As portas não voltarão a ser iguais

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anthony coleman

Sempre que há uma exposição de arquitectura, comissários e críticos falam da dificuldade de expor o tema. É exactamente por aqui que começa o texto que a comissária Kate Goodwin escreveu para o catálogo, dizendo que a tarefa da exposição Sensing Spaces: Architecture Reimagined está longe de ser simples: quer evocar a experiência e o poder da arquitectura numa galeria tradicional como a Royal Academy of Arts, em Londres, e convidou para isso sete arquitectos de seis países, entre os quais os portugueses Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura. Não há nada melhor, diz Kate Goodwin, do que sentir um edifício — e o que nos oferecem normalmente estas exposições são desenhos, fotografias e as inevitáveis maquetas.

A ambição é, então, redefinir o que as exposições de arquitectura querem ser. Os arquitectos tiveram total liberdade, diz-nos Eduardo Souto de Moura, que tem duas magníficas peças à altura da ambição da Royal Academy of Arts. Desenhou duas “portas”, ou arcos, elementos que representam em arquitectura a passagem do exterior para o interior, ou a passagem entre dois espaços. É com uma delas que arranca a exposição no interior do edifício, se considerarmos o eixo natural do desenho neo-clássico da Royal Academy. Antes, no pátio da Burlington House, em Piccadilly, vemos apenas a intervenção de Álvaro Siza, que desconstrói os elementos de uma coluna amarela.

A exposição junta-lhes as intervenções dos chilenos Pezo von Ellrichshausen, das irlandesas Grafton Architects, do japonês Kengo Kuma, do chinês Li Xiaodong e ainda de Diébédo Francis Kéré, um arquitecto nascido no Burkina Faso e com atelier em Berlim — todos nomes que costumam integrar exposições internacionais de arquitectura ou estar presentes nas publicações da área.

Siza e Souto de Moura já tinham desenhado em 2005, na capital inglesa, um dos pavilhões temporários que a Serpentine Gallery monta todos os Verões nos Kensington Gardens, um momento alto do calendário anual da arquitectura mundial. Os pavilhões são hoje uma das formas mais bem-sucedidas de mostrar arquitectura.

Eduardo Souto de Moura ainda está um pouco perplexo com o êxito da sua intervenção na Royal Academy of Arts e diz que o unanimismo é um pouco assustador. Dos jornalistas em Londres às pessoas que o param na rua para lhe dar os parabéns depois de terem visto a exposição. Ao telefone a partir do seu atelier no Porto, Souto de Moura repete o seu discurso (ou o seu não-discurso) de que não sabe exactamente porque é que fez as peças, que talvez com o tempo venha a saber — o mesmo que tinha dito na entrevista à comissária publicada no referido catálogo.

Mas as referências que vão aparecendo ao longo da conversa são mais do que muitas, desde o álbum An American Prayer (Jim Morrison & The Doors) a Palladio e Italo Calvino. No pequeno texto que fez para a inauguração do final de Janeiro, intitulado The Doors, o arquitecto acrescenta ainda a Grécia, Roma e os pós-modernos: “Esta instalação trata da permanência da forma e da continuidade na arquitectura [...]. O que vai mudando são os materiais, o sistema construtivo, e como tal, a linguagem.”

As portas de Souto Moura são feitas de betão com fibra de aço: pesam uma tonelada mas têm apenas dois dedos de espessura. A primeira, em forma de arco, é uma cópia da porta em mármore vermelho e negro que atravessamos, e é como se o seu fantasma se deslocasse da parede e viajasse até ao século XXI para nos dar entrada na contemporaneidade. Ao destacar-se da parede, o novo arco transforma-se num misto entre arquitectura e escultura. O crítico de arquitectura do Financial Times, que é fã de Souto de Moura, escreve que as duas portas se propõem como arcos do triunfo.

