orçamental e económico não é compatível com taxas de rentabilidade que oscilam entre os 9,5% em Cascais e os 15,5% em Campo Maior. Os constrangimentos orçamentais que os municípios enfrentam também levam o tribunal a aconselhar uma reavaliação dos “ambiciosos planos de investimento assumidos por alguns municípios”.
Recomenda-se ainda a criação de mecanismos de partilha de benefícios, com os utentes e os concedentes, “em especial, os resultantes da descida programada, para os próximos anos, em sede de IRC” e a eliminação progressiva de cláusulas contratuais que implicam a transferência de riscos operacionais, financeiros e de procura para a câmara.
A primeira concessão de um sistema municipal de distribuição de água ocorreu em Mafra, em 1994, depois disso outras se seguiram. A última foi assinada em 2011 e concessionou a distribuição de água na cidade do Fundão.