Miguel Relvas e Marcelo Rebelo de Sousa
Miguel Relvas e Marcelo Rebelo de Sousa marcaram e condicionaram a reunião magna do PSD. Pouco mais parece ter sucedido digno de especial relevo, já que o anúncio da candidatura de Paulo Rangel ao Parlamento Europeu não só não constituiu uma surpresa como foi até obscurecido pela ressonância mediática dos regressos atrás referenciados. Só que isso, que aparenta ser pouco, é na verdade muito. Sobretudo porque sinaliza a natureza, o alcance e os limites da presente liderança partidária.
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Miguel Relvas e Marcelo Rebelo de Sousa marcaram e condicionaram a reunião magna do PSD. Pouco mais parece ter sucedido digno de especial relevo, já que o anúncio da candidatura de Paulo Rangel ao Parlamento Europeu não só não constituiu uma surpresa como foi até obscurecido pela ressonância mediática dos regressos atrás referenciados. Só que isso, que aparenta ser pouco, é na verdade muito. Sobretudo porque sinaliza a natureza, o alcance e os limites da presente liderança partidária.
À luz do que a imagem de Miguel Relvas enquanto político representa hoje no país, justa ou injustamente, só um extensíssimo sentimento de impunidade pública explica a atitude adoptada pelo Primeiro-Ministro. Ele não ignora, como aliás ninguém ignora na sociedade portuguesa, o significado simbólico daquilo que se convencionou apelidar de relvismo. Que, apesar disso, Pedro Passos Coelho proceda à sua reabilitação imediata esclarece-nos acerca da verdadeira natureza do projecto político que dirige e revela o grau de afastamento em relação ao pulsar da opinião pública que o atinge. É certo que um líder pode, e até mesmo deve, em determinadas circunstâncias tomar posições controversas e reconhecidamente impopulares. Deve, porém, fazê-lo em obediência a sólidas convicções de ordem programática, o que não constitui manifestamente o caso. Na melhor das hipóteses estaremos diante de um acto comandado por um impulso de generosidade pessoal que, aparentando ser respeitável, colide, contudo, com as obrigações inerentes ao desempenho de altas funções políticas nacionais. De qualquer modo, tenha sido essa ou outra qualquer a motivação subjacente, o acto em si indicia a instalação nas cúpulas do maior partido português de um clima de sobranceria que auspicia o advento de uma grande arrogância no relacionamento com o país. Tudo isto nos leva a pensar que, inebriados pela sua própria propaganda que se empenha diariamente em tentar transformar minúsculos sinais em clamorosas demonstrações de retoma económica, o Primeiro-Ministro e os seus próximos já se sentem autorizados a desdenhar a opinião pública desvalorizando o potencial reactivo da mesma. A ser assim convirá assegurar redobrada atenção crítica, dado o risco de repetição de atitudes e gestos de idêntico quilate. Curiosamente, uma parte substancial do partido, a atender aos resultados eleitorais verificados, optou por não seguir o líder numa tão tresloucada orientação. Isso constitui, de resto, um saudável sinal.
Já o regresso de Marcelo Rebelo de Sousa tem outro e bem diverso significado. Há poucas semanas Pedro Passos Coelho tinha vetado a sua candidatura presidencial em termos pouco curiais, se não mesmo insultuosos. Marcelo, e bem, deu-se por achado. Num dos seus palcos preferidos, na TVI, contristado mas disciplinado anunciou a renúncia a qualquer ambição presidencial. O assunto parecia encerrado. Como já então se presumia, não estava. Havia muitas formas de o reabrir. Marcelo optou pela mais espectacular: meteu-se num avião no Funchal e aterrou em pleno palco do congresso do PSD. E o que foi ele ali fazer? Celebrar festiva e comovidamente os quarenta anos do partido, recordar os épicos acontecimentos pós revolucionários como as correrias pelos telhados de Beja e o arrombamento das portas da Legião Portuguesa, manifestar solidariedade ao Governo, renovar votos de sucessos eleitorais futuros? Não, Marcelo nunca aceitaria colocar-se no plano da banalidade. Se se decidiu a fazer aquela viagem foi por outro motivo: mostrar a Passos Coelho, diante de um partido inteiro reunido em Congresso, que ninguém, nem mesmo ele enquanto líder, tem legitimidade, dimensão e popularidade suficientes para condicionar a sua liberdade de expressão e de movimentação. Dificilmente se poderia imaginar maior desautorização pública de um líder partidário em funções. Não se limitando a isso, ousou ir ainda mais longe legitimando o comportamento e o discurso de quantos nos últimos tempos se têm distinguido pela enunciação de críticas públicas à coligação governamental. Essa foi a lição de Marcelo, dada com uma ironia que roçou o desprezo pelos destinatários do seu discurso.
Dois regressos, dois destinos. O futuro se encarregará de o provar.
2. Raras vezes num Congresso partidário se assistiu a um tratamento tão desrespeitoso para com o líder do maior partido da oposição. Se assim sucedeu por alguma coisa foi, e essa alguma coisa radica na forma como a direcção do PSD tem tratado o Partido Socialista. Por isso mesmo, os apelos finais ao consenso relevam de um intolerável cinismo e estão condenados ao fracasso. Nas presentes circunstâncias da vida nacional exigir-se-ia um outro sentido da responsabilidade ao principal partido do Governo. Infelizmente não é isso que tem acontecido com nefastas consequências para o país.
3. Do Congresso saiu ainda a peregrina teoria de que nas eleições europeias se vai, sobretudo, julgar o líder do maior partido da oposição. Esta originalidade, própria de imaginações condicionadas por um real receio da derrota, parece destinada a figurar nos manuais de Ciência Política. Sob a forma de anedota.