Jovens de 21 anos têm três vezes mais escolarização do que os pais

As conclusões do estudo que acompanha 2942 adolescentes desde 2003 são discutidas esta quinta-feira. Há dados que preocupam, como a persistência do consumo de álcool e de tabaco e a violência no namoro

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Carlos Lopes /Arquivo

Apesar de a maioria dos pais dos jovens inquiridos ter apenas o ensino obrigatório (53,2% das mães e 53,5% dos pais), no caso dos jovens apenas 8,5% não passaram daquele nível de ensino. O mesmo para o ensino superior: apenas 22,6% das mães e 20,95 dos pais concluíram a universidade, enquanto, entre os jovens inquiridos, 36,9% tinham já licenciatura e 27,8% estavam a frequentar a universidade.

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Apesar de a maioria dos pais dos jovens inquiridos ter apenas o ensino obrigatório (53,2% das mães e 53,5% dos pais), no caso dos jovens apenas 8,5% não passaram daquele nível de ensino. O mesmo para o ensino superior: apenas 22,6% das mães e 20,95 dos pais concluíram a universidade, enquanto, entre os jovens inquiridos, 36,9% tinham já licenciatura e 27,8% estavam a frequentar a universidade.

“Estes dados mostram que o valor da educação está muito bem incorporado na sociedade portuguesa”, analisa Anália Torres, socióloga e investigadora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, instituição convidada agora a participar no projecto do Instituto de Saúde Pública e do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. A socióloga considera que estes resultados mostram que “o país mudou radicalmente em termos de escolaridade, no espaço de apenas uma geração”. Logo, “todos os tostões investidos em educação foram muitíssimo bem gastos”.

Não nos precipitemos, porém, a pensar que Portugal dá cartas na matéria. “O país deu um salto brutal em apenas duas gerações, mas continua com uma taxa média de escolaridade comparativamente, também se partiu de um patamar também muito baixo: temos sete ou oito anos de escolaridade média enquanto a média europeia anda à volta dos 11 ou 12 anos de escolaridade”, precisa a socióloga.

Apesar de ter ficado demonstrado que a grande maioria dos jovens com pais pouco escolarizados estavam ainda a estudar aos 21 anos - o que evidencia a tendência dos filhos para contrariarem o destino social dos pais -, não se pode dizer que o background familiar não tem influência na trajectória dos jovens. Afinal, os jovens que aos 21 anos já estavam a trabalhar eram maioritariamente oriundos de famílias pouco escolarizadas, enquanto os que têm origens mais escolarizadas estavam em maior número a estudar.

Do mesmo modo, quanto maior a escolaridade dos pais, menor a percentagem de jovens que já tinha reprovado. Ao pormenor: entre os jovens cujos pais só completaram até ao 3º ciclo do ensino básico, a percentagem dos que chumbaram oscila entre os 50 e os 60%. Entre os que tem pais com o ensino secundário ou superior, a grande maioria (70 e 90%, respectivamente) nunca reprovou.

A categoria profissional dos pais também permitiu apurar algumas variáveis: os jovens cujos pais exercem funções intelectuais “são os que menos demonstram insucesso escolar, com uma percentagem de não retenção de aproximadamente 90%. Ao contrário, entre os filhos de operários e trabalhadores não qualificados, a retenção escolar chega aos 60%. “Uma coisa curiosa é que entre os empresários pouco escolarizados o nível de retenção é muito baixo, cerca de 26%, o que nos leva a acreditar que o poder económico lhes permite investir mais na educação dos filhos, pagando explicações, por exemplo”.

Apesar das condicionantes sociais de origem, eram muitos os jovens que, tendo pais pouco escolarizados, nunca chumbaram na escola. Aqui, a variável que faz a diferença é tempo investido a ler ou a estudar. “O efeito da baixa escolaridade dos pais poderá ser compensado pela leitura ou estudo”, lê-se no documento a que o PÚBLICO teve acesso. Ou, como sublinha Anália Torres, “um miúdo que estude mais horas pode, independentemente da sua origem social, aumentar a probabilidade de não ficar retido”. Sendo verdade que “quanto mais alta a escolarização dos pais, mais tempo investem os filhos a ler e a estudar e menos tempo a ver televisão”.

Discriminação começa logo aos 21
Quanto às diferenças entre género, confirmam-se os resultados doutros estudos: as raparigas são mais escolarizadas do que os rapazes, “o que é explicado em parte pela maior taxa de retenção escolar masculina”. Entre os inquiridos, 42,8% das raparigas já tinham concluído a licenciatura, contra 30,3% dos rapazes.