Souto de Moura explica ao Ípsilon que não tentou fazer o negativo do arco, tema comum na sua arquitectura, e que trabalhou no Estádio de Braga. “É um arco feito nos dois sentidos.” O extradorso do arco, que geralmente é invisível porque está integrado na parede, passa então a ser tão visível como o intradorso. Mais do que catalogando este objecto, o arquitecto vai ensaiando algumas motivações: “É uma experimentação que me ajuda a tirar conclusões. Eu uso estas coisas, em que me divirto imenso e de que gosto muito, como um laboratório.” Não é arquitectura, repete, é uma reflexão sobre arquitectura.

Como Souto de Moura gosta mais de falar das suas dificuldades, ou inseguranças, do que das suas certezas, a exposição é um momento para o arquitecto reflectir sobre como é difícil inovar quando se fazem portas. “O meu medo quando desenhava portas e janelas tinha sempre a ver com uma noção de fragilidade e de ridículo. Comparava e copiava as proporções das janelas antigas e aquilo saía-me sempre mal. Até que cheguei à conclusão de que o que me faltava era a espessura: as janelas antigas têm três dimensões, comprimento, altura e espessura. Agora, como nós construímos com 20 centímetros ou dez de espessura, as aberturas ficam com um ar frágil. A porta e a janela pertencem a uma gramática que tem a ver com uma construção gravítica, tectónica e ligada, em certa parte, à arquitectura vernacular.”

O arquitecto português acha que já resolveu o seu trauma com as janelas: vejam-se os exemplos dos prédios em Barcelona ou do Convento das Bernardas em Tavira, em que a profundidade e as sombras são trabalhadas como elementos expressivos. Faltavam as portas. Em Londres, e voltamos ao interior da Burlington House, o que dá a imagem da arquitectura neo-palladiana são as portas, sublinha. “Existem tecnologias que substituem o material, mas o desenho é sempre o mesmo. A ideia de porta, de janela, de muro é sempre a mesma.”

E não será um paradoxo trabalhar sobre a dificuldade de fazer portas e retirá-las da parede? “É. Eu adoro o Venturi na contradição”, responde-nos, referindo-se ao famoso livro do arquitecto e teórico Robert Venturi, Complexidade e Contradições em Arquitectura (1966), em que faz uma crítica da arquitectura moderna e disseca o “Menos é Mais” de Mies van der Rohe. Mas Mies, um dos heróis de Souto de Moura, também é convocado para explicar que uma porta feita de betão é diferente da que é feita de mármore, embora o desenho seja igual. Para ele, o Altes Museum (1830) de Karl Friedrich Schinkel, em Berlim, não é muito diferente da Neue Nationalgalerie (1968) de Mies, também em Berlim: Schinkel usou cerca de 20 colunas para suster o pórtico e Mies usou apenas quatro. “Por isso, a réplica com outro material transforma-se noutra coisa.”

Nas paredes da Royal Academy, está uma frase retirada da entrevista do catálogo: “Para mim, a arquitectura requere continuidade: temos de continuar o que os outros fizeram antes de nós, mas usando materiais melhores e diferentes métodos de construção.” Se calhar, a arquitectura foi sempre igual: “Acomodou-se conforme as geografias, as culturas, os meios e os materiais, mas no fundo tem sempre esta ideia de continuidade do clássico, que vai variando. Fiz em betão, mas podia ser em plástico. Para as pessoas perceberem que os dois arcos que lá estão são completamente diferentes, apesar de serem uma réplica um do outro, exactamente pela espessura e pelo suporte.”

As portas são, por isso, “ultramodernas”. Depois de 20 anos de trabalho, o arquitecto descobriu, diz à comissária, que é mais difícil ser bom do que ser original e que muitas vezes ser bom é ser natural.

Os efeitos deste trabalho, deste laboratório, no futuro da sua arquitectura, também ainda estão para vir, mas a ideia de leveza, que pediu emprestada a Calvino, é importante: trabalhar para uma progressiva redução de material. “Esta forma de fazer arquitectura no século XXI vai acabar, e em Portugal então tem mesmo de ser alterada. Não se pode estar cinco anos à espera de uma casa. Não se pode construir uma parede de tijolo, depois pôr o emboço e o reboco e depois partir tudo para pôr fios eléctricos. Não se podem fazer paredes tortas e depois gastar dois ou três recipientes de massa para ficarem direitas.” A imagem do que aconteceu à nossa roupa serve para explicar o que vai acontecer à construção. Haverá grande qualidade nos elementos pré-fabricados, o pronto-a-vestir, e às vezes, só em ocasiões especiais, desenhar-se-á tudo de raiz. “Estou a fazer um prédio em Luanda, em betão branco, cujas fachadas vão ser pré-fabricadas cá. São uns brise-soleil. Todo o esqueleto é feito lá.” É claro que é também por causa da dificuldade de acesso aos materiais e à mão-de-obra especializada em Angola, mas são situações como estas que servem para pensar o futuro.

O que é o espaço?

África é justamente o centro do trabalho de Diébédo Francis Kéré. É famosa a escola primária em Gando, no Burkina Faso, em que usa materiais, tecnologia e mão-de-obra locais para dar corpo ao projecto. “Eu acredito que é importante envolver as pessoas no processo de construção para que invistam no seu desenvolvimento; pensando e trabalhando em conjunto, as pessoas descobrem que o objecto construído se torna parte de uma experiência agregadora”, lê-se na parede ao lado do arco-túnel de Kéré.

A instalação também partiu de uma reflexão sobre as portas da Royal Academy of Arts, que o arquitecto considera demasiado estreitas para o espaço das galerias, tendo o efeito de afunilar as pessoas. É isso mesmo que mostra a estrutura, um túnel que estreita no meio.

Souto de Moura diz que os dois conversaram sobre o que iam fazer, uma vez que as duas instalações ficam ao lado uma da outra. “Ele também tem um arco feito com um material actual. Achei muito interessante: Arte Povera.” O material é um plástico com uma estrutura em favo que os visitantes vão enchedo com palhinhas coloridas de um metro de comprimento. “Fura-se aquele material, vão metendo, metendo [palhinhas], e é isso que dá a resistência e faz a ligação das peças. É estrutural, não é um divertimento.”

Mas era o que parecia no domingo em que visitámos a Royal Academy, quando um atelier para crianças tinha invadido a exposição e a festa se fazia mesmo ali.

Depois, há a peça dos chilenos Pezo von Ellrichshausen, que no ano passado tiveram uma exposição na LX Factory, em Lisboa. Formas puras em pinho não tratado constroem uma peça gigantesca que nos permite, percorrendo-a, chegar às decorações douradas do tecto da Royal Academy. Menos avassaladora e colocando questões importantes, a instalação das irlandesas Yvonne Farrell e Shelley McNamara. Sob as nossas cabeças, estruturas suspensas fazem-nos pensar no peso em arquitectura. É também um trabalho sobre luz e sombra. Um pouco falhada, a intervenção do chinês Li Xiaodong parte da belíssima biblioteca construída em Huairou, nos arredores de Pequim, em que explorou uma fachada feita de gravetos — pequenos pauzinhos — para construir um labirinto que se articula com um jardim zen.

O trabalho do japonês Kengo Kuma explora as possibilidades de construir limites com o mínimo material possível, neste caso paus de bambu com quatro milímetros de diâmetro.

O limite é também um tema sobre o qual reflecte Souto de Moura quando lhe pedem para explicar, como fez o crítico do Financial Times, o que é o espaço. E estamos de volta à sala de Souto de Moura, onde se lê provocatoriamente, nesta exposição que nos pede para sentir os espaços: “O espaço para um arquitecto não existe, por isso nós desenhamos os limites que dão a impressão de espaço.”

Saímos da Royal Academy of Arts a pensar que nunca mais vamos voltar a olhar para uma porta da mesma maneira. 

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Sempre que há uma exposição de arquitectura, comissários e críticos falam da dificuldade de expor o tema. É exactamente por aqui que começa o texto que a comissária Kate Goodwin escreveu para o catálogo, dizendo que a tarefa da exposição Sensing Spaces: Architecture Reimagined está longe de ser simples: quer evocar a experiência e o poder da arquitectura numa galeria tradicional como a Royal Academy of Arts, em Londres, e convidou para isso sete arquitectos de seis países, entre os quais os portugueses Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura. Não há nada melhor, diz Kate Goodwin, do que sentir um edifício — e o que nos oferecem normalmente estas exposições são desenhos, fotografias e as inevitáveis maquetas.

A ambição é, então, redefinir o que as exposições de arquitectura querem ser. Os arquitectos tiveram total liberdade, diz-nos Eduardo Souto de Moura, que tem duas magníficas peças à altura da ambição da Royal Academy of Arts. Desenhou duas “portas”, ou arcos, elementos que representam em arquitectura a passagem do exterior para o interior, ou a passagem entre dois espaços. É com uma delas que arranca a exposição no interior do edifício, se considerarmos o eixo natural do desenho neo-clássico da Royal Academy. Antes, no pátio da Burlington House, em Piccadilly, vemos apenas a intervenção de Álvaro Siza, que desconstrói os elementos de uma coluna amarela.

A exposição junta-lhes as intervenções dos chilenos Pezo von Ellrichshausen, das irlandesas Grafton Architects, do japonês Kengo Kuma, do chinês Li Xiaodong e ainda de Diébédo Francis Kéré, um arquitecto nascido no Burkina Faso e com atelier em Berlim — todos nomes que costumam integrar exposições internacionais de arquitectura ou estar presentes nas publicações da área.

Siza e Souto de Moura já tinham desenhado em 2005, na capital inglesa, um dos pavilhões temporários que a Serpentine Gallery monta todos os Verões nos Kensington Gardens, um momento alto do calendário anual da arquitectura mundial. Os pavilhões são hoje uma das formas mais bem-sucedidas de mostrar arquitectura.

Eduardo Souto de Moura ainda está um pouco perplexo com o êxito da sua intervenção na Royal Academy of Arts e diz que o unanimismo é um pouco assustador. Dos jornalistas em Londres às pessoas que o param na rua para lhe dar os parabéns depois de terem visto a exposição. Ao telefone a partir do seu atelier no Porto, Souto de Moura repete o seu discurso (ou o seu não-discurso) de que não sabe exactamente porque é que fez as peças, que talvez com o tempo venha a saber — o mesmo que tinha dito na entrevista à comissária publicada no referido catálogo.

Mas as referências que vão aparecendo ao longo da conversa são mais do que muitas, desde o álbum An American Prayer (Jim Morrison & The Doors) a Palladio e Italo Calvino. No pequeno texto que fez para a inauguração do final de Janeiro, intitulado The Doors, o arquitecto acrescenta ainda a Grécia, Roma e os pós-modernos: “Esta instalação trata da permanência da forma e da continuidade na arquitectura [...]. O que vai mudando são os materiais, o sistema construtivo, e como tal, a linguagem.”

As portas de Souto Moura são feitas de betão com fibra de aço: pesam uma tonelada mas têm apenas dois dedos de espessura. A primeira, em forma de arco, é uma cópia da porta em mármore vermelho e negro que atravessamos, e é como se o seu fantasma se deslocasse da parede e viajasse até ao século XXI para nos dar entrada na contemporaneidade. Ao destacar-se da parede, o novo arco transforma-se num misto entre arquitectura e escultura. O crítico de arquitectura do Financial Times, que é fã de Souto de Moura, escreve que as duas portas se propõem como arcos do triunfo.