Porém, para lá dos 65,7% dos rapazes e 64,6% das raparigas que ainda estavam a estudar, a amostra evidencia que, dos 2942 jovens inquiridos, 15,8% estavam desempregados ou à procura do primeiro emprego e 15,2% estavam empregados a tempo inteiro. E o dado curioso é que, apesar de as raparigas serem tendencialmente mais escolarizadas, elas enfrentam maiores dificuldades no mercado de trabalho, logo a partir destas idades. Enquanto 16,7% dos rapazes trabalhavam a tempo inteiro, apenas 13,7% das raparigas o conseguiam. Por outro lado, 7,7% das raparigas trabalhavam a tempo parcial face a 5,4% dos rapazes. E não era por opção. “A grande maioria das raparigas preferia trabalhar a tempo inteiro”, ressalva Anália Cardoso Torres.

“Elas começam a ser discriminadas no mercado de trabalho desde estas idades. Apesar de ainda não estarem em idade de constituir família, uma rapariga é logo encarada como uma trabalhadora potencialmente menos valiosa pelo facto de poder vir a ser mãe”, denuncia ainda a socióloga, para quem há aqui muito trabalho de sensibilização a fazer. Até porque “são já vários os estudos que mostram que não é verdade que elas faltem mais ao trabalho, mesmo depois da maternidade”. Por outro lado, “os homens sentem o problema do estigma ao contrário. Quando se tornam pais, o que é que o patrão espera? Que ele trabalhe mais horas. Os que gozam a licença [de paternidade] chegam a ser mal vistos no local de trabalho”.

Fumam, embriagam-se e mandam SMS ao volante
Sendo certo que os 2.942 jovens inquiridos pelo Epiteen demonstraram ter escalado vários degraus no tocante à escolarização, a questão que se coloca agora é a de saber de que modo irá este ganho reflectir-se nos respectivos percursos profissionais. “A escolarização está ganha, não se volta atrás, mas quais são os seus efeitos em termos de emprego e mobilidade social é algo que só se poderá aferir a partir de agora”, adianta Anália Cardoso Torres.

Em 2014 estes jovens, nascidos em 1990 e alunos de escolas públicas e privadas da cidade do Porto, serão reavaliados e, aos 24 anos, “esta trajectória já estará muito mais definida”, conforme adianta Elisabete Ramos, investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto e do Departamento de Epidemiologia da UP, justificando assim o intervalo temporal menor entre inquéritos.

Os jovens foram pela primeira vez aos 13 anos (2003/2004), depois aos 17 (2007/2008) e de seguida aos 21 (2011/2013). Desta última avaliação,resultou claro que as campanhas de dissuasão não estão a surtir os efeitos desejados, em questões como o álcool, o tabaco, a condução em segurança e até mesmo a violência.

Por partes: 64% dos adolescentes reportaram já se ter embriagado, em média sete vezes nos 12 meses que antecederam a entrevista. Dos 75% que declararam conduzir, 70% referiram ter usado o telemóvel enquanto conduziam e aproximadamente 60% já tinham conduzido com sono. No plano afectivo, cerca de 90% referiram estar numa relação íntima (maioritariamente de namoro). Daqueles, 60% reportaram pelo menos um acto de agressão psicológica (insultar ou ameaçar o companheiro), 30% um acto de coerção sexual e 18% em actos físicos (bater ou atirar objectos ao companheiro). Aqui, não foram encontradas diferenças de género, sendo que, segundo os autores do estudo, “os adolescentes que se envolveram em lutas físicas aos 17 anos apresentavam uma maior probabilidade de se envolverem em actos de violência íntima aos 21 anos”.

Quanto ao cigarro, elas fumam quase tanto como eles: 35,9% das raparigas declararam fumar regularmente face a 41,4% dos rapazes. Enquanto aos 17 anos apenas 12,5% dos jovens tinham declarado ter consumido canábis, aos 21 anos a percentagem subiu para os 41%. 

Além de pretender continuar a acompanhar os participantes da coorte de 1990 do Epiteen,  a Universidade do Porto quer começar a estudar os jovens que nasceram em 2000 e que completam este ano 14 anos. A ideia era ter começado o ano passado mas, “não foi possível devido aos constrangimentos financeiros”, adiantou Elisabete Ramos, segundo a qual o projecto “está quase garantido para o próximo ano”.