Souto de Moura explica ao Ípsilon que não tentou fazer o negativo do arco, tema comum na sua arquitectura, e que trabalhou no Estádio de Braga. “É um arco feito nos dois sentidos.” O extradorso do arco, que geralmente é invisível porque está integrado na parede, passa então a ser tão visível como o intradorso. Mais do que catalogando este objecto, o arquitecto vai ensaiando algumas motivações: “É uma experimentação que me ajuda a tirar conclusões. Eu uso estas coisas, em que me divirto imenso e de que gosto muito, como um laboratório.” Não é arquitectura, repete, é uma reflexão sobre arquitectura.

Como Souto de Moura gosta mais de falar das suas dificuldades, ou inseguranças, do que das suas certezas, a exposição é um momento para o arquitecto reflectir sobre como é difícil inovar quando se fazem portas. “O meu medo quando desenhava portas e janelas tinha sempre a ver com uma noção de fragilidade e de ridículo. Comparava e copiava as proporções das janelas antigas e aquilo saía-me sempre mal. Até que cheguei à conclusão de que o que me faltava era a espessura: as janelas antigas têm três dimensões, comprimento, altura e espessura. Agora, como nós construímos com 20 centímetros ou dez de espessura, as aberturas ficam com um ar frágil. A porta e a janela pertencem a uma gramática que tem a ver com uma construção gravítica, tectónica e ligada, em certa parte, à arquitectura vernacular.”

O arquitecto português acha que já resolveu o seu trauma com as janelas: vejam-se os exemplos dos prédios em Barcelona ou do Convento das Bernardas em Tavira, em que a profundidade e as sombras são trabalhadas como elementos expressivos. Faltavam as portas. Em Londres, e voltamos ao interior da Burlington House, o que dá a imagem da arquitectura neo-palladiana são as portas, sublinha. “Existem tecnologias que substituem o material, mas o desenho é sempre o mesmo. A ideia de porta, de janela, de muro é sempre a mesma.”

E não será um paradoxo trabalhar sobre a dificuldade de fazer portas e retirá-las da parede? “É. Eu adoro o Venturi na contradição”, responde-nos, referindo-se ao famoso livro do arquitecto e teórico Robert Venturi, Complexidade e Contradições em Arquitectura (1966), em que faz uma crítica da arquitectura moderna e disseca o “Menos é Mais” de Mies van der Rohe. Mas Mies, um dos heróis de Souto de Moura, também é convocado para explicar que uma porta feita de betão é diferente da que é feita de mármore, embora o desenho seja igual. Para ele, o Altes Museum (1830) de Karl Friedrich Schinkel, em Berlim, não é muito diferente da Neue Nationalgalerie (1968) de Mies, também em Berlim: Schinkel usou cerca de 20 colunas para suster o pórtico e Mies usou apenas quatro. “Por isso, a réplica com outro material transforma-se noutra coisa.”

Nas paredes da Royal Academy, está uma frase retirada da entrevista do catálogo: “Para mim, a arquitectura requere continuidade: temos de continuar o que os outros fizeram antes de nós, mas usando materiais melhores e diferentes métodos de construção.” Se calhar, a arquitectura foi sempre igual: “Acomodou-se conforme as geografias, as culturas, os meios e os materiais, mas no fundo tem sempre esta ideia de continuidade do clássico, que vai variando. Fiz em betão, mas podia ser em plástico. Para as pessoas perceberem que os dois arcos que lá estão são completamente diferentes, apesar de serem uma réplica um do outro, exactamente pela espessura e pelo suporte.”

As portas são, por isso, “ultramodernas”. Depois de 20 anos de trabalho, o arquitecto descobriu, diz à comissária, que é mais difícil ser bom do que ser original e que muitas vezes ser bom é ser natural.

Os efeitos deste trabalho, deste laboratório, no futuro da sua arquitectura, também ainda estão para vir, mas a ideia de leveza, que pediu emprestada a Calvino, é importante: trabalhar para uma progressiva redução de material. “Esta forma de fazer arquitectura no século XXI vai acabar, e em Portugal então tem mesmo de ser alterada. Não se pode estar cinco anos à espera de uma casa. Não se pode construir uma parede de tijolo, depois pôr o emboço e o reboco e depois partir tudo para pôr fios eléctricos. Não se podem fazer paredes tortas e depois gastar dois ou três recipientes de massa para ficarem direitas.” A imagem do que aconteceu à nossa roupa serve para explicar o que vai acontecer à construção. Haverá grande qualidade nos elementos pré-fabricados, o pronto-a-vestir, e às vezes, só em ocasiões especiais, desenhar-se-á tudo de raiz. “Estou a fazer um prédio em Luanda, em betão branco, cujas fachadas vão ser pré-fabricadas cá. São uns brise-soleil. Todo o esqueleto é feito lá.” É claro que é também por causa da dificuldade de acesso aos materiais e à mão-de-obra especializada em Angola, mas são situações como estas que servem para pensar o futuro.

O que é o espaço?

África é justamente o centro do trabalho de Diébédo Francis Kéré. É famosa a escola primária em Gando, no Burkina Faso, em que usa materiais, tecnologia e mão-de-obra locais para dar corpo ao projecto. “Eu acredito que é importante envolver as pessoas no processo de construção para que invistam no seu desenvolvimento; pensando e trabalhando em conjunto, as pessoas descobrem que o objecto construído se torna parte de uma experiência agregadora”, lê-se na parede ao lado do arco-túnel de Kéré.

A instalação também partiu de uma reflexão sobre as portas da Royal Academy of Arts, que o arquitecto considera demasiado estreitas para o espaço das galerias, tendo o efeito de afunilar as pessoas. É isso mesmo que mostra a estrutura, um túnel que estreita no meio.

Souto de Moura diz que os dois conversaram sobre o que iam fazer, uma vez que as duas instalações ficam ao lado uma da outra. “Ele também tem um arco feito com um material actual. Achei muito interessante: Arte Povera.” O material é um plástico com uma estrutura em favo que os visitantes vão enchedo com palhinhas coloridas de um metro de comprimento. “Fura-se aquele material, vão metendo, metendo [palhinhas], e é isso que dá a resistência e faz a ligação das peças. É estrutural, não é um divertimento.”

Mas era o que parecia no domingo em que visitámos a Royal Academy, quando um atelier para crianças tinha invadido a exposição e a festa se fazia mesmo ali.

Depois, há a peça dos chilenos Pezo von Ellrichshausen, que no ano passado tiveram uma exposição na LX Factory, em Lisboa. Formas puras em pinho não tratado constroem uma peça gigantesca que nos permite, percorrendo-a, chegar às decorações douradas do tecto da Royal Academy. Menos avassaladora e colocando questões importantes, a instalação das irlandesas Yvonne Farrell e Shelley McNamara. Sob as nossas cabeças, estruturas suspensas fazem-nos pensar no peso em arquitectura. É também um trabalho sobre luz e sombra. Um pouco falhada, a intervenção do chinês Li Xiaodong parte da belíssima biblioteca construída em Huairou, nos arredores de Pequim, em que explorou uma fachada feita de gravetos — pequenos pauzinhos — para construir um labirinto que se articula com um jardim zen.

O trabalho do japonês Kengo Kuma explora as possibilidades de construir limites com o mínimo material possível, neste caso paus de bambu com quatro milímetros de diâmetro.

O limite é também um tema sobre o qual reflecte Souto de Moura quando lhe pedem para explicar, como fez o crítico do Financial Times, o que é o espaço. E estamos de volta à sala de Souto de Moura, onde se lê provocatoriamente, nesta exposição que nos pede para sentir os espaços: “O espaço para um arquitecto não existe, por isso nós desenhamos os limites que dão a impressão de espaço.”

Saímos da Royal Academy of Arts a pensar que nunca mais vamos voltar a olhar para uma porta da mesma maneira